KnoWhy #561 | Maio 14, 2020
Por que uma “cerimônia” é mencionada após a execução do rei Noé?
Postagem contribuída por
Scripture Central
"E aconteceu que depois de haverem terminado a cerimônia, voltaram para a terra de Néfi, regozijando-se porque suas mulheres e filhos não haviam sido mortos"
O Conhecimento
Assim como Abinádi profetizou (Mosias 17:18), o rei Noé sofreu "morte pelo fogo" nas mãos de alguns de seu próprio povo. Eles se rebelaram contra Noé e seus sacerdotes no deserto quando lhes ordenara que ficassem com ele e os proibiu de retornar à terra de Néfi para vingar a suposta morte de suas esposas e filhos (Mosias 19:19-20). Quando o povo estava voltando para à terra de Néfi, se encontraram com os "homens de Gideão" e explicaram que "haviam matado o rei" (Mosias 19:23), e que "depois de haverem terminado a cerimônia, voltaram para a terra de Néfi, regozijando-se porque suas mulheres e filhos não haviam sido mortos'' (Mosias 19:24, ênfase adicionada).
O uso da palavra cerimônia neste versículo é um tanto intrigante, já que aparentemente nada cerimonial é descrito. Royal Skousen, editor do Book of Mormon Critical Text Project, acredita que a palavra cerimônia pode ser um erro de escrita de quando o texto foi copiado do manuscrito original para o manuscrito de impressão. Ele argumenta que, em vez de cerimônia, deveria ter usado a palavra sermão, que no inglês antigo poderia se referir a uma conversa, como a que ocorreu entre os homens de Gideão e as pessoas que mataram o rei Noé (Mosias 19:23). O manuscrito original de Mosias 19 não sobreviveu, mas Skousen levanta a hipótese de que a palavra em inglês "sermon" [sermão, em português] pode ter sido escrito incorretamente como cermon e então Oliver Cowdery o copiou incorretamente no manuscrito de impressão como "ceremony" (erro ortográfico de "ceremony"), [cerimônia, em português].1
No entanto, outros acreditam que é adequada a alusão a contextos cerimoniais nesta passagem.2 John A. Tvedtnes acreditava que se referia a uma cerimônia de lavagem destinada a purificar ritualmente um "homicídio".3 Baseando-se em evidências da Bíblia e do antigo Oriente Próximo, Tvedtnes argumentou "que a 'cerimônia' em Mosias 19:23-24 e uma purificação associada ao início dos festivais de outono do mês de Tishrei, quando os soldados cidadãos do antigo Oriente Próximo voltavam para casa para participar da colheita de outono".4 Essa possibilidade faz sentido, já que esses homens estavam voltando de uma missão militar e da morte de seu rei. Eles voltaram "regozijando-se" (Mosias 19:24), que pode muito bem ter envolvido abundantes ofertas de ação de graças, particularmente na recente conclusão da Festa de Pentecostes.5
Por outro lado, John L. Sorenson argumentou que os nefitas aparentemente tinham um padrão de "cerimônia de execução" acompanhando execuções como a do rei Noé, conforme evidenciado pelo discurso ou ações cerimoniais mencionadas em conexão com as execuções de Neor (Alma 1:15) e Zemnaria(3 Néfi 4:28–33).6
Os detalhes cerimoniais são mais claros na execução de Zemnaria, que John W. Welch disse ser "um dos relatos mais completos de uma cerimônia de execução encontrados em qualquer registro antigo".7 Welch mostrou que o relato "seguiu de perto os antigos costumes de cerimônia e lei".8 Depois que Zemnaria foi "enforcado, a árvore foi cortada". Todas as pessoas que testemunharam a cerimônia de enforcamento gritaram,9 invocando a proteção de Deus sobre o povo e uma maldição semelhante sobre seus futuros inimigos, e então eles louvaram e agradeceram a Deus (3 Néfi 4:28-32).10 A execução de Neor é menos detalhada, mas a menção de uma confissão forçada "entre os céus e a Terra", sugere fortemente o uso normal de algum tipo de cerimônia ou rito de execução.11
Não houve tais rituais de confissão ou expressão alegre no caso do assassinato do rei Noé. Talvez porque os sacerdotes do rei Noé tivessem fugido, a rebelião foi incompleta e os homens ainda não tinham certeza de seu destino quando "encontraram os homens de Gideão" (Mosias 19:22). Nesse ponto, um motivo de celebração e a conclusão cerimonial da morte de seu rei tirano certamente eram necessários.
Além disso, Brant A. Gardner sugeriu muitas outras possibilidades que eram apropriadas neste momento, incluindo "uma cerimônia de saudação" ou talvez "uma cerimônia de rendição" aos homens de Gideão, ou uma trégua permitindo que dois grupos se encontrassem e conversassem com segurança, percebendo que não havia mais nenhuma intenção hostil. Gardner também sugeriu que esta palavra poderia se referir "à 'cerimônia' de submissão formal aos lamanitas", o que permitiria a esses homens que desertaram com o rei Noé aceitar os termos do tratado já celebrado com os lamanitas por Lími e Gideão (estabelecido em Mosias 19:15). Isso foi então formalizado por "um juramento" em seu retorno à cidade de Néfi, conforme descrito em Mosias 19:25.12
O porquê
A natureza exata da "cerimônia" em Mosias 19:24, seja uma cerimônia de purificação (conforme sugerido por Tvedtnes) ou a conclusão tardia de uma cerimônia de execução (conforme sugerido por Sorenson), ou algo totalmente diferente, não pode ser determinado conclusivamente neste momento. De fato, para alguns, a referência à "cerimônia" em Mosias 19:24 parece ser uma daquelas "coisas estranhas e intrigantes" que Hugh Nibley disse que o Livro de Mórmon está repleto.13 No entanto, para Nibley "é apenas algo fantástico e incongruente que abre as portas para a descoberta". Ele interpretou cada curiosidade como ''uma ampla indicação de que novos conhecimentos o aguardam''.14 Assim é com a enigmática referência à "cerimônia" mencionada em Mosias 19:24.
Embora possa ser um erro de escrita, conforme proposto por Skousen, estudiosos como Tvedntes e Sorenson mostraram que há indícios de novos conhecimentos a serem descobertos, explorando vários possíveis contextos cerimoniais e de convênios por trás de Mosias 19:24. Quando esta referência é colocada em contexto com outras passagens que descrevem execuções de inimigos perversos no Livro de Mórmon, torna-se evidente que geralmente há uma cerimônia envolvida e, especialmente, seria de se esperar que a execução de um rei perverso não fosse diferente. Quando os contextos bíblicos e do antigo Oriente Próximo são considerados, a adequação nesta passagem multipartidária de muitos aspectos das cerimônias rituais de purificação torna-se ilustrativamente clara. O que a princípio parecia intrigante, fica claro com vários cenários e contextos viáveis após um pouco de exploração.
Seja qual for o possível significado de "a cerimônia" em Mosias 19:24, a palavra não teria sido incluída neste registro antigo a menos que significasse algo muito relevante. E assim, por trás desta única palavra, pode-se detectar a solene importância de várias coisas: de proteger esposas e filhos, de purificação, de reconciliação e reunificação fraterna, de submissão ao convênio, de dar graças e louvar a Deus.
Como Nibley disse uma vez: "O Livro de Mórmon é complexo; ele floresce com as pesquisas".15 Aqueles que estão dispostos a levá-lo a sério, mesmo quando parece estranho ou desconcertante no início, muitas vezes descobrirão que novos conhecimentos os aguardam, caso se aprofundem um pouco mais neste rico e totalmente recompensador Livro de Escrituras.
Leitura Complementar
John A. Tvedtnes, The Most Correct Book: Insights from Book of Mormon Scholar (Springville, UT: Horizon Publishers, 2003), pp. 167–176. Brant A. Gardner, Second Witness: Analytical and Contextual Commentary on the Book of Mormon, 6 v. (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2007), 3: pp. 353–354. John L. Sorenson, Mormon’s Codex: An Ancient American Book (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e Neal A. Maxwell Institute, 2013), pp. 190–191. Royal Skousen, Analysis of Textual Variants of the Book of Mormon, 6 v., 2ª ed. (Provo, UT: FARMS e BYU Studies, 2017), 3: pp. 1441–1446.1. Royal Skousen, Analysis of Textual Variants of the Book of Mormon, 6 v., 2º. ed. (Provo, UT: FARMS e BYU Studies, 2017), 3: pp. 1441–1446. 2. Skousen, Analysis of Textual Variants 3 : p. 1444 rejeita essa abordagem simplesmente porque, em sua opinião, "de alguma forma, sempre podemos encontrar alguma cultura, em algum lugar, com um costume que apoiará virtualmente qualquer interpretação apresentada". Portanto, Skousen rejeita todas as abordagens que tentam resolver passagens confusas contextualmente e não com provas linguísticas. 3. John A. Tvedtnes, The Most Correct Book: Insights from Book of Mormon Scholar (Springville, UT: Horizon Publishers, 2003), pp. 167–176. 4. Tvedtnes, Most Correct Book, p. 176. 5. Central do Livro de Mórmon, ''Abinádi profetizou durante a festa de Pentecostes?(Mosias 13:5)", KnoWhy 90 (22 de abril de 2017). 6. John L. Sorenson, Mormon’s Codex: An Ancient American Book (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e Neal A. Maxwell Institute, 2013), pp. 190–191. Sorenson respondeu ao argumento de Skousen, afirmando que "nos três casos em que o Livro de Mórmon relata a execução de um malfeitor, o comportamento descrito é claramente cerimonial. Que a palavra cerimônia seja usada no texto para descrever apenas um desses casos é justificativa insuficiente para a especulação de Skousen de que o escriba ouviu mal a palavra sermon [sermão] da boca de Joseph Smith (uma palavra não encontrada em nenhum lugar do texto)" (p. 191 n.19). Em uma publicação anterior, Sorenson observou ''práticas cerimoniais mesoamericanas envolvendo morte e sacrifício'', que ''podem esclarecer o mistério do estranho ritual'' pretendido por ''cerimônia'' em Mosias 19:24, mas ele não especificou ou descreveu os rituais que tinha em mente. Ver John L. Sorenson, Images of Ancient America: Visualizing Book of Mormon Life (Provo, UT: FARMS, 1998), p. 189. 7. John W. Welch, The Legal Cases in Book of Mormon (Provo, UT: BYU Press, 2008), p. 352. 8. Welch, Legal Cases, pp. 351–356 (citado na p. 353). Ver também John W. Welch, ''The Execution of Zemnarihah'', em Reexploring the Book of Mormon: A Decade of New Research, ed. John W. Welch (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1992), pp. 250–252; John A. Tvedtnes, ''More on the Hanging of Zemharihah'', em Pressing Forward with the Book of Mormon: The FARMS Updates of the 1990s, ed. John W. Welch e Melvin J. Thorne (Provo, UT: FARMS, 1999), pp. 208–210. 9. Welch, Legal Cases, p. 354 indica que, como toda a cidade "cantava e gritava em uníssono", é mais provável que "repetissem palavras sobre tradições ou rituais". 10. Consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que as pessoas cortaram a árvore depois de enforcar Zemnaria?(3 Néfi 4:28)", KnoWhy 192 (28 de agosto de 2017). 11. Ver Welch, Legal Cases, pp. 231–232. Ver também Hugh Nibley, The Prophetic Book of Mormon (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1989), p. 250. Central do Livro de Mórmon, "Por que Neor sofreu uma morte 'ignominiosa'?(Alma 1:15)", KnoWhy 108 (13 de maio de 2017). 12. Brant A. Gardner, Second Witness: Analytical and Contextual Commentary on the Book of Mormon, 6 v. (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2007), 3: p. 353. 13. Hugh Nibley, Lehi in the Desert/The World of the Jaredites/There Were Jaredites (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1988), p. 153. 14. Nibley, There Were Jaredites, pp. 365–366. 15. Nibley, World of the Jaredites, p. 153.