KnoWhy #402 | Agosto 1, 2018
Como o sonho de Leí é semelhante ao Jardim do Éden?
Postagem contribuída por
Scripture Central

"E ao olhar em redor [...] vi um rio de água; e ele passava perto da árvore cujo fruto eu estava comendo. E olhei para ver de onde vinha; e vi que sua nascente estava próxima." 1 Néfi 8:13–14
O conhecimento
Ao descrever a visão da Árvore-da-Vida, Leí disse que as pessoas "empurraram-se através da névoa de escuridão, apegados à barra de ferro" até chegarem e comerem do fruto da árvore (1 Néfi 8:24). No entanto, levanta-se a questão da razão pela qual "empurraram-se [...] apegados" à barra de ferro ao longo do caminho, se simplesmente atravessavam uma planície em um caminho estreito e apertado.1 Seria suficiente apenas deslizar os dedos ao longo da barra de ferro para não se perder na névoa enquanto caminhavam. Entretanto, o relato da visão de Leí sugere que a Árvore-da-Vida estariam sobre uma colina ou montanha, o que requereria esforço para alcançá-la. Este detalhe faz mais sentido quando a visão de Leí é comparada ao Jardim do Éden.
David Calabro argumentou que existem várias semelhanças entre o relato do Jardim do Éden em Gênesis e a visão de Leí da Árvore-da-Vida. Por exemplo, Gênesis 3:24 afirma que Deus colocou "uma espada flamejante, que se revolvia para todos os lados, para guardar o caminho da Árvore-da-Vida". 1 Néfi 12:18 também fala de uma espada: "E um grande e terrível abismo separa-os; sim, a espada da justiça do Deus Eterno e do Messias, que é o Cordeiro de Deus" (1 Néfi 12:18, do manuscrito original).2 1 Néfi 15:28-30 tda mesma forma, observa que esse abismo impedia que os iníquos tivessem acesso a uma determinada área e que era como o "brilho de um fogo flamejante" — em outras palavras, uma "espada flamejante" metafórica..

Calabro também observou que há um caminho que leva à árvore em ambos os textos. Gênesis 3:24 afirma que o Senhor expulsou o "o homem, pôs querubins a oriente do jardim do Éden, e uma espada flamejante, que se revolvia para todos os lados, para guardar o caminho da Árvore-da-Vida." 3 A palavra hebraica derek, traduzida como "caminho", também pode ser traduzida como "vereda" ou "estrada". 1 Néfi 8:20 fala de maneira semelhante sobre um caminho: "E vi também um caminho estreito e apertado, que acompanhava a barra de ferro até a árvore onde eu estava".
Tanto o relato de Gênesis quanto o sonho de Leí descrevem um jardim fértil com um deserto nos arredores. Calabro observou que "em Gênesis 2-3, há um contraste básico entre o jardim, de um lado, e o mundo do qual Adão e Eva foram tirados, e do outro, para o qual foram expulsos posteriormente." Um é caracterizado por poeira (Gênesis 2:7; 3:19), espinhos e abrolhos (Gênesis 3:18) e trabalho (Gênesis 3:17, 19) enquanto o jardim continha rios e "toda árvore agradável à vista e boa para comida" (Gênesis 2:8-10). Esse contraste básico pode ser refletido no "deserto escuro e sombrio" e no "campo grande e espaçoso" do sonho de Leí (1 Néfi 8:4, 7, 9, 20).
