KnoWhy #649 | Outubro 28, 2022

Leí encontrou cavalos quando chegou às Américas?

Postagem contribuída por

 

Central das Escrituras

"E aconteceu que enquanto viajávamos pelo deserto da terra da promissão, descobrimos que havia animais de toda espécie nas florestas: vacas e bois e jumentos e cavalos e cabras e cabras-montesas; e toda espécie de animais selvagens úteis ao homem. Encontramos também toda espécie de minérios, tanto de ouro quanto de prata e de cobre". 1 Néfi 18:25

O conhecimento

Quando Leí e sua família chegaram à terra prometida, segundo o relato de Néfi, encontraram “animais de toda espécie (…) o jumento e o cavalo (…) e toda espécie de animais selvagens” (1 Néfi 18:25). A menção de cavalos no Livro de Mórmon é um tópico que deixa muitos leitores perplexos, já que a convenção entre os cientistas sustenta que os cavalos foram extintos nas Américas por volta da Idade do Gelo ( 10.000 a.C.). Alguns usaram essa aparente discrepância para tentar desacreditar o Livro de Mórmon. No entanto, outros argumentam que existem várias possibilidades para se levar em consideração.1 Por exemplo, alguns sugeriram que o uso do termo "cavalo" é um exemplo do que os estudiosos chamam de "adaptação" ou "referência estendida", onde uma palavra semelhante é aplicada a um item ou conceito estrangeiro.2 Em geral, isso aconteceu quando as novas culturas encontraram o cavalo tanto no velho, quanto no novo mundo.3 Alguns estudiosos sugerem que algo semelhante pode ter acontecido quando a família de Leí explorou a terra prometida - ou seja, eles podem ter estendido o termo "cavalo" a uma espécie desconhecida.4 Outros apontaram que a tradução, às vezes, introduz anacronismos no texto, portanto, propõem que palavras como "cavalo" possam resultar da tradução do Livro de Mórmon para o inglês.5

Embora essas possibilidades permaneçam relevantes, um estudo recente publicado no Texas Journal of Science indica que, afinal, cavalos podem ter habitado as Américas durante os tempos do Livro de Mórmon.6 Uma equipe internacional de pesquisadores – incluindo especialistas em Geologia, Biologia, Paleontologia e Zooarqueologia – recuperou espécimes de cavalos e outras megafaunas de um contexto estratificado em Rancho Carabanchel, perto de Cedral, San Luis Potosí, México. Para estabelecer a cronologia do local, várias datações de radiocarbono foram obtidas das camadas estratificadas de carvão vegetal e outros materiais orgânicos recuperados durante as escavações. É importante ressaltar que vários espécimes de cavalos intimamente relacionados a materiais datados por carbono da época do Livro de Mórmon foram recuperados(consulte a tabela).7

Datas pré-colombianas pós-pleistoceno associadas a restos de cavalos em Rancho Carabanchel, San Luis Potosí, México (ver Miller et al. 2022, tabela 1)

Datas de radiocarbono não calibradas

Datas de radiocarbono calibradas

Anos A.P. (antes do presente)*

Anos em a.C/ d.C.

Anos A.P. (antes do presente)*

Anos em a.C/ d.C.

3310±30

1390–1330 a.C.

3610–3458

1660–1508 a.C.

3220±30

1300–1240 a.C.

3494–3374

1544–1424 a.C.

2410±30

490–430 a.C.

2498–2350

548–400 a.C.

1870±30

50-110 d.C.

1877–1724

73–226 d.C.

1840±30

80–140 d.C.

1864–1708

86–242 d.C.

1647±57

247–360 d.C.

1697–1408

253–542 d.C.

930±30

990–1050 d.C.

925–785

1025–1165 d.C.

*AP= "antes do presente", com "presente" padronizado para 1950.

Segundo a análise dos pesquisadores dos espécimes de cavalos recuperados, todas as amostras dos contextos pré-colombiano e pós-pleistoceno (Idade do Gelo) pertencem a Equus mexicanus ou Equus convertens, ambas espécies de cavalos norte-americanos já extintas. Isso exclui a possibilidade de tratar-se de ossadas de cavalos espanhóis, que de alguma forma contaminaram os estratos inferiores do local.

