KnoWhy #560 | Maio 8, 2020
Por que Abinádi alertou o povo sobre um vento oriental?
Postagem contribuída por
Scripture Central
"E acontecerá que enviarei granizo entre eles, que os ferirá; e também serão feridos com o vento oriental; e insetos também infestarão suas terras e devorarão seus grãos. [...] tudo isto farei por causa de suas iniquidades e abominações"
O Conhecimento
Dois anos depois da primeira tentativa de Abinádi de chamar o povo do rei Noé ao arrependimento, voltou à cidade de Néfi. Vestindo um disfarce até estar no meio da cidade, mais uma vez tentou avisá-los de calamidades iminentes se não se arrependessem (Mosias 12:1).1 Abinádi previu que o Senhor "enviar[ia] granizo" e também os feriria com ''o vento oriental'' e que ''insetos também infestarão suas terras e devorarão seus grãos'' (Mosias 12:6). A fome e a pestilência também estariam entre as "grandes aflições" que sofreriam (Mosias 12:4). Esta parece ser a mesma profecia a que Lími se referiu quando contou a Amon sobre um profeta que veio entre o povo de Lími e advertiu que quem "semear imundície, colherá o vento oriental, que traz destruição imediata" (Mosias 7:31).2
Em um contexto bíblico antigo, o "vento oriental" às vezes era chamado de "vento do Senhor" (ver Oséias 13:15) porque era "visto como um instrumento do julgamento de Deus".3Em Israel, o vento oriental (ou do sudeste) se origina no deserto da Arábia e é insuportavelmente quente e seco, muitas vezes trazendo areia que pode escurecer o céu e irritar a pele e os olhos. De acordo com Dennis M. Swanson, hoje esses ventos são normalmente chamados de khamsin ou siroco e são "capazes de reduzir as colheitas verdes a cascas secas e marrons em um único dia" e também podem "iniciar incêndios florestais".4Portanto, o Livro de Enoque diz que o vento oriental "traz devastação, seca, calor, e destruição" (1 Enoque 76:6).5
Embora essas condições climáticas fossem específicas da região de Israel, os escritores bíblicos usaram o "vento oriental" como um sinal de julgamento divino ao falar também de outras regiões do antigo Oriente Próximo. Portanto, Deus ordenou "um vento quente oriental" com o sol para aquecer Jonas quando ele estivesse fora de Nínive (Jonas 4:8), mas, na realidade, o vento oriental tipicamente trazia chuvas refrescantes na Assíria.6
Da mesma forma, no sonho do faraó que foi interpretado por José, é um "vento oriental" que secou as colheitas, trazendo sete anos de fome (Gênesis 41:6, 23, 27), e a praga de gafanhotos foi trazida por um "vento oriental" (Êxodo 10:13). No Egito, no entanto, são os ventos do sul (ou sudeste) que trazem tanto o calor seco e devastador, que mata as plantações, quanto as infestações de gafanhotos.7 Assim, "vento oriental" poderia ser usado para descrever qualquer vento quente, seco e devastador, independentemente da direção de onde vier.8
Na antiga Mesoamérica, os ventos de todas as direções eram vistos como "a quintessência da força do mal"9, e poderia ser "enviado como punição dos deuses por não fazerem oferendas adequadas ou por comportamento ímpio".10No entanto, o vento oriental pode ser particularmente destrutivo. Kerry M. Hull explicou que "para vários grupos indígenas na Mesoamérica, um vento oriental pode ter inúmeras associações negativas: como um vento quente ou seco em algumas áreas; um vento ligado a forças e espíritos malévolos; e um vento altamente destrutivo que traz inundações (ou seja, furacões)".11Por exemplo, alguns maias de Iucatã consideravam o "vento oriental" quente, e entre os maias Itza, o "vento oriental de verão" era especialmente temido por causar incêndios descontrolados.12 Tanto no Belize quanto em Chiapas, no México, "um vento oriental pode ser um vento escaldante e seco".13
