KnoWhy #256 | Novembro 24, 2017
A execução de Labão por Néfi foi legítima perante a lei?
Postagem contribuída por
Scripture Central
"Obedeci, portanto, à voz do Espírito e peguei Labão pelos cabelos e cortei-lhe a cabeça com sua própria espada." 1 Néfi 4:18
O conhecimento
Pouco após deixar Jerusalém com sua família, Néfi e seus irmãos voltaram para obter uma cópia rara das escrituras, na posse de um homem chamado Labão (1 Néfi 3:2-4). Os irmãos fizeram duas tentativas de receberem as placas, às quais Labão respondeu tentando matá-los (vv. 24-26). Por fim, Néfi retornou sozinho à noite e encontrou Labão embriagado e desacordado (1 Néfi 4:7). Inicialmente, ele resistiu ao que foi compelido (v. 10), contudo, Néfi matou a Labão (v. 18) e conseguiu obter as placas (v. 24).
Essa história é tão perturbadora para os leitores modernos quanto foi para Néfi à época (1 Néfi 4:10). No entanto, John W. Welch, um experiente estudioso da lei bíblica, argumentou que as complexidades da "execução de Labão podem ser avaliadas com grande proveito por meio da perspectiva dos princípios legais vigentes na época de Néfi",1
Embora essa morte não seja justificável na maioria dos sistemas jurídicos atuais, o texto apresenta "vários fatores que reduzem substancialmente a condenação ou a culpabilidade de Néfi segundo a lei de Moisés, como provavelmente era entendida na época de Néfi, por volta de 600 a.C."2 Welch explicou que os fatores jurídicos fundamentais neste caso são:
(1) Estado de espírito: O assassino estava "à espreita" ou "chegou presunçosamente" com a intenção de matar? (2) O papel da vontade divina: "Deus o entregou nas suas mãos" (Êxodo 21:12-14)?3
Diferentemente da definição moderna, a ideia antiga de premeditação exigia que um assassinato fosse planejado previamente ou executado por meio de traição.4 Desse modo, Welch argumentou: "Vários indícios fortes indicam que Néfi tinha essa antiga definição em mente quando escreveu a história de Labão".5 Com relação ao seu estado de espírito, Néfi observou especificamente que ele procedeu "não sabendo de antemão o que deveria fazer" (1 Néfi 4:6).
Como explicado por Welch, esse ponto prova que Néfi não planejava encontrar Labão, muito menos matá-lo. Néfi não sabia onde Labão estava, nem que estaria embriagado. "A ocasião se apresentou espontaneamente. Néfi foi completamente surpreendido ao encontrar Labão. Seu ato não foi planejado, portanto, não foi culpável".6
E no que diz respeito ao papel da vontade divina, como Welch escreveu, "o motivo principal de sua ação foi o fato de Deus ter entregado Labão nas mãos de Néfi. Como o Espírito declarou, foi o Senhor quem causou a morte de Labão".7 As palavras específicas usadas no texto são importantes aqui. Quando Néfi encontrou Labão, o Espírito compeliu Néfi a matá-lo. Quando Néfi resistiu, o Espírito disse novamente a Néfi: "Mata-o, pois o Senhor entregou-o em tuas mãos" (1 Néfi 4:12, ênfase adicionada). Essa justificativa pode se referir a Êxodo 21:13, que afirma que um assassino pode fugir para uma cidade de refúgio se ele "não lhe armou ciladas, mas Deus o entregou nas suas mãos" (ênfase adicionada). O impressionante paralelo entre esses textos indica que o Espírito pode ter justificado legalmente a Néfi pela morte de Labão.8
Uma possível razão para isso é porque Labão cometeu três ofensas graves contra Néfi e seus irmãos. (1) Ele os acusou falsamente de um crime capital (serem "ladrões", 1 Néfi 3:13, Deuteronômio 19:16-19). (2) Ele havia roubado seus bens, provando ser um ladrão (1 Néfi 3:25-26; 4:11). (3) Ele não ouvira os mandamentos do Senhor (1 Néfi 4:11, Deuteronômio 13:15). 9
Portanto, Néfi matou um homem que Deus havia entregado em suas mãos, indicando que ele era digno de morte do ponto de vista divino. Algumas mortes no Velho Testamento ocorreram em circunstâncias semelhantes. Por exemplo, o sacerdote Fineias matou Zinri e Cosbi por violarem a lei (Números 25:8). Amnom violou sua meia-irmã Tamar (2 Samuel 13:14-17), e seu meio-irmão Absalão o matou por isso (v. 29).