Fig. 3 em Miller et al. 2022, mostra a estratigrafia e localização da ossada de cavalo e material datado por radiocarbono em Rancho Carabanchel

Os autores do estudo concluíram: "Os restos do Equus que recuperamos em [Rancho Carabanchel] de várias camadas estratigráficas, todas com datações radiocarbônicas associadas, todas em estratigrafia contínua (fig. 3) e que não demonstram ser uma mescla entre as unidades geológicas, implica em que, os cavalos podem ter vivido nesta região do México após o período clássico de extinção do Pleistoceno tardio".8

Embora isso seja inconsistente com a data comumente assumida à extinção do cavalo nas Américas, é consistente com as tradições de vários grupos indígenas que insistem que seu povo tinha cavalos antes da chegada dos espanhóis.9 Esta evidência também faz parte de um crescente conjunto que sugere que, ao menos, alguns grupos de cavalos sobreviveram por vários milênios após o fim da última Era do Gelo.10 Por exemplo, estudos de amostras de DNA antigas do Alasca e do Yukon, encontraram DNA de cavalo em camadas de permafrost entre 8600-5700 a.C. e 3700 a.C., respectivamente.11 Mais ao sul, alguns cavalos, tanto no Brasil, quanto na Argentina, aparentemente sobreviveram até 5000 a.C.12

Na Mesoamérica, os pesquisadores ficaram perplexos com as ossas de cavalo encontradas juntamente a cerâmicas, ao norte da península de Iucatã.13 O carvão encontrado em associação a alguns desses espécimes de cavalos foi datado por radiocarbono em 1840 a.C., e outros restos mortais de cavalos foram encontrados posteriormente, em estratos colombianos.14 No passado, os pesquisadores levantaram questões sobre a estratigrafia do local, mas recentemente dois arqueólogos concluíram que a possibilidade de que o cavalo tenha "sobrevivido ao final do Arcaico tardio ou mesmo ao início do Pré-clássico" precisa ser levada mais a sério: "Dado que o cavalo também sobreviveu ao período Pós-Pleistoceno no Velho Mundo, a possibilidade de sua sobrevivência em tempos arcaicos nos trópicos americanos também deve ser considerada."15 As descobertas mais recentes reportadas no México reforçam ainda mais essa possibilidade.

O porquê

Estabelecer que houve sobrevivência das populações de cavalos nas Américas muito além da última Era do Gelo tem implicações importantes, que reverberam em várias disciplinas envolvidas no estudo da história americana pré-colombiana, "criando uma mudança de paradigma", como os estudiosos reconheceram com este último estudo.16 Ainda não se sabe se esta última evidência causará essa mudança, mas os cientistas que a publicaram instaram outros a tratar a possibilidade "como uma hipótese em desenvolvimento, que pode ser testada, em vez de simplesmente evitada."17

Embora a questão ainda não esteja definitivamente resolvida, vale a pena considerar as possíveis implicações dessas últimas descobertas sobre como as referências a cavalos e outros animais no Livro de Mórmon são lidas e interpretadas. Nesse sentido, é especialmente interessante comparar essas últimas descobertas com a datação de várias referências a cavalos no Livro de Mórmon.

Duas das datas de radiocarbono encontradas perto dos restos mortais de cavalos são de meados do segundo milênio a.C., apoiando assim a referência a cavalos durante a era jaredita, em Éter 9:19.18 Outro corresponde à data do século VI ou V a.C., sendo cronologicamente próximo da chegada de Leí à terra prometida, quando Néfi disse ter visto cavalos ali (1 Néfi 18:25), e ao tempo de Enos, quando os nefitas tinham "muitos cavalos" (Enos 1:21). A última menção a cavalos no Livro de Mórmon ocorreu durante o cerco de Gadiânton no primeiro século d.C. (3 Néfi 3:22; 4:4; 6:1), e duas datações de radiocarbono apoiam a presença de cavalos nesta época também. Portanto, se essas descobertas forem válidas, elas apoiam a existência de cavalos em todos os períodos em que o Livro de Mórmon os menciona.19

Além disso, pode ser significativo que tenham encontrado dois diferentes tipos de espécies Equus em estratos que datam da época do Livro de Mórmon, pois também menciona o jumento, que também é membro da chamada família dos cavalos (Equidae). Uma vez que o E. coversidens é um cavalo de porte pequeno a médio, talvez seja o que os jareditas e nefitas chamavam de jumento20, enquanto o E. mexicanus, de maior porte, fosse seu "cavalo". Portanto, os achados no Rancho Carabanchel podem ajudar a explicar não só um, mas dois animais mencionados no Livro de Mórmon.