Nas terras altas do sul da Guatemala, onde alguns estudiosos acreditam que a terra de Néfi estava localizada,14 os ventos do nordeste eram quentes e secos e podiam destruir colheitas e causar fome, assim como o "vento oriental" em Israel.15 Quando este vento seco do nordeste colidia com os ventos úmidos do sul, poderia causar granizo nas terras altas da Guatemala.16 Os ventos secos do nordeste também podem trazer gafanhotos, que tipicamente afloram do Vale do Rio Motagua, mais a sul, em regiões em que esta praga não é comum.17
Assim, sob as condições climáticas certas, granizo, vento oriental e gafanhotos, três elementos relacionados à profecia de Abinádi (Mosias 12:6), poderiam formar uma combinação mortal no sul da Guatemala, devastando plantações e causando fome.18 Dada a força destrutiva de tal combinação, não é surpreendente que os maias tzeltal de Chiapas, México, orassem especificamente para que "não venha granizo; que nenhum vento venha; que nenhum gafanhoto venha".19
O porquê
Abinádi manteve-se firme na tradição profética do Velho Testamento, provavelmente acessada pelos leítas por meio das placas de latão, quando advertiu que o julgamento do Senhor viria como o "vento oriental" (Mosias 7:31; 12:6). Essa ameaça era significativa e real. Tanto no Velho quanto no Novo Mundo, o "vento oriental" (embora nem sempre de uma direção estritamente "oriental") foi reconhecido como uma força destrutiva que poderia devastar plantações e trazer fome, pestilência e destruição. Sob certas condições climáticas, poderia causar tempestades de granizo e trazer enxames de insetos (gafanhotos), uma combinação mortal que causava grandes danos às plantações. Portanto, a advertência de Abinádi sobre granizo, vento oriental, insetos, fome e "destruição imediata" não foi uma ameaça vã do Senhor.
A profecia de Abinádi sobre um vento oriental destrutivo, com granizo e insetos que dizimariam seus grãos, era ainda mais ameaçadora em vista do provável momento de sua mensagem. John W. Welch argumentou persuasivamente que o julgamento de Abinádi ocorreu por volta da época de Pentecostes.20 O Pentecostes ocorreu cinquenta dias após a Páscoa, concluindo a celebração da libertação de Israel da escravidão egípcia e a recepção dos Dez Mandamentos. Também coincidia com a colheita da primavera, portanto, era uma época para celebrar a abundância da primavera.21
Neste contexto, a mensagem de Abinádi de um "vento oriental", com granizo e insetos, vindo para destruir suas colheitas e causar fome, escrita em uma linguagem que lembra as pragas egípcias (cf. Êxodo 10:13) teria sido especialmente oportuno para causar impacto na cidade. Pode-se imaginar que, neste tempo, lugar e cenário cultural, nenhum aviso mais sério poderia ter sido dado do que a ameaça de um "vento oriental" iminente.
Além disso, a ameaçadora maldição de Abinádi recebeu mais força do simbolismo da direção oriental. Ao procurar presságios ou sinais celestiais, os antigos sacerdotes geralmente se voltavam para o sul.22 Olhando para o sul, mais quente, o observador do céu tinha o leste à esquerda desfavorável e o oeste auspicioso à sua direita. Metaforicamente, pensava-se que estar na mão esquerda indicava um problema (ver Mosias 5:10, 12). Mais uma vez, a advertência de Abinádi teria tido impacto, não apenas na preocupação com o mau tempo, mas em maior medida no temor a Deus no coração das pessoas que a ouviram.