É importante ressaltar que o Espírito forneceu ainda outra justificativa para o ato: "Melhor é que pereça um homem do que uma nação degenere e pereça na incredulidade" (1 Néfi 4:13). Welch afirmou que essa lógica "sobre os direitos relativos do indivíduo ou grupo também tem uma longa tradição na história jurídica bíblica e judaica".10 Um exemplo dessa prática é a entrega de Sansão aos filisteus (Juízes 15:9-13). A tradição extrabíblica sugere até que o conselho de anciãos pode ter entregue Jeoaquim, um rei de Judá na época de Leí, a Nabucodonosor para salvar o reino.11
O porquê
É importante analisar os textos antigos em seu próprio contexto, e não em um contexto moderno. Embora a morte de Labão seja perturbadora ou desconfortável para os leitores modernos, "em seu antigo contexto jurídico (...) faria sentido, tanto legal quanto religiosamente, como um assassinato não premeditado, indesejado, divinamente desculpável e justificável - algo muito diferente do que é atualmente considerado homicídio culposo".12 Depois disso, Néfi foi transformado, ao ver que Deus proveria uma maneira para que Suas ordens fossem cumpridas, por mais impossíveis que parecessem. Néfi também aprendeu a importância de seguir o Espírito e permanecer dentro das regras que o Senhor havia revelado.
De fato, a morte de Labão não foi isenta de penalidades ou consequências, por mais que Néfi estivesse convencido de que sua ação era aprovada por Deus, Welch também observou que Néfi agiu correndo um risco considerável: "Não sei se Néfi seria capaz de persuadir um tribunal em Jerusalém a libertá-lo, mas penso que ele certamente considerava que não violara a lei".13
Na verdade, a execução de Labão não ocorreu sem sanções ou consequências. Em um caso como o de Néfi, em que a morte não foi premeditada, o autor teria de fugir para uma das cidades de refúgio especificamente designadas ou deixar a Terra Santa (Números 35:6). Néfi fez exatamente isso. Seu castigo por matar Labão foi, com efeito, um exílio voluntário, do qual Néfi jamais retornaria.
Para os leitores, também pode ser importante deixar que o evento os afete como o fez a Néfi.14 O Élder Holland observou que a narrativa está
bem no início do livro — página 8 — onde até o leitor mais casual a verá e terá que lidar com ela. A intenção não é a de que Néfi ou nós sejamos poupados da provação desse relato. Acredito que essa história foi colocada nos primeiros versículos de um livro de 620 páginas e depois contada em detalhes dolorosamente específicos para que cada leitor desse registro se concentre na questão absolutamente fundamental do Evangelho: a obediência e submissão à vontade comunicada do Senhor. Se Néfi não pudesse ceder a essa ordem terrivelmente dolorosa, se ele não se forçasse a obedecer, então é bem provável que ele jamais seria bem-sucedido ou sobreviveria às tarefas que o aguardavam.15
Por fim, deve-se evitar forçar Deus "a se encaixar ao que nós mesmos criamos. A violência é intrínseca a esta vida e, por mais que a desprezemos, devemos ter cuidado ao tentar impor qualquer tipo de absolutismos (do nosso ponto de vista) a Deus".16 Essa experiência traumática foi difícil para Néfi, e esse registro, escrito vários anos depois, provavelmente captura anos de conflito e reflexão sobre suas ações sob ângulos jurídicos, éticos e políticos.17 Assim como quando Moisés matou um homem no Egito (Êxodo 2:11-15) marcou o início de uma nova vida de fuga e separação do Egito para ele e seu povo, a experiência traumática de Néfi também abriu o caminho para uma nova terra e vida para ele, sua família e todo o seu povo.