Este "deserto escuro e sombrio", de acordo com Robert Millet e Joseph McConkie, é uma "representação simbólica do homem decaído no mundo solitário e triste".4 Somente após Leí ser levado para o "campo grande e espaçoso", ele encontrou a árvore e os rios. Embora as palavras "campo" e "jardim" tenham significados diferentes, a palavra hebraica karmel, que significa "plantio, terra de jardim", é traduzida como "campo fértil" em várias escrituras na Versão King James de 2009 (Isaías 10:18; 29:17; 32:15, 16).5
O nome hebraico Éden pode até derivar de uma palavra semítica que significa "planície", que sugere ser um local extenso e semelhante a um campo.6 Assim, o "campo espaçoso" do sonho de Leí pode muito bem refletir uma concepção antiga do Éden (1 Néfi 8:9, 20).7

Além disso, tanto o sonho de Leí quanto o Éden contêm vários rios,8 bem como névoa.9 Em algumas tradições, o Éden também está associado a uma barra de ferro, como no sonho de Leí.10
Conexões como essa ajudam a explicar o aparente movimento ascendente das pessoas em direção à árvore. De acordo com muitas fontes antigas, o Jardim do Éden ficava em uma montanha. Isso está implícito na frase que "saía um rio do Éden" porque os rios correm morro abaixo (Gênesis 2:10). Ezequiel 28:11–16 também iguala "Éden, jardim de Deus" com "[o] monte santo de Deus". 11
Calabro apontou que Leí, que estava próximo à Árvore-da-Vida, foi capaz de ver "o rio e sua nascente (1 Néfi 8:13-14), o caminho estreito e apertado que, por fim, chega ao 'campo grande e espaçoso' que se diz ser como o 'mundo' (1 Néfi 8:20) e 'inúmeras multidões de pessoas' percorrendo vários caminhos (1 Néfi 8:21-22, 28)." A visão expansiva de Leí sugere uma elevação maior, como o Éden.
A fonte do rio sendo "descrita como 'próxima' ao local onde Leí se aproximou da árvore (1 Néfi 8:13-14); assim como a descrição do rio em Gênesis 2:10", também "implica que a localização de Leí é mais alta do que a área circundante para onde o rio flui". Todos esses pontos sugerem que as pessoas estariam "avançando" porque estariam subindo ao topo do monte, junto à barra, para alcançar a árvore (1 Néfi 8:21, 24, 30).12
O porquê

A imagem das pessoas que se esforçam para alcançar a Árvore-da-Vida é um símbolo adequado para a vida na Terra. Às vezes, a vida pode parecer uma subida íngreme, uma tentativa desesperada de superar os efeitos da Queda e retornar ao Éden do qual fomos expulsos. É muito semelhante ao que se vê no sonho de Leí. Longe de ser um passeio tranquilo pelo campo, as pessoas na visão de Leí estavam se esforçando para chegar ao Éden.
No entanto, a declaração de Leí nos convida a ver essa jornada ascendente com otimismo: "Adão caiu para que os homens existissem; e os homens existem para que tenham alegria" (2 Néfi 2:25). Voltar para a Árvore-da-Vida não precisa ser um trabalho árduo. Podemos encontrar alegria nessa escalada. A representação da família de Leí presente ao lado da Árvore-da-Vida com ele nos lembra disso. No Jardim do Éden, Adão e Eva não tinham uma família com eles, pois não podiam ter filhos antes da Queda (ver 2 Néfi 2:23). Leí, por outro lado, reuniu sua família ao seu redor quando participava da Árvore-da-Vida. Sua visão nos lembra que a Queda foi realmente um "empurrão para a frente"13, permitindo que todos tivessem filhos e, por fim, estivessem com eles na presença de Deus.
À medida que avançamos na vida, lutando para superar os efeitos da Queda, devemos nos lembrar de que a Queda é o que abre o caminho para a vida eterna e, portanto, para a felicidade eterna.14 Em nossa escalada até o topo, podemos lembrar que, mesmo quando estamos no processo de superar os efeitos da queda, podemos encontrar a plenitude da alegria e, com gratidão, abrir caminho para a Árvore-da-Vida, agarrando-nos à barra de ferro.
