KnoWhy #92 | Abril 25, 2017
Como Cristo é tanto o Pai quanto o Filho?
Postagem contribuída por
Scripture Central
“E porque ele habita na carne, será chamado o Filho de Deus; e havendo sujeitado a carne à vontade do Pai, sendo o Pai e o Filho” Mosias 15:2
O conhecimento
Quando os sacerdotes do apóstata Rei Noé o interrogavam, o profeta Abinádi exortou: "Quisera que compreendêsseis que o próprio Deus descerá entre os filhos dos homens e redimirá seu povo". E, porque "ele habita na carne", esclareceu Abinádi, "será chamado o Filho de Deus; e havendo sujeitado a carne à vontade do Pai, sendo o Pai e o Filho". Portanto, ele pode ser chamado de "O Pai, porque foi concebido pelo poder de Deus; e o Filho, por causa da carne; tornando-se assim o Pai e o Filho". E Abinádi concluiu: "E eles são um Deus, sim, o próprio Pai Eterno do céu e da Terra" (Mosias 15:1-4).
Esse ensinamento um tanto desconcertante tem recebido muita atenção de comentaristas doutrinários e escriturísticos.1 Embora os pontos de vista sobre essa passagem sejam variados, o ponto em que a maioria dos intérpretes concorda é que essa passagem trata da variedade da fluidez dos títulos e papéis de Cristo, não como se Ele fosse "um Deus" com o Pai [como na Trindade do cristianismo tradicional].
A Primeira Presidência e o Quórum dos Doze Apóstolos esclareceram em um tratado doutrinário de 1916 que Cristo é o "pai", pois Ele é o criador da Terra, o "pai" daqueles que aceitam o Evangelho, e que Ele tem a autoridade de Deus, o Pai, por investidura divina.2 Isso é afirmado no Livro de Mórmon por profetas como Benjamim, que declarou: "E ele chamar-se-á Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Pai dos céus e da Terra, o Criador de todas as coisas desde o princípio" (Mosias 3:8; cf. Helamã 14:12).3 Isoladamente, seria fácil ler Mosias 15 como algo que ensina a doutrina da Trindade [como ensinada pelo mundo cristão]. No entanto, essa interpretação se desfaz rapidamente quando a passagem é vista de forma mais ampla, no contexto da teologia geral do Livro de Mórmon sobre Deus, o Pai, e seu Filho (cf. 3 Néfi 1:14; 9:15; 20:31; Mórmon 9:12; Éter 3:14).4
É também significativo como essa passagem é esclarecida quando interpretada no contexto da antiga Mesoamérica. Mark Alan Wright e Brant Gardner comentaram sobre o chamado "complexos de deidades" da antiga Mesoamérica, ou o fenômeno no qual "um único deus pode ser representado por uma variedade de características ou manifestações diferentes. Seus nomes, atributos e domínios de influência eram fluidos, mas mantinham sua identidade individual. Cada uma das elaborações que um leitor moderno poderia ver como uma divindade diferente era, na verdade, considerada apenas uma elaboração da complexa essência de uma divindade específica".5 Em outras palavras, a antiga religião maia permitia que uma única divindade assumisse vários títulos e atributos intercambiáveis, mas continuasse sendo uma única e singular divindade.
Com isso em mente, Wright e Gardner argumentaram que "a explicação de Abinádi em Mosias 15, de como Cristo é tanto o Pai e o Filho, também pode ser lida como um exemplo de múltiplas manifestações de uma única divindade", portanto, pode ser facilmente entendida como uma antiga versão nefita dos "complexos de divindades" maia. O que muda não é a natureza inerente de Cristo ou seu relacionamento com Deus, o Pai, (eles não se tornam subitamente "um só Deus" no sentido trinitário), mas sim as funções, atributos e títulos que Cristo carrega, segundo o contexto e a maneira como Ele está sendo retratado ou descrito.
Wright e Gardner enfatizaram que os nefitas viviam em um mundo que "poderia" facilmente conceber o Deus nefita (com muitos nomes) como um complexo de divindades, sendo composto por manifestações distintas em diferentes circunstâncias. Dessa forma, "o Livro de Mórmon pode ser lido como um ensinamento de que cada divindade [por exemplo, Deus, o Pai, e Jesus Cristo] tinha sua própria identidade e, às vezes, era descrita em termos de diferentes manifestações". 6
O porquê
Os profetas do Livro de Mórmon ensinaram que Jesus desempenhou vários papéis, portanto, poderia ter muitos títulos. Assim, ele é chamado, por exemplo, de Filho Unigênito de Deus (Jacó 4:5), Juiz Eterno (Morôni 10:34), Santo Messias (2 Néfi 2:6), Rei do Céu (2 Néfi 10:14), Mediador (2 Néfi 2:28), Messias (1 Néfi 1:19) e Redentor de Israel (1 Néfi 21:7). Na verdade, Susan Easton Black documentou mais de 100 nomes ou títulos diferentes para Jesus no Livro de Mórmon, cada um "significando um atributo ou característica de Cristo e revelando algo único, essencial e profundamente inspirador sobre Ele".7
Compreender essa prática amplamente difundida permite que os leitores modernos se identifiquem com a forte inclinação de muitas culturas antigas de condecorar suas divindades com inúmeros títulos e denominações. De acordo com Wright e Gardner: "Os complexos de divindades maias também expandiam as qualidades da divindade subjacente, embora com uma elaboração mais completa do que apenas um nome".8
Compreender essa plenitude de nomes usados para Jesus Cristo no Livro de Mórmon ajuda os leitores a apreciar Suas muitas funções, atributos, poderes, posições e qualidades pessoais. Poder contemplar essa variedade também chama a atenção para o relacionamento pessoal que cada grande escritor do Livro de Mórmon teve individualmente com seu Santo Messias, seu poderoso Salvador e o Filho do Deus eterno.9
Ao ver o Livro de Mórmon nesse contexto, os leitores podem apreciar ainda mais a variedade de fórmulas usadas no texto para explicar o relacionamento entre o Pai e o Filho. Isso, é claro, inclui o discurso de Abinádi, que se concentra no papel de Cristo como o Deus de Israel e o pai da Criação, condescendendo com a Terra para expiar em por Seu povo (cf. 1 Néfi 11).