Leitura Complementar
Ben McGuire, "Nephi and Goliath: A Case Study of Literary Allusion in the Book of Mormon", Journal of the Book of Mormon and Other Restoration Scripture 18, no. 1 (2009): pp. 16–31. John W. Welch e Heidi Harkness Parker, "Better That One Man Perish", em Pressing Forward with the Book of Mormon: The FARMS Updates of the 1990s, ed. John W. Welch e Melvin J. Thorne (Provo, Utah: FARMS, 1999), 17–18. John W. Welch, "Legal Perspectives on the Slaying of Laban", Journal of Book of Mormon Studies 1, no. 1 (1992): pp. 119–141. Hugh Nibley, Lehi in the Desert/The World of the Jaredites/There Were Jaredites, The Collected Works of Hugh Nibley, Volume 5 (Salt Lake City and Provo, UT: Deseret Book and FARMS, 1988), pp. 94–104.1. John W. Welch, The Legal Cases in the Book of Mormon (Provo, UT: Brigham Young University Press e Neal A. Maxwell Institute for Religious Scholarship, 2008), p. 358. 2. John W. Welch, "Legal Perspectives on the Slaying of Laban", Journal of Book of Mormon Studies 1, no. 1 (1992): p. 121. 3. Welch, "Legal Perspectives", p. 123. 4. Welch, "Legal Perspectives", p. 124. 5. Welch, "Legal Perspectives", p. 124. 6. Welch, "Legal Perspectives", p. 125. 7. Welch, "Legal Perspectives", p. 131. 8. Ver o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que o servo de Helamã estava justificado ao matar Quiscúmen? (Helamã 2:9)", KnoWhy 173 (1 de agosto de 2017). 9. Ver Welch, "Legal Perspectives", p. 131, p. 137; John A. Tvedtnes, The Most Correct Book: Insights from a Book of Mormon Scholar (Salt Lake City, UT: Cornerstone Publishing, 1999), pp. 104–105; Taylor Halverson, "Reading 1 Nephi With Wisdom", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 22 (2016): pp. 291–292. 10. Welch, "Legal Perspectives", p. 134. 11. Ver John W. Welch e Heidi Harkness Parker, "Better That One Man Perish", em Pressing Forward with the Book of Mormon: The FARMS Updates of the 1990s, ed. John W. Welch e Melvin J. Thorne (Provo, Utah: FARMS, 1999), pp. 17–18.
12. Welch, "Legal Perspectives", p. 140–141. 13. John W. Welch, "Introduction", Studia Antiqua 3, no. 2 (2003): p. 12. 14. David Baron, Social Ethics of the Church of Jesus Christ of Latter-Day Saints: Analysis and Critique (Los Angeles, CA: University of Southern California, 2004), pp. 84–87. 15. Jeffrey R. Holland, "The Will of the Father in All Things", BYU Speeches, 17 de janeiro de 1989, disponível online em speeches.byu.edu. 16. Gregory Dundas, revisão de By Study e Also by Faith, V. 2, editado por John M. Lundquist e Stephen D. Ricks, Review of Books on the Book of Mormon 4 (1992): p. 131. 17. Sobre os aspectos políticos da história de Labão, ver Noel B. Reynolds, "The Political Dimension in Nephi's Small Plates", BYU Studies 27, no. 4 (1987): pp. 22–25; Val Larsen, "Killing Laban: The Birth of Sovereignty in the Nephite Constitutional Order", Journal of Book of Mormon Studies 16, no. 1 (2007): pp. 26–41, 84–85.