KnoWhy #363 | Maio 17, 2018

Como os convênios do Velho Testamento podem nos ajudar a entender o Livro de Mórmon?

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Scripture Central

"E assim Lamã e Lemuel, sendo os mais velhos, murmuravam contra o seu pai. E murmuravam por desconhecerem a maneira de proceder daquele Deus que os havia criado. Nem acreditavam que Jerusalém, aquela grande cidade, pudesse ser destruída conforme as palavras dos profetas. E assemelhavam-se aos judeus que estavam em Jerusalém, que procuravam tirar a vida de meu pai." 1 Néfi 2:12-13

O conhecimento

Existem dois grandes convênios na Bíblia, cada um associado a uma montanha sagrada, que moldam grande parte da história, narrativa e profecias do Velho Testamento: (1) o convênio associado ao Monte Sinai, onde Moisés se encontrou com o Senhor e recebeu a lei; (2) o convênio dado à monarquia davídica, que está associada ao Monte Sião em Jerusalém, onde o templo de Salomão estava localizado. O conjunto de crenças e entendimento que se formou em torno de cada um desses convênios é conhecido como "teologia do Sinai" e "teologia de Sião", respectivamente.  Como o estudioso bíblico Taylor Halverson argumentou, entender esses dois principais convênios bíblicos pode nos ajudar a entender o Livro de Mórmon.1

Teologia de Sião: "Tudo vai bem em Sião"

A teologia de Sião baseia-se na ideia de que Deus fez um convênio com o Rei Davi e seus descendentes, de que sua linhagem real duraria para sempre (ver 2 Samuel 7:8-16).2 Esta promessa era vista como um convênio incondicional, ou seja, que foi dada sem quaisquer requisitos, obrigações ou pré-requisitos. O Senhor declarou a respeito de Davi: "[S]e vier a transgredir, castigá-lo-ei com vara de homens [...] [m]as a minha benignidade não se apartará dele [...] [T]eu reino ser[á] [firmado] para sempre" (2 Samuel 7:14-16). Na teologia de Sião, também se acreditava:

1. Que Deus escolheu Sião (referindo-se a Jerusalém) como Sua morada terrena. O templo de Salomão, e particularmente a Arca da Aliança dentro do templo, representa a presença de Deus em Jerusalém.

2. Que Deus é um guerreiro divino indestrutível que protegerá Sião. Enquanto Deus estiver em Seu templo em Jerusalém, a cidade não poderá ser conquistada. Deus conquistou os inimigos de Israel no passado e continuará a fazê-lo.3

O Salmo 48 é uma boa demonstração da perspectiva da teologia de Sião.

Grande é o Senhor e muito digno de louvor, na cidade do nosso Deus, no seu monte santo [Monte Sião]. [...] Deus é conhecido nos seus palácios como um alto refúgio. [...] Como o ouvimos, assim o vimos na cidade do Senhor dos Exércitos, na cidade do nosso Deus. Deus a firmará para sempre. (Salmos 48:1, 3, 8)

Algumas pessoas usam a teologia de Sião como uma desculpa para não se arrependerem, ao pensarem que "Jerusalém jamais seria destruída" ou "tudo vai bem em Sião". Em Jeremias 22-28, o povo de Jerusalém não acreditava que precisasse fazer acordos com o rei da Babilônia porque Deus os protegeria. Jeremias profetizou que  o Senhor só protegeria a monarquia davídica e Jerusalém quando fossem justas, e que Jerusalém logo seria destruída pelos babilônios. Jeremias foi jogado na prisão e quase condenado à morte por causa dessa profecia.

Teologia do Sinai: "Se guardardes meus mandamentos, prosperareis na terra"

''Leí agradecendo no altar'', de Jorge Cocco Leí agradecendo no altar por Jorge Cocco

Em contraste com a teologia de Sião, o convênio do Sinai era condicional, no sentido de que as bênçãos prometidas dependiam da obediência do povo às estipulações dadas por Deus. Essas exigências são conhecidas como a Lei de Moisés, o que inclui os Dez Mandamentos (ver Êxodo 19-24; Deuteronômio 11). Se o povo caísse em iniquidade e violasse as leis de Deus, seria amaldiçoado em vez de abençoado. Na teologia do Sinai, acreditava-se ainda que:

1. Moisés era uma figura humana ideal. Começando com o sucessor de Moisés, Josué, os profetas subsequentes foram comparados ou descritos como semelhantes a Moisés.

2. A teologia do Sinai estava associada ao reino do norte de Israel, enquanto a teologia de Sião pertencia ao reino do sul de Judá (onde Jerusalém estava localizada).

3. O convênio de Sinai era um tratado típico entre suserano e vassalo do Antigo Oriente Próximo, uma aliança entre um governante e uma parte menos poderosa, ou um "vassalo", condicionado à submissão do vassalo ao suserano.4

4. Deus é o rei; qualquer rei humano será o escriba principal, sujeito a Deus (ver Deuteronômio 17:14-20).

5. A teologia do Sinai está associada à classe dos escribas.

Uma promessa frequente encontrada no livro de Deuteronômio resume a perspectiva da teologia do Sinai: "Andareis em todo o caminho que vos ordenou o Senhor vosso Deus, para que vivais e bem vos suceda, e prolongueis os dias na terra que haveis de possuir" (Deuteronômio 5:33).5

A Teologia de Sinai e Sião no Livro de Mórmon

O Livro de Mórmon parece apoiar a teologia do Sinai, e não a teologia de Sião. O nome Davi é mencionado 1.127 vezes na versão Rei Jaime da Bíblia e aparece apenas sete vezes no Livro de Mórmon.6 A única menção direta ao rei Davi vem das palavras de Jacó, e todas são referências negativas às iniquidades de Davi (Jacó 1:15; 2:23, 24). Os nefitas, aparentemente, não tinham grande consideração por Davi e sua dinastia. Moisés, por outro lado, é mencionado 65 vezes no Livro de Mórmon.

Néfi citou Isaías extensivamente, mas evitou as partes com a teologia de Sião. Da mesma forma, os autores do Livro de Mórmon tendiam a evitar os Salmos que estavam claramente relacionados à teologia de Sião (como o Salmo 48).7 Néfi se inspirou mais em Êxodo e Deuteronômio, que contam a história de Moisés.8 Como o Dr. Halverson disse: "Néfi queria ser um profeta como Moisés, não um rei como Davi".

O porquê

É evidente que, como argumentou o Dr. Halverson, devemos entender o convênio do Sinai se quisermos entender o Livro de Mórmon. Leí, Néfi e seus descendentes na terra prometida, claramente apreciavam e seguiam ao convênio do Sinai, e deram grande ênfase a teologia do Sinai em detrimento da teologia de Sião. Quais eram as razões para isso?

''Leí agradecendo no altar'', de Jorge Cocco

Como observado acima, a teologia do Sinai estava associada ao reino do norte de Israel. Alma 10:3 nos informa que Leí era descendente de Manassés, uma tribo do reino do norte. Embora a família de Leí tenha se mudado para Jerusalém em algum momento, eles não eram nativos do reino do sul. Aparentemente, Lamã e Lemuel haviam aderido ao ponto de vista da teologia local de Sião, pois não acreditavam que a grande cidade de Jerusalém pudesse ser destruída. Eles desprezavam o fato de que seu pai, assim como Jeremias e outros profetas, pregassem a isso (1 Néfi 2:12-13).

Leí provavelmente era próximo de Jeremias, e suas visões têm um teor semelhante ao que Jeremias profetizou naquela época.9 Além disso, Néfi foi provavelmente treinado como escriba, portanto, teria sido influenciado pelo interesse da classe dos escribas na tradição do Sinai. Embora não saibamos tudo o que estava nas Placas de Latão, sabemos que elas continham os cinco livros de Moisés e também muitas das palavras de Jeremias (1 Néfi 5:11, 13). As Placas de Latão poderiam ser um registro que veio das tribos do norte de Israel e, assim, podem não ter sido tão influenciadas pela teologia de Sião.

Além disso, Leí e Néfi pareciam ter visto o grande potencial da teologia do Sinai aplicada à sua própria situação. Em sua jornada pelo deserto, Leí sabia que sua família precisaria ser fiel ao Senhor para que fossem abençoados. Leí e Néfi precisariam ser como Moisés para liderar sua família segundo a vontade de Deus. Como Neal Rappleye argumentou: "Leí recorre à figura de Moisés porque sabe que isso agradará a Lamã e Lemuel, mas, ao mesmo tempo, usa o tipo de Moisés para sugerir que ele próprio é um profeta verdadeiro e legítimo".10

Embora o Senhor, de fato, tenha feito promessas importantes ao rei Davi, e à sua linhagem real posteriormente, que seriam cumpridas na pessoa de Jesus Cristo, o significado desse convênio para o povo de Deus foi muitas vezes mal interpretado. Leí e Néfi sabiam e desejavam ensinar a seus descendentes e futuros leitores do Livro de Mórmon, que somente ao guardarmos os mandamentos de Deus, Ele nos ajudará a "[prosperar] na terra" (1 Néfi 4:14).

"Precisamos entender o convênio do Sinai, se quisermos entender o Livro de Mórmon".11

Leitura Complementar

Taylor Halverson, "Covenant Patterns in the Old Testament and the Book of Mormon", apresentação feita na Conferência do Livro de Mórmon de 2017 BMAF–BMC, disponível em https://youtu.be/UCUdceAvM0A. Neal Rappleye, "The Deuteronomist Reforms and Lehi's Family Dynamics: A Social Context for the Rebellions of Laman and Lemuel", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 16 (2015): pp. 87–99. Noel B. Reynolds, "The Israelite Background of Moses Typology in the Book of Mormon", BYU Studies 44, no. 2 (2005): pp. 5–23. Noel B. Reynolds, "Lehi as Moses", Journal of Book of Mormon Studies 9, no. 2 (2000): pp. 26–35. S. Kent Brown, "The Exodus Pattern in the Book of Mormon", em From Jerusalem to Zarahemla: Literary and Historical Studies of the Book of Mormon (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1998), pp. 75–98.

Apêndice

Teologia do SinaiNéfiTeologia de Sião
MoisésNéfi quer ser um profeta como Moisés, não um rei como DaviDavi
Reino do Norte de IsraelA ascendência de Néfi é do reino do norteReino de Judá/Jerusalém
Convênio condicionais Convênios condicionaisConvênios incondicionais
Deus é rei: qualquer rei humano deve ser o principal escribaNéfi rejeita a condição de rei porque Deus é o Rei; Néfi se torna o principal escriba.A dinastia davídica é eterna.
Classe de escribasNéfi da Classe de EscribasTemplo de Jerusalém e classe da Corte Real
Tradição de SabedoriaNéfi é um homem sábio

1. As ideias expressas neste KnoWhy foram, à maioria, retiradas de uma palestra dada por Taylor Halverson. Ver Taylor Halverson, "Covenant Patterns in the Old Testament and the Book of Mormon", apresentação dada na Conferência da Book of Mormon Central BMAF-BMC 2017. 2. No Velho Testamento, o nome Sião era frequentemente usado para se referir à cidade de Jerusalém (2 Samuel 5:7), que era considerada a cidade de Deus (Salmo 87:2-3). O nome Sião pode ser aplicado a outras cidades e grupos de pessoas, como visto nas escrituras antigas e modernas (Zacarias 9:13; Hebreus 12:22; D&C 45:66-67; 57:2-3; 97:21; Moisés 7:18-19). O uso do termo "Sião" nesta publicação deve ser entendido como uma referência a Jerusalém dos tempos antigos e não à ideia da cidade de Sião ou da Nova Jerusalém, nem às doutrinas ou teologias envolvidas nela, conforme revelado ao Profeta Joseph Smith. 3. Ver o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que Jacó descreve Deus como um guerreiro divino? (2 Néfi 6:17)", KnoWhy 277 (26 de dezembro de 2017). 4. "O pressuposto é que Israel concebia sua relação com Yahweh como a de povos submissos a um rei mundial e que expressava essa relação nos conceitos e fórmulas do tratado de suserania". Norman K. Gottwald, The Hebrew Bible: A Socio-Literary Introduction (Minneapolis, MN: Fortress Press, 1985), p. 205. 5. Ver também Êxodo 20:12; Deuteronômio 4:1, 40; 5:29; 6:1, 3; 11:9. 6. Três são citações de Néfi a Isaías (2 Néfi 17:2, 13; 19:7), e uma menção é ao nome de um lugar (Mórmon 2:5). 7. Alguns Salmos relacionados à teologia de Sião incluem os Salmos 46-48, 76, 84, 93, 96-99, 132 e outros. Para saber mais sobre os Salmos no Livro de Mórmon, consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que Jacó citou tantos Salmos? Jacó 1:7; cf. Salmo 95:8)", KnoWhy 62 (17 de março de 2017); Central do Livro de Mórmon, "Por que Néfi cita um Salmo do Templo ao comentar sobre Isaías? (2 Néfi 25:16)", KnoWhy 51 (4 de março de 2017); Central do Livro de Mórmon, "Por que Amon se baseou tanto na tradição em Alma 26? (Alma 26:8)", KnoWhy 133 (12 de junho de 2017); Central do Livro de Mórmon, "O Salmo 51 é a chave para a compreensão do sonho de Leí? (1 Néfi 8:8)", KnoWhy 325 (7 de março de 2018); John Hilton III, "Old Testament Psalms in the Book of Mormon", em Ascending the Mountain of the Lord: Temple, Praise, and Worship in the Old Testament (2013 Sperry Symposium), ed. Jeffrey R. Chadwick, Matthew J. Grey e Davi Rolph Seely (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e Religious Studies Center, Brigham Young University, 2013), pp. 291–311. 8. Ver, por exemplo, Noel B. Reynolds, "The Israelite Background of Moses Typology in the Book of Mormon", BYU Studies 44, no. 2 (2005); Neal Rappleye, "The Deuteronomist Reforms and Lehi's Family Dynamics: A Social Context for the Rebellions of Laman and Lemuel", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 16 (2015): pp. 87–99; Noel B. Reynolds, "Lehi as Moses", Journal of Book of Mormon Studies 9, no. 2 (2000): pp. 26–35. S. Kent Brown, "The Exodus Pattern in the Book of Mormon", in From Jerusalem to Zarahemla: Literary and Historical Studies of the Book of Mormon (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1998), pp. 75–98; Central do Livro de Mórmon, "Por que Leí é retratado como semelhante a Moisés? (2 Néfi 3:9-10)", KnoWhy 268 (12 de dezembro de 2017). 9. Ver Davi Rolph Seely y Jo Ann H. Seely, "Lehi and Jeremiah: Prophets, Priests, and Patriarchs", Journal of Book of Mormon Studies 8, no. 2 (1999): pp. 24–35, 85–86. 10. Neal Rappleye, "The Deuteronomist Reforms and Lehi's Family Dynamics: A Social Context for the Rebellions of Laman and Lemuel", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 16 (2015): pp. 87–99. 11. Taylor Halverson, "Covenant Patterns in the Old Testament and the Book of Mormon", apresentação feita na conferência do Livro de Mórmon de 2017, BMAF-BMC.

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