Leitura Complementar
David M. Calabro,"Lehi's Dream and the Garden of Eden", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 26 (2017): pp. 269–296. Donald W. Parry, "Garden of Eden: Prototype Sanctuary," in Temples of the Ancient World, ed. Donald W. Parry (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 1994), pp. 126–51. Margaret Barker, "Joseph Smith and Preexilic Israelite Religion", BYU Studies 44, no. 4 (2005): pp. 69–82.1. A interpretação de um caminho plano ou nivelado é sugestiva porque Leí menciona duas vezes que a Árvore-da-Vida estava em algum lugar dentro ou perto de um "grande campo" (1 Néfi 8:9, 20). No entanto, a descrição de Leí não é clara o suficiente para que o campo, e particularmente a área ao redor da Árvore-da-Vida, estivesse em terreno plano. 2. David Calabro observou que o "termo espada foi grafado incorretamente [em inglês] como palavra no manuscrito para impressão e essa leitura persiste até a edição atual. Em inglês, há apenas uma letra de diferença entre "sword" [espada] e "word [palavra]". A leitura com a palavra "espada" está, sem dúvida, correta; não apenas na primeira leitura, mas na frase "a espada da justiça", referindo-se à justiça de Deus, que aparece com frequência no Livro de Mórmon (Alma 26:19; 60:29 ; Helamã 13:5; 3 Néfi 20:20, 29:4; Éter 8:23). Em Éter 8:23, a mesma frase aparece no manuscrito original de 1 Néfi 12:18: "[A] espada da justiça do Deus Eterno". Em contraste, a frase "a palavra da justiça do Deus Eterno" seria uma anomalia. David M. Calabro,"Lehi's Dream and the Garden of Eden", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 26 (2017): p. 272. Em apoio a essa afirmação, Calabro se referiu a Royal Skousen, Analysis of Textual Variants of the Book of Mormon, Part One (Provo: FARMS, 2004), pp. 257–258. 3. Ênfase adicionada. 4. Joseph Fielding McConkie y Robert L. Millet, Doctrinal Commentary on the Book of Mormon, 4 v. (Salt Lake City, UT: Bookcraft, 1987), 1: p. 56. 5. Outras passagens também associam campos à abundância e exuberância (Isaías 32:12; Ezequiel 17:5). 6. Francis Brown, S. R. Driver and Charles Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament (Oxford, UK: Clarendon Press, 1951), pp. 726-727; Ludwig Koehler and Walter Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, study edition (Leiden, Netherlands: Brill, 2001), 1: p. 792. 7. Calabro,"Lehi's Dream", pp. 278–279. 8. Ver Gênesis 2:10 e 1 Néfi 8:13-14. A visão de Néfi inclui não apenas uma, mas duas 'fontes': (1) '[a] fonte de águas vivas' (1 Néfi 11:25), que não é mencionada no relato de Leí; e (2) 'a fonte de água suja' (1 Néfi 12:16), identificada com a fonte que Leí descreve. Uma delas, parece ter sua origem muito próxima da Árvore-da-Vida. Além disso, "em um nível básico, o tema das águas que emanam próximas à Árvore-da-Vida é comum a ambas" visões. Um tipo de "fonte vivificante de águas" (meqor khayyim 'fonte de vida', o meqor mayim khayyim 'fonte de águas vivas'), acredita-se ter sido localizada na morada do jardim de Deus, proeminentemente apresentada em outras passagens bíblicas (ver Salmo 36:8-10; Jeremias 17:12-13)". Também pode se ver este tema na mitologia do Oriente Próximo e na ideologia do templo. Encontra-se "várias tradições da criação antiga representando dois rios, sendo um as águas celestiais e o outro as águas subterrâneas". Estas podem parecer "à primeira vista conflitantes com o tema usual dos quatro rios", mas refletem uma ideia relacionada. Calabro, "Lehi's Dream", p. 280. Calabro também observou que o Éden é o ponto onde os quatro rios correm para os quatro pontos da bússola (p. 279, n 24). Para este conceito, que está presente em muitas tradições antigas da criação, ver Thomas Fawcett Hebrew Myth and Christian Gospel (Londres, Reino Unido: SCM Press, 1973), pp. 279–281. 9. Ver Gênesis 2:6 e 1 Néfi 8:23–24; 12:16–17. "Embora as funções sejam distintamente diferentes, o vapor em Gênesis 2:6 pode corresponder em algum nível a 'vapor das trevas' no sonho de Leí." A névoa no sonho de Leí não está "associado à umidade do solo, mas ao obscurecimento da visão que faz com que os iníquos se percam. Essa névoa parece estar associada às águas sujas." Portanto, "o rio e as névoas são mencionados lado a lado em 1 Néfi 12:16-17. A palavra hebraica ed "névoa" soa como a palavra hebraica para "angústia" ou "calamidade", que é frequentemente usada em referência ao caminho dos ímpios ou ao seu destino, e é possível que as semelhanças entre essas duas palavras provoquem uma compreensão sinistra das névoas bíblicas no contexto do sonho de Leí." Calabro, "Lehi's Dream", p. 281. Ver também Brown, Driver and Briggs, Hebrew and English Lexicon, p. 15. 10. A Septuaginta e outras versões do Salmo 2:9 falam de um rei messiânico que "governa" ou "pastoreia" seu povo com uma vara de ferro. Isso vem de uma interpretação da palavra hebraica ra'a (dano/quebra) como ra'ah (pastoreio, alimentação, pastoreio). Por fim, é difícil saber qual o significado pretendido. A interpretação da Septuaginta é consoante a passagens como Levítico 27:32, onde a vara é entendida como o cajado de um pastor. A citação do Salmo 2:9 no grego de Apocalipse 2:27, onde ra'ah é traduzido para o grego como poimanei (pastorear, pastorear, alimentar, governar), reflete isso. Aparentemente, essa é a compreensão da barra de ferro que vemos no sonho de Leí — que deve liderar, como a vara de um pastor, e levar as pessoas à Árvore-da-Vida (para alimentá-las). A estudiosa bíblica Margaret Barker mencionou esse tópico, concluindo que "a visão de Leí tem a barra de ferro guiando as pessoas para a grande árvore — a compreensão mais antiga e original da palavra". Barker observou mais tarde que a Bíblia menciona a vara de ferro quatro vezes como a vara do Messias. O Messias é representado usando a vara para "esmigalhar" as nações (Salmo 2:9) ou "reger" (Apocalipse 2:27; 12:5; 19:15). Na tradução grega (a Septuaginta), a palavra hebraica no Salmo 2:9 é entendida como despedaçar e é interpretada: "Apascentá-las-ás com vara de ferro". As palavras para "despedaçar" e "pastorear, pastar, cuidar, liderar" são quase as mesmas. O livro do Apocalipse "usa a palavra 'pastor', poimanei, do Messias e sua vara de ferro, então as versões modernas aqui não são precisas. A criança santa que foi levada para o céu (Apocalipse 12:5) deveria 'reger todas as nações com vara de ferro'". Miquéias 7:14 na Versão King James de 2009 "traduze esta mesma palavra como 'Apascenta o teu povo com a tua vara', onde 'liderar' teria sido uma tradução melhor." No Salmo 78:72 encontra-se: 'Assim os apascentou[...] e os guiou', "onde o paralelismo da poesia hebraica esperaria que os dois verbos tivessem um significado semelhante: 'E ele os levou [...] e os guiou.'" Por fim, "a visão de Leí tem a barra de ferro guiando as pessoas à grande árvore — a compreensão mais antiga e provavelmente a mais original do mundo". Margaret Barker, "Joseph Smith and Preexilic Israelite Religion", BYU Studies 44, no. 4 (2005): pp. 76–77. 11. Calabro,"Lehi's Dream", p. 274. Ver também Donald W. Parry, "The Garden of Eden: Sacred Space, Sanctuary, and Temple", Explorations: Journal for Adventurous Thought 5 (1987): pp. 84–85; Donald W. Parry, " Garden of Eden: Prototype Sanctuary", em Temples of the Ancient World, ed. Donald W. Parry (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 1994), pp. 133–37. 12. Compare 1 Néfi 8:31, que atualmente diz que ele "E também viu outras multidões tateando em direção àquele grande e espaçoso edifício". O manuscrito original aqui dizia "pressing [soletrado prssing] their way" em vez de "feeling their way". Ver Skousen, Analysis of Textual Variants, Parte Um, p. 187. 13. Ver o artigo da Central do livro de Mórmon, "Quais são as origens do entendimento de Leí sobre a Queda? (2 Néfi 2:25)", KnoWhy 28 (4 de fevereiro de 2017). 14. Ver o artigo da Central do livro de Mórmon, "Por que Leí ensinou que a Queda era necessária? (2 Néfi 2:22–25)" KnoWhy 269 (13 de dezembro de 2017).