De acordo com Lími, a terrível previsão de Abinádi se concretizou e o povo foi realmente "ferid[o] e afligid[o]" (Mosias 7:32). No entanto, a esperança não foi perdida. Mark A. Wright observou que entre os maias, sacerdotes ou especialistas em rituais "poderiam curar indivíduos atingidos por ventos malignos". De uma maneira ainda mais poderosa, "aqueles fustigados pelos ventos punitivos dos quais Abinádi falou só poderiam ser libertos voltando-se para o supremo Sumo Sacerdote, Jesus Cristo".23Em pouco tempo, o povo de Lími percebeu que eles só poderiam ser libertos se "[se voltassem] para o Senhor com todo o coração" (Mosias 7:33). Logo, foram realmente libertos, pois desejavam entrar no convênio batismal e escaparam para a terra de Zaraenla, onde foram batizados (Mosias 21:32-35; 22:13; 25:18).
Leitura Complementar
Kerry M. Hull, ''An 'East Wind': Old and New World Perspectives'', em Abinadi: He Came Among them in Disguise, ed. Shon D. Hopkin (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e BYU Religious Studies Center, 2018), pp. 169–208. John L. Sorenson, Mormon’s Codex: An Ancient American Book (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e Neal A. Maxwell Institute, 2013), pp. 489, 557–558. John L. Sorenson, An Ancient American Setting for the Book of Mormon (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1985), pp. 182–184.1. Sobre o uso de disfarce por Abinádi, consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, ''Por que Abinádi usava um disfarce para pregar?(Mosias 12:1)'', KnoWhy 310 (12 de fevereiro de 2018). Ver também Alan Goff, ''Abinadi’s Disguise and the Fate of King Noah'', Insights 20, nº. 12 (2000): p. 2. 2. Para análise das relações entre as declarações de Lími e as palavras de Abinádi, ver John Gee, ''Limhi in the Library'', Journal of Book of Mormon Studies 1, nº. 1 (1992): pp. 61–64. 3. Dennis M. Swanson, "East Wind", em Eerdmans Dictionary of the Bible, ed. David Noel Freedman (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 2000), p. 362. Ver também Kerry M. Hull, ''An 'East Wind': Old and New World Perspectives'', em Abinadi: He Came Among them in Disguise, ed. Shon D. Hopkin (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e BYU Religious Studies Center, 2018), pp. 170–171. 4. Swanson, ''East Wind'', p. 362; Hull, ''East Wind'', pp. 172–175. 5. Ver E. Isaac, ''1 (Ethiopic Apocalypse of) Enoch'', em The Old Testament Pseudepigrapha, 2 v., ed. James H. Charlesworth (Peabody, MA: Hendricks Publishers, 1983), p. 55. Uma nota de rodapé indica que alguns manuscritos leem "morte" ou "calor" em vez de "pestilência". Cf. a tradução citada por Hull, ''East Wind'', pp. 173–174, que diz ''fora deste [o portal do vento oriental] vem a destruição, a secura, o calor e a morte''. 6. Hull, ''East Wind'', pp. 177–178, 180–181. 7. Hull, ''East Wind'', pp. 178–180. Deve-se notar que os termos modernos usados para se referir ao "vento oriental" em Israel (khamsin e siroco) são usados para se referir ao vento sul ou sudeste no Egito, porque tem os mesmos efeitos que o "vento oriental" palestino. Ver Hull, ''East Wind'', pp. 172, 192. 8. Ver Hull, ''East Wind'', pp. 192–193. 9. Hull, ''East Wind'', p. 185. 10. Mark A. Wright, ''Nephite Daykeepers: Ritual Specialists in Mesoamerica and the Book of Mormon'', em Ancient Temple Worship: Proceedings of the Expound Symposium, 14 May 2011, ed. Matthew B. Brown, Jeffrey M. Bradshaw, Stephen D. Ricks e John S. Thompson (Salt Lake City e Orem, UT: Eborn Books and the Interpreter Foundation, 2014), p. 248. 11. Hull, ''East Wind'', pp. 193–194. Hull observou que o vento oriental também tinha conotações positivas entre alguns grupos indígenas (ver p. 190). Cf. Wright, ''Nephite Daykeepers'', p. 256 n. 14. 