Enquanto os cientistas e estudiosos continuam a explorar e debater este tópico, os estudantes do Livro de Mórmon devem permanecer abertos a várias explicações para as referências a cavalos e outros animais do Velho Mundo mencionados nos registros jareditas e nefitas. Essas descobertas recentes ilustram mais uma vez por que é importante permanecer paciente e de mente aberta enquanto a arqueologia continua a revelar o passado, em vez de tirar conclusões precipitadas com base na mera falta de evidências. A possível descoberta de cavalos pré-colombianos durante os tempos do Livro de Mórmon é apenas uma informação em uma tendência muito maior de confirmação de fatos que, foram anteriormente considerados anacrônicos no Livro de Mórmon.21

"Na erudição, assim como na ciência", observou certa vez Hugh Nibley, "todo paradoxo e anomalia é realmente uma ampla indicação de que um novo conhecimento está esperando por nós se apenas formos atrás dele."22 Aqueles que tiveram a paciência de abordar a referência do Livro de Mórmon aos cavalos como uma insinuação ampla, agora estão desfrutando de novos conhecimentos que podem estar prestes a reescrever a história das Américas.

Leitura Complementar

Wade Miller et al., “Post-Pleistocene Horses (Equus) from México,” Texas Journal of Science 74, no. 1 (2022): article 5. Wade E. Miller y Matthew Roper, “Animals in the Book of Mormon: Challenges and Perspectives,” BYU Studies Quarterly 56, no. 4 (2017): pp.159–165. Daniel Johnson, “‘Hard’ Evidence of Ancient American Horses,” BYU Studies Quarterly 54 (2015): pp.149–179.

