Como podemos ser libertos pelas ternas misericórdias do Senhor?

O conhecimento

No primeiro capítulo de seu registro, Néfi disse que mostraria a seus leitores que as ''ternas misericórdias do Senhor estão sobre todos aqueles que ele escolheu por causa de sua fé, para torná-los fortes com o poder de libertação'' (1 Néfi 1:20). Esta passagem, que tem sido descrita como a ''declaração de tese'' de Néfi,¹ pode nos ajudar a identificar um tema-chave de seus escritos, especialmente em 1 Néfi.

No Velho Testamento, a frase ''ternas misericórdias'' é mencionada em várias ocasiões e quase exclusivamente no livo dos Salmos.² Nessas passagens bíblicas, as ternas misericórdias estão associadas às bênçãos de Deus, à bondade amorosa e ao interesse íntimo por Seus filhos. Além disso, o Élder David A. Bednar considerou que as ternas misericórdias ''são bênçãos muito pessoais e individuais. Elas são: força, proteção, segurança, orientação, ternura, consolo, apoio e dons espirituais que recebemos do Senhor Jesus Cristo''.³

Néfi, no entanto, esclareceu que as ternas misericórdias do Senhor estão disponíveis a ''todos aqueles que ele escolheu por causa de suafé'' (1 Néfi 1:20; ênfase adicionada). Sabemos que este aspecto era de grande importância para Néfi, uma vez que ele o enfatizava repetidamente nas histórias que narrava sobre a jornada de sua família. Por exemplo, quando os filhos de Leí receberam o comando de obter as placas de latão, Leí declarou a Néfi: ''Vai, portanto, meu filho, e serás favorecido pelo Senhor, porque não murmuraste'' (1 Néfi 3:6; ênfase adicionada).

Como Néfi foi mais favorecido do que seus irmãos? Nesta narrativa, foi Néfi quem corajosamente deixou seus irmãos e foi sozinho à cidade para confrontar Labão, assim como Davi enfrentou a Golias sozinho.⁴ Néfi foi guiado de maneira milagrosa ''pelo Espírito, não sabendo de antemão o que [ele] deveria fazer'' (1 Néfi 4:6). E então Labão, que havia caído no chão em estado de embriaguez, foi ''entreg[ue]" nas mãos de Néfi pelo Senhor, um ponto que o Espírito repetiu duas vezes (1 Néfi 4:11-12).⁵

As histórias de livramento narradas por Néfi seguiram o mesmo padrão após sua família deixar o Vale de Lemuel. Foi Néfi quem não murmurou e tomou a iniciativa de fazer um arco e flecha e salvar sua família da fome.⁶ Foi Néfi quem cumpriu fielmente a ordem do Senhor de construir um navio, apesar da zombaria e incredulidade de Lamã e Lemuel.⁷ E foi Néfi cuja fé clamou à tempestade e reativou a Liahona após a rebelião de seus irmãos em sua viagem pelo mar. Em cada caso, Néfi — e em várias ocasiões, toda a sua família — foi milagrosamente liberta devido a sua justiça pessoal.⁸

Naturalmente, essa situação também causou tensão e conflito entre Néfi e seus irmãos mais velhos. Quando a ira de Lamã e Lemuel não estava no auge, a condição de escolhido de Néfi parecia mantê-los em um constante estado de tensão.⁹ Os irmãos mais velhos de Néfi aparentemente sentiam que o favor divino era algo a ser herdado. Eles acreditavam que os judeus eram um povo justo porque descendiam de uma linhagem de convênio justa.¹⁰ Da mesma forma, sentiam que, como irmãos mais velhos, era seu direito governar e liderar a família. Em uma ocasião, Néfi contrapôs essas atitudes lembrando-os da conquista israelita de Canaã:

E agora supondes que os filhos desta terra, que estavam na terra da promissão, que foram expulsos por nossos pais, supondes vós que eram justos? Eis que vos digo: Não. Pensais que nossos pais teriam sido mais favorecidos do que eles, se eles tivessem sido justos? Eu vos digo: Não. (1 Néfi 17:33–34)

Em outras palavras, o favor divino, incluindo um acesso maior às ternas misericórdias de Deus, está diretamente condicionado à retidão. Como todos os filhos de Deus têm uma capacidade inata de discernir entre o bem e o mal (ver Morôni 7:15-16), isso significa que somos todos livres para escolher o que é bom e ter acesso às ternas misericórdias do Senhor. Por esta razão, Néfi poderia apropriadamente acrescentar que ''o Senhor considera toda carne igualmente; aquele que é justo é favorecido por Deus'' (1 Néfi 17:35).

O porquê

A intenção de Néfi ao declarar sua "tese" não era demonstrar de maneira arrogante o quão extraordinário ele era nem ressaltar sua superioridade em relação aos seus irmãos.¹¹ Ao contrário, seu principal propósito parece ser persuadir a seus leitores de que as misericórdias do Senhor estão acessíveis a todos os filhos de Deus. Ser favorecido pelo Senhor não está condicionada a raça, etnia, idioma, cultura, nacionalidade, riqueza ou qualquer outro fator arbitrário. Ao invés disso, o Senhor, com ternura e amor, concede bênçãos adicionais àqueles que vêm a Ele com fé e retidão. Por esta razão, Néfi declarou: ''Pois tudo o que desejo é persuadir os homens a virem ao Deus de Abraão, e o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó, e serem salvos'' (1 Néfi 6:4).

O tema principal de Néfi também nos adverte sobre atitudes e comportamentos que nos impedirão de receber as ternas misericórdias do Senhor. Em um determinado momento, quando os irmãos de Néfi discutiam sobre o significado do sonho de Leí, Néfi perguntou-lhes: ''Haveis perguntado ao Senhor? E eles me disseram: ''Não perguntamos, porque o Senhor não nos dá a conhecer essas coisas'' (1 Néfi 15:8–9). O registro de Néfi trabalha incansavelmente para auxiliar os leitores a superarem essa atitude autodestrutiva de autoexclusão. Como o Élder David A. Bednar ensinou:

Algumas pessoas […] erroneamente, não leva[m] em conta ou rejeita[m] em sua própria vida a viabilidade das ternas misericórdias do Senhor, achando que: ''Certamente eu não sou alguém que já foi escolhido nem que poderá sê-lo algum dia. Talvez achemos de forma inexata que tais bênçãos e dons são reservados para outras pessoas que parecem ser mais dignas ou que servem em chamados de destaque na Igreja. Testifico que as ternas misericórdias do Senhor estão ao alcance de todos nós e que o Redentor de Israel está ansioso por conceder-nos tais dons.¹²

Outra preocupação é que não reconheçamos imediatamente as ternas misericórdias que o Senhor nos concedeu. Lamã e Lemuel, por exemplo, viram a visão de seu pai de Jerusalém como ''loucas fantasias'' (1 Néfi 2:11). Como resultado, viram sua jornada no deserto como um retiro desnecessário da civilização e uma perda precipitada da riqueza de sua família. Néfi, no entanto, era espiritualmente sensível o suficiente para buscar sua própria revelação do Senhor, o que confirmou a veracidade da visão de seu pai (ver 1 Néfi 2:16). O que parecia tolice a seus irmãos, foi reconhecido corretamente por Néfi como um meio divino de libertação — ou, em outras palavras, uma terna misericórdia.

O final do registro de Néfi deixa muito claro que Deus o abençoou e libertou repetida e consistentemente devido a sua fé e obediência. Ao aplicarmos o registro de Néfi a nós mesmos, teremos a certeza de que o Senhor nos abençoará da mesma forma em nossa própria vida (ver 2 Néfi 4:34). Isso não significa que nossas provações e dificuldades desaparecerão. As de Néfi certamente não desapareceram. O que isso significa é que o Senhor nos apoiará com amor e ternura e, por fim, nos livrará de todas as nossas provações. Se formos fiéis e obedientes, nós, como Néfi, poderemos olhar para trás em nossa jornada mortal e enxergar claramente o poder libertador do Senhor em nossa vida (ver 2 Néfi 4:20; 1 Néfi 17:14).¹³