12. Hull, ''East Wind'', p. 188. 13. Hull, ''East Wind'', p. 188. 14. Ver John L. Sorenson, An Ancient American Setting for the Book of Mormon (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1985), pp. 47, 141–148; John L. Sorenson, Mormon’s Codex: An Ancient American Book (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e Neal A. Maxwell Institute, 2013), pp. 131–136, 545–578. Ver também V. Garth Norman, Book of Mormon–Mesoamerican Geography: History Study Map (American Fork, UT: ARCON and the Ancient American Foundation, 2008), 31, nº. 48, p. 60; Joseph L. Allen e Blake J. Allen, Exploring the Lands of Book of Mormon, rev. ed. (American Fork, UT: Covenant Communications, 2011), pp. 719–743. 15. Ver Felix Webster McBryde, ''Studies in Guatemalan Meteorology (I): The Climate of Southwest Guatemala'', Bulletin of American Meteorological Society 23, nº. 6 (June 1942): pp. 259–261; Felix Webster McBryde, ''Studies in Guatemalan Meteorology (II): Two Weather Types in Southwest Guatemala'', Bulletin of American Meteorological Society 23, nº. 10 (dezembro de 1942): pp. 400, 402. McBryde documenta o vento seco, quente e dessecante como vindo do norte, mas com mais frequência do nordeste, e se refere a ele em espanhol como o vento do norte. Como observou Hull, ''East Wind'', pp. 182–185, os sistemas direcionais maias diferem significativamente entre si e das direções cardeais tradicionais. Leste e oeste são as direções mais consistentes e importantes, enquanto norte e sul são secundárias. A maioria dos sistemas direcionais mesoamericanos divide o mundo em quadrantes com base no eixo do sol nos solstícios de verão e inverno, de modo que o quadrante "leste" abrangeria todas as direções de nordeste a sudeste. Ver Brant A. Gardner, ''From East to West: The Problem of Directions in the Book of Mormon'', Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 3 (2013): pp. 119–153. Portanto, um vento predominantemente do "nordeste" seria um "vento oriental" para os maias pré-colombianos. Além disso, como observado acima, as referências bíblicas a um "vento oriental" podem ser usadas para se referir a qualquer vento quente, seco e dessecante, independentemente de sua direção. Se o uso que Abinádi faz do "vento oriental" é extraído dessa tradição bíblica (das placas de latão), então os efeitos do vento podem ser mais relevantes do que sua direcionalidade (cf. Wright, ''Nephite Daykeepers'', p. 256 nº. 14). 16. McBryde, ''Studies in Guatemalan Meteorology (I)'', p. 261. 17. Ver Sorenson, Ancient American Setting, pp. 183–184; Sorenson, Mormon’s Codex, pp. 557–558. 18. Ver Sorenson, Ancient American Setting, pp. 182–184; Sorenson, Mormon’s Codex, pp. 557–558. 19. Alfonzo Villa Rojas, ''The Tzeltal'', em Handbook of Middle American Indians, 11 v., ed. Robert Wauchope (Austin, TX: University of Texas Press, 1964–1971), 7: p. 202. Ver também Sorenson, Mormon’s Codex, p. 489. 20. Central do Livro de Mórmon, ''Abinádi profetizou durante a festa de Pentecostes?(Mosias 13: 5)", KnoWhy 90 (22 de abril de 2017). Ver também John W. Welch, Gordon C. Thomasson e Robert F. Smith, ''Abinadi and Pentecost'', em Reexploring the Book of Mormon: A Decade of New Research, ed. John W. Welch (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1992), pp. 135–138; John W. Welch, The Legal Cases in the Book of Mormon (Provo, UT: BYU Press, 2008), pp. 188–193. 21. Ver Welch, Legal Cases, p. 188. 22. Hugh Nibley, ''The Meaning of the Temple'', em Temple and Cosmos (Provo: FARMS, 1992), pp. 19–21. 23. Wright, ''Nephite Daykeepers'', p. 248.