1. Consulte o artigo da Central das Escrituras, “Por que cavalos são mencionados no Livro de Mórmon? (Enos 1:21),” Saiba o porquê 75 (05 de abril de 2017). 2. Lawrence B. Kiddle, “Spanish and Portuguese Cattle Terms in Amerindian Languages”, em Italic and Romance Linguistics Studies in Honor of Ernst Pulgram, ed. Herbert J. Izzo (Amsterdam, NE: John Benjamin's Publishing, 1980),p. 273, p. 285, define "adaptação" como "[dando] ao animal o nome de outro animal com o qual os falantes estejam familiarizados" e "[implicando] um animal familiar cujo nome é aplicado ao animal estrangeiro aculturado". Cecil H. Brown, Lexical Acculturation in Native American Languages (New York, NY: Oxford University Press, 1999), p.25 e p.28 definem a palavra "adaptação" de forma diferente, mas usa o termo referência estendida para "estender o uso de uma palavra como referência de um objeto familiar, a outro objeto ou conceito semelhante".3. Ver Orly Goldwasser, “What Is a Horse? Lexical Acculturation and Classification in Egyptian, Sumerian, and Nahuatl”, emClassification from Antiquity to Modern Times: Sources, Methods, and Theories from an Interdisciplinary Perspective, ed. Tanja Pommerening e Walter Bisang (Boston, MA: De Gruyter, 2017), pp. 45–65. 4. Esta é uma das várias possibilidades discutidas em John L. Sorenson, An American Setting for the Book of Mormon (Salt Lake City, UT: Deseret Book; Provo, UT: FARMS, 1985), pp.288–299, esp. pp.295–296; John L. Sorenson, Mormon’s Codex: An Ancient American Book (Salt Lake City, UT: Deseret Book; Provo, UT: Neal A. Maxwell Institute for Religious Scholarship, 2013), pp.313–319. 5. Brant A. Gardner, Traditions of the Fathers: The Book of Mormon as History (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2015), pp.289–300; Brant A. Gardner, “Anachronisms in the Book of Mormon”, em A Reason for Faith: Navigating LDS Doctrine and Church History, ed. Laura Harris Hales (Salt Lake City, UT: Deseret Book; Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 2016), pp.33–43. 6. Wade Miller et al., “Post-Pleistocene Horses (Equus) from México”, Texas Journal of Science 74, no. 1 (2022): article 5. Esta pesquisa foi apresentada anteriormente na conferência da Geological Society of America (Sociedade Geológica de América) em 2021. Ver Wade Miller et al., “Post-Pleistocene, Pre-Columbian Horses from a Site in San Luis Potosi, Mexico”, Geological Society of America Abstracts and Programs p.53, no. 6 (2021). 7. Infelizmente, os pesquisadores não conseguiram obter nenhuma data de carbono direta dos ossos de cavalos pré-colombianos porque não havia colágeno suficiente. Este é um desafio comum ao lidar com restos mortais antigos de animais. Ver Terry O’Connor, The Archaeology of Animal Bones (Thrupp, UK: Sutton Publishing, 2000), pp.23–24. 8. Miller et al., “Post-Pleistocene Horses”. 9. Ver Yvette Running Horse Collin, “The Relationship Between the Indigenous Peoples of the Americas and the Horse: Deconstructing a Eurocentric Myth” (PhD diss., University of Alaska—Fairbanks, 2017), pp.73–101. 10. Muitas dessas evidências estão resumidas em Wade E. Miller,Science and the Book of Mormon: Cureloms, Cumoms, Horses & More (lake Niguel, California: KCT & Associates, 2010), pp.76–83; Daniel Johnson, “‘Hard’ Evidence of Ancient American Horses,” BYU Studies Quarterly 54 (2015): pp.149–179; Wade E. Miller and Matthew Roper, “Animals in the Book of Mormon: Challenges and Perspectives”, BYU Studies Quarterly 56, no. 4 (2017): pp.159–165. Embora mais antigo e não totalmente atualizado, John L. Sorenson, “Animals in the Book of Mormon: An Annotated Bibliography,” FARMS Report (1992), também continua a ser útil. 11. James Haile et al., “Ancient DNA Reveals Late Survival of Mammoth and Horse in Interior Alaska”, Proceedings of the National Academy of Sciences 106, no. 52 (2009); Tyler J. Murchie et al., “Collapse of the Mammoth-Steppe in Central Yukon as Revealed by Ancient Environmental DNA”, Nature Communications 12 (2021): article 7120. 12. Mario Pichardo, “Review of Horses in Paleoindian Sites of the Americas”, Anthropologischer Anzeiger 62, no. 1 (2004): p.28. 13. Veja, por exemplo, Clayton E. Ray, "Pre-Columbian Horses from Yucatan," Journal of Mammalogy 38, no. 2 (1957): p.278. Outras conclusões são citadas em Sorenson, American Setting, p.295, p.394n63; Sorenson, Mormon’s Codex, pp.316–317. 14. Anthony P. Andrews y Fernando Robles Castellanos, “The Paleo-American and Archaic Periods in Yucatan”, em Pathways to Complexity: A View from the Maya Lowlands, ed. M. Kathryn Brown e George J. Bey III (Gainsville, FL: University Press of Florida, 2018), p.25. 15. Andrews e Castellanos, “Paleo-American and Archaic Periods”, pp.25–26. O período Arcaico é definido como 8000-2000 a.C. (p. 17), o tarde Arcaico cerca de 2500-2000 a.C. e o pré-clássico inicial como 2000-1500 a.C. (p.21). 16. Miller et al., “Post-Pleistocene Horses”. 17. Miller et al., “Post-Pleistocene Horses”. 18. A cronologia exata dos jareditas é um tanto indeterminada, mas John E. Clark,“Archaeology, Relics, and Book of Mormon Belief”, Journal of Book of Mormon Studies 14, no. 2 (2005): p.46, datou no reinado de Riplaquis (Éter 10:4) 1200 a.C. Uma vez que os cavalos são mencionados durante o reinado de Êmer (Éter 9:15-21) e que Êmer viveu cinco gerações antes de Riplaquis (Éter 1:24-28), uma estimativa razoável para a data de seu reinado seria em torno de 1400 a.C., que concorda bem com as duas datações de radiocarbono deste período (ver tabela). 19. Cavalos também são mencionados na história de Amon e Lamôni, no primeiro século a.C. (Alma 18:9–10, 12; 20:6). Embora nenhuma das datações de radiocarbono esteja relacionada especificamente a esse período, deduz-se logicamente que, se houvesse cavalos nesta região entre os séculos VI e IV a.C. e ainda estivessem lá no século I-III d.C., os cavalos também deveriam ter vivido na mesma região no século I a.C. 20. Ver 1 Néfi 18:25; Mosias 5:14; 12:5; Éter 9:19. 21. Ