KnoWhy #645 | Setembro 19, 2022
Por que Isaías se referiu às Hostes Celestiais como “Serafins”?
Postagem contribuída por
Central das Escrituras
"Eu vi também o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e a cauda do seu manto enchia o templo. Os serafins estavam acima do trono; cada um tinha seis asas; com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés e com duas voavam” 2 Néfi 16:1-2
O conhecimento
De muitas maneiras, a visão de Isaías de Deus em Seu trono (Isaías 6; 2 Néfi 16) representa as teofanias sobre tronos, encontradas na Bíblia, que geralmente incluem membros do conselho divino ou hostes celestiais ao redor do trono, entoando louvores a Deus (compare a visão de Leí em 1 Néfi 1:8).1 A linguagem de Isaías é única, no entanto, identifica os seres angelicais que rodeavam o trono de Deus como "serafins", a forma plural da palavra hebraica seraf (Isaías 6:2; 2 Néfi 16:2). Muitos estudiosos da língua hebraica e do antigo Oriente Próximo exploraram o significado dessa palavra e a natureza desses seres celestiais.
Vários estudiosos apontam que a palavra seraf está relacionada à raiz do verbo hebraico que significa "queimar", portanto, pode se referir à aparência ou natureza ígnea das hostes angelicais.2 Por exemplo, Donald W. Parry explica: "Com base na raiz hebraica saraf ('queimar'), o termo seraf pode ser traduzido como 'aquele que arde' ou 'aquele que brilha', referindo-se à condição gloriosa dos serafins e sua localização próxima ao trono do Senhor."3 Da mesma forma, William B. Nelson disse que os serafins "provavelmente [eram] assim chamados porque brilhavam como fogo."4 Joseph Smith entendeu corretamente esse aspecto desses seres quando, como parte da dedicação do Templo de Kirtland, orou "para que misturemos nossa voz aos brilhantes e resplandescentes serafins que cercam teu trono" (D&C 109:79 ; ênfase adicionada).5
Alguns estudiosos também apontaram que o termo seraf é usado em outras partes do Velho Testamento - inclusive em outras passagens de Isaías — para se referir a "serpentes ardentes", como aquelas que morderam os israelitas no deserto.6 Isso levou alguns estudiosos a propor que os serafins, na visão de Isaías, estavam de alguma forma relacionados a essas serpentes.7 Segundo Nelson, por exemplo, “provavelmente os serafins tinham a forma de uma serpente”8 John Gee e outros estudiosos apontaram que numerosos selos da época de Isaías retratam serpentes com múltiplos conjuntos de asas, semelhante à descrição dos serafins em Isaías 6:2.9 "Estes selos e selamentos de Israel correspondem à descrição bíblica dos serafins".10
A ideia de seres voadores semelhantes a serpentes na presença de Deus pode parecer estranha para os leitores modernos, mas teria sido consistente com as expectativas das pessoas no antigo Oriente Próximo. Como Gee explicou: "No relato de Isaías, os serafins estão situados acima do trono. Isso segue a iconografia dos templos egípcios, onde fileiras de serpentes são representadas acima do santuário da divindade."11 Da mesma forma, em duas tigelas de bronze israelitas há representações de símbolos divinos (como a árvore-da-vida) flanqueados em ambos os lados por serpentes aladas.12
Para os povos do antigo Oriente Próximo, as serpentes eram associadas a muitos símbolos, o que pode nos ajudar a entender muitas das tarefas e funções dos serafins.13 Por exemplo, as serpentes podem servir como guardiãs ou protetoras de espaços sagrados, impedindo que os impuros entrassem neles.14 Eram também, frequentemente descritas como mensageiras e intermediárias divinas.15 "Serpentes ardentes" também podem estar associadas à purificação e expiação.16
O porquê
Cada um desses significados se reflete na função dos serafins em Isaías 6. Portanto, entender a antiga associação simbólica das serpentes do Oriente Próximo pode ajudar os leitores modernos das escrituras a entenderem melhor a cena de Isaías 6, e a razão deste profeta usar um termo associado a serpentes para descrever esses seres celestiais.
Ninguém desejaria apresentar-se diante de Deus em estado impuro ou tentar entrar em sua presença sem convite, ou aprovação. Quando Isaías testemunhou a cena celestial de Jeová em seu trono, temeu estar "perdido" porque ele, sendo um "homem de lábios impuros", tinha visto Deus (Isaías 6:5; 2 Néfi 16:5). Então, um serafim se adiantou com uma brasa viva tirada do altar do templo e a colocou na boca de Isaías, dizendo: "Eis que isto tocou os teus lábios; assim, já se tirou de ti a tua culpa, e já está expiado o teu pecado." (Isaías 6:7; 2 Néfi 16:7). Com os lábios limpos, Isaías pôde falar com confiança e presenciar, até mesmo, participar dos procedimentos do Conselho Divino (Isaías 6:8-13; 2 Néfi 16:8-13).
O estudioso israelense Nissim Amzallag explicou: "Esta trama revela claramente que os serafins [...] servem como guardiões que controlam o acesso ao conselho divino" e funcionam como "guardiões do conselho divino e, por extensão, do palácio divino".17 Também ilustra seu papel como mensageiros e intermediários, como observou Izaak J. de Hulster, um estudioso do simbolismo bíblico: "Os serafins também ajudam a comissionar uma pessoa importante a uma tarefa... [e] participam da comunicação da palavra de Deus a um profeta". Assim, "os serafins de Isaías 6 podem ser entendidos como a desempenhar funções intermediárias, como um tipo de mensageiros divinos".18
Além disso, o estudioso da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, LeGrand Davies, argumentou que a raiz lexical da qual o termo é derivado seraf é usado principalmente para se referir à "limpeza, purificação ou refinamento de objetos rituais, pessoas, cidades, etc.''19 Assim, de acordo com Davies, tanto as "serpentes ardentes" de Números 21 quanto os serafins de Isaías 6 devem ser considerados agentes de purificação plena: "Os serafins atuaram como agentes do 'fogo purificador' em Isaías, como as 'serpentes purificadoras' ou 'ardentes' do deserto agiram sobre os israelitas."20 Trevor Cochell concordou, explicando:
O profeta, em Isaías 6, se apresenta diante de Javé como representante e como representação do povo de Israel. Assim como Israel, o profeta é impuro e deve passar por uma purificação de fogo. Os seres ardentes (de fogo), representam essa purificação em sua forma e trazem a purificação ao profeta com uma brasa, assim como Javé trará purificação por meio do julgamento.21
Assim, a brasa retirada do altar tinha, o que um estudioso chamou de "efeito expiatório e purificador." 22 Outro estudioso disse que os serafins "são agentes de redenção e cura divina".23
Todas essas funções esclarecem o motivo pelo qual os serafins são mencionados com tanto destaque no relato pessoal de Isaías sobre sua vocação como profeta. Outros aspectos dos serafins também podem ter outros significados simbólicos. Pesquisadores de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias sugeriram que, simbolicamente, as asas dos serafins são como as das criaturas de Apocalipse 4:7, que, de acordo com Joseph Smith, "representam o poder para mover-se, para agir, etc". ( D&C 77:4 ).24 Da mesma forma, a aparência ardente e abrasadora dos serafins é frequentemente relacionada simbolicamente à natureza gloriosa desses seres celestiais e sua morada celestial.25
Essas poderosas associações simbólicas não apenas ajudam os leitores a entender por que os assistentes do trono celestial seriam descritos, ou simbolicamente representados, como "serpentes ardentes", como também ilustram as maneiras pelas quais os serafins tipificam, por fim, a Jesus Cristo. Jesus Cristo foi representado pela serpente de bronze, chamada de serafim em Números 21:8 (comparar com João 3:14-15; Helamã 8:13-15).26 Jesus Cristo é o Santo que está como guardião da porta (2 Néfi 9:41). Ele é nosso intermediário junto ao Pai (2 Néfi 2:9, 28). E, o mais importante: somente por meio de Seu sacrifício expiatório todos podem ser perdoados, limpos, purificados e habilitados a entrar na presença do Pai (Mosias 3:18; 4:2). Assim, como todos os mensageiros de Deus, tanto mortais quanto divinos, os serafins representam a Jesus Cristo. Todo esse simbolismo acrescenta um significado vívido à veracidade do testemunho messiânico de Isaías.
Leitura Complementar
Donald W. Parry, "Isaiah 6", em Old Testament Minute: Isaiah (Springville, UT: Book of Mormon Central, 2022). John Gee, "Cherubim and Seraphim: Iconography in the First Jerusalem Temple", em The Temple: Past, Present, and Future, ed. Stephen D. Ricks and Jeffrey M. Bradshaw (Orem, UT: Interpreter Foundation; Salt Lake City, UT: Eborn Books, 2021), pp.97–108. Stephen D. Ricks, "Heavenly Visions and Prophetic Calls in Isaiah 6 (2 Nephi 16), the Book of Mormon, and the Revelation of John", em Isaiah in the Book of Mormon, ed. Donald W. Parry e John W. Welch (Provo, UT: FARMS, 1998), pp.171–190.1. Ver Stephen O. Smoot, "The Divine Council in the Hebrew Bible and the Book of Mormon", Interpreter: A Journal of Latter-day Saint Faith and Scholarship 27 (2017): pp. 155–180, para uma discussão de tais visões tanto no Velho Testamento quanto no Livro de Mórmon (discussão de Isaías 6 nas pp. 173–174). Para uma análise detalhada de Isaías 6 dentro deste tema especificamente, consulte a Stephen D. Ricks, "Heavenly Visions and Prophetic Calls in Isaiah 6 (2 Nephi 16), the Book of Mormon, and the Revelation of John", em Isaiah in the Book of Mormon, ed. Donald W. Parry e John W. Welch (Provo, UT: FARMS, 1998), pp. 171–190.
2. David J. A. Clines, ed., The Dictionary of Classical Hebrew, 8 vols. (Sheffield, UK: Sheffield Phoenix Press, 1993–2011), 8: pp.194–197. Serafins são definidos como "seres de fogo" no Bible Dictionary [Dicionário Bíblico], disponível em inglês, "Seraphim", churchofjesuschrist.org. Veja também David G. Burke, "Seraph, Seraphim", em The Oxford Companion to the Bible, ed. Bruce G. Metzger e Michael D. Coogan (Nova York, NY: Oxford University Press, 1993), p.687: "Também foi proposto que os serafins eram... em algum sentido, criaturas 'ardentes' ou associadas ao fogo". 3. Donald W. Parry, "Isaiah 6:2", em Old Testament Minute: Isaiah (Springville, UT: Book of Mormon Central, 2022). Ver também Victor L. Ludlow, Isaiah: Prophet, Seer y Poet (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 1982), 129; Kerry Muhlestein, Learning to Love Isaiah (American Fork, UT: Covenant Communications, 2021), p.51. 4. William B. Nelson Jr., "Seraphim", em Eerdmans Dictionary of the Bible, ed. David Noel Freedman (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000), p.1186. 5. Na Primeira Visão, Joseph também descreveu os seres celestiais que viu como "brilhantes e gloriosos [que] desafiam qualquer descrição" e cercados por um "pilar de luz" ou, como aparece em outro relato, "uma coluna de fogo". Ver Joseph Smith—História 1:16–17; "Diário, 1835–1836", p. 24, The Joseph Smith Papers, disponível on-line em josephsmithpapers.org. 6. Veja Números 21:4-9; Deuteronômio 8:15; Isaías 14:29; 30:6. Veja Muhlestein, Learning to Love Isaiah, p.52. 7. Veja, por exemplo, Karen Randolph Joines, "Winged Serpents in Isaiah's Inaugural Vision," Journal of Biblical Literature 86, no. 4 (1967): pp.410–415; Karen Randolph Joines, Serpent Symbolism in the Old Testament: A Linguistic, Archaeological, and Literary Study (Haddonfield, NJ: Haddonfield House, 1974), pp.42–60; J. J. M. Roberts, "The Visual Elements in Isaiah’s Vision in Light of Judaean and Near Eastern Sources", em From Babel to Babylon: Essays on Biblical History and Literature in Honour of Brian Peckham, ed. J. R. Wood, J. E. Harvey y M. Leuchter (New York, NY: T&T Clark, 2006), 204–210; J. J. M. Roberts, First Isaiah: A Commentary (Minneapolis, MN: Fortress Press, 2015), pp.95–98. 8. Nelson, "Serafim", p.1186. 9. Ver John Gee, "Cherubim and Seraphim: Iconography in the First Jerusalem Temple", em The Temple: Past, Present, and Future, ed. Stephen D. Ricks e Jeffrey M. Bradshaw (Orem, UT: Interpreter Foundation; Salt Lake City, UT: Eborn Books, 2021), pp.97–108. Esses selos também são analisados por Joines e Roberts em suas obras citadas na nota 8. Ver também William A. Ward, "The Four-Winged Serpent on Hebrew Seals," Rivista degli studi orientali 43, no. 2 (1968): pp.135–143. Como a iconografia mostra apenas serpentes com duas ou quatro asas, e os serafins, na visão de Isaías, tinham seis asas, estudiosos como Roberts sugeriram que os serafins, na visão de Isaías, eram "uma variedade mais poderosa do que os serafins normais". Roberts, First Isaiah, p.97. 10. Gee, "Cherubim and Seraphim", p.99. 11. Gee, "Cherubim and Seraphim", p.99. 12. Para imagens dessas tigelas de bronze, consulte R. D. Barnett, "Layard’s Nimrud Bronzes and their Inscriptions", Eretz-Israel: Archaeological, Historical, and Geographical Studies 8 (1967): 3*, fig. 2; J. J. M. Roberts, "The Rod That Smote Philistia: Isaiah 14:28–32", em Literature as Politics, Politics as Literature: Essays on the Ancient Near East in Honor of Peter Machinist, ed. David S. Vanderhooft and Abraham Winitzer (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2013), p.393, fig. 1b. 13. Sobre o simbolismo da serpente nas escrituras e no antigo Oriente Próximo, veja Andrew C. Skinner, "Serpent Symbols and Salvation in the Ancient Near East and the Book of Mormon", Journal of Book of Mormon Studies 10, no. 2 (2001): pp.42–55, pp.70–71. Ver também James H. Charlesworth, The Good and Evil Serpent: How a Universal Symbol Became Christianized (New Haven, CT: Yale University Press, 2010). 14. Ver LeGrande Davies, "Serpent Imagery in Ancient Israel: The Relationship between the Literature and the Physical Remains" (PhD diss., University of Utah, 1986), pp.16–24; Charlesworth, Good and Evil Serpent, pp.229–231. 15. Charlesworth, Good and Evil Serpent, pp.247–250; Lowell K. Handy, "Serpent (Religious Symbol)" and "Serpent, Bronze", em The Anchor Bible Dictionary, 6 vols., ed. David Noel Freedman (New York, NY: Doubleday, 1992), 5: pp.1115, 1117. 16. Charlesworth, Good and Evil Serpent, pp.257–258; Davies, "Serpent Imagery in Ancient Israel", pp.82–105. 17. Nissim Amzallag, "The Serpent as a Symbol of Primeval Yahwism", Semita 58 (2016): pp.211. 18. Izaak J. de Hulster, "Of Angels and Iconography: Isaiah 6 and the Biblical Concept of Seraphs and Cherubs", em Iconographic Exegesis of the Hebrew Bible / Old Testament: An Introduction to Its Theory, Method, and Practice, ed. Izaak J. de Hulster, Brent A. Strawn, and Ryan P. Bonfiglio (Göttingen, Germany: Vandenhoeck & Ruprecht, 2015), pp.155. Veja também Nicolas Wyatt, "Grasping the Griffin: Identifying and Characterizing the Griffin in Egyptian and West Semitic Tradition", Journal of Ancient Egyptian Interconnections 1, no. 1 (2009): 32: "The creatures of Isaiah’s vision are supernatural, acting as intermediaries between the prophet and Yahweh". 19. Davies, "Serpent Imagery in Ancient Israel", p.83. 20. Davies, "Serpent Imagery in Ancient Israel", p.108. 21. Trevor D. Cochell, "An Interpretation of Isaiah 6:1–5 in Response to the Art and Ideology of the Achaemenid Empire" (PhD diss., Baylor University, 2008), p.146. 22. John N. Oswalt, The Book of Isaiah: Chapters 1–39, The New International Commentary on the Old Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1986), p.184. 23. Joines, Serpent Symbolism, p.53. 24. D&C 77:4. Veja Parry, "Isaiah 6:2"; Ludlow, Prophet, Seer, and Poet, p.129; Muhlestein, Learning to Love Isaiah, p.51. 25. Muhlestein em, Learning to Love Isaiah, p.51, propõe que a natureza ígnea dos serafins decorre de serem "cheios de luz gloriosa". 26. Para uma revisão mais completa de como o simbolismo associado aos serafins na Antiga Israel aponta para Cristo, veja Neal Rappleye, "Serpents of Fire and Brass: A Contextual Study of the Brazen Serpent Tradition in the Book of Mormon", Interpreter: A Journal of Latter-day Saint Thought 50 (2022): pp.229–241.