Como Paul Y. Hoskisson escreveu: "Não há dúvida de que Abinádi conhecia o Salvador, que sabia sobre o Salvador e que entendia a função e a natureza única do Salvador, muitos anos antes de Cristo condescender em nascer entre os filhos de Adão".10
Cada uma dessas fórmulas, portanto, contém significados únicos e, assim, de muitas maneiras, convida todos os leitores do Livro de Mórmon a se achegarem a Ele, a pensarem cuidadosamente sobre a maneira pela qual Cristo cumpre Suas várias funções, sob a direção de Seu Pai, e a se tornarem mais semelhantes a Ele em palavras e ações.
Leitura Complementar
Mark Alan Wright and Brant A. Gardner, "The Cultural Context of Nephite Apostasy", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 1 (2012): pp. 25–55. "The Father and the Son", Ensign, April 2002. Paul Y. Hoskisson, "The Fatherhood of Christ and the Atonement", Religious Educator 1, no. 1 (2000): pp. 71-80. "Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph F. Smith", A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (2000).1. Ver Rodney Turner, "Two Prophets: Abinadi and Alma (Mosias 14–18)", em Studies in Scripture: Volume Seven, 1 Nephi to Alma 29, ed. Kent P. Jackson (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 1987), pp. 240–260; Joseph Fielding McConkie e Robert L. Millet, Doctrinal Commentary on the Book of Mormon: Volume II — Jacob through Mosiah (Salt Lake City, UT: Bookcraft, 1988), pp. 225–243; Robert L. Millet, "The Ministry of the Father and the Son", em The Book of Mormon: The Keystone Scripture, ed. Paul R. Cheesman (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1988), pp. 44–72; Monte S. Nyman, "Abinadi's Commentary on Isaiah" em The Book of Mormon: Mosiah, Salvation Only Through Christ, eds. Monte S. Nyman e Charles D. Tate Jr. (Provo: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1991), pp. 161–186; Jeffrey R. Holland, Christ and the New Covenant (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 1997), pp. 103–105; Paul Y. Hoskisson, "The Fatherhood of Christ and the Atonement", Religious Educator 1, no. 1 (2000): pp. 71–80; Brian K. Ray, "Adoption and Atonement: Becoming Sons and Daughters of Christ", em Religious Educator 6, no. 3 (2005): pp. 129–136; Jared T. Parker, "Abinadi on the Father and the Son: Interpretation and Application", em Living the Book of Mormon: Abiding by Its Precepts, ed. Gaye Strathearn e Charles Swift (Provo, UT e Salt Lake City, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, and Deseret Book, 2007), pp. 136–50; Brant Gardner, Second Witness: Analytical and Contextual Commentary on the Book of Mormon, six volumes (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2007), 3: pp. 299–308; Ed J. Pinegar and Richard J. Allen, Commentaries and Insights on the Book of Mormon: 1 Nephi–Alma 29 (American Fork, UT: Covenant Communications, 2007), pp. 392–400; Kathryn Jenkins Gordon, Scripture Study Made Simple: The Book of Mormon (American Fork, UT: Covenant Communications, 2015), pp. 204–207. 2. "The Father and the Son", Ensign, April 2000; Holland, Christ and the New Covenant, pp. 179–193. "Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph F. Smith", capítulo 40 (https://www.churchofjesuschrist.org/bc/content/shared/content/portuguese/pdf/language-materials/35744_por.pdf). 3. Benjamim também ensinou que aqueles que realizam convênios com Deus serão "chamados progênie de Cristo, filhos e filhas dele" (Mosias 5:7). 4. Ver o artigo da Central do livro de Mórmon, "O que os profetas antes de Cristo sabiam sobre Ele? (1 Néfi 10:17)", KnoWhy 12 (14 de janeiro de 2017). 5. Mark Alan Wright and Brant A. Gardner, "The Cultural Context of Nephite Apostasy", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 1 (2012): pp. 35–36. 6. Wright e Gardner, "The Cultural Context of Nephite Apostasy", p. 37. 7. Susan Easton Black, "Jesus Christ, names of", em Book of Mormon Reference Companion, ed. Dennis L. Largey (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2003), pp. 457–458. 8. Wright e Gardner, "The Cultural Context of Nephite Apostasy", p. 36. 9. Ver John W. Welch, "Ten Testimonies of Jesus Christ from the Book of Mormon", em A Book of Mormon Treasury: Gospel Insights from General Authorities and Religious Educators (Provo: Religious Studies Center and Deseret Book, 2003), pp. 316-342, e Charting the Book of Mormon (Provo: FARMS, 1999), charts 44–47. 10. Paul Y. Hoskisson, "The Fatherhood of Christ and the Atonement", Religious Educator 1, no. 1 (2000): pp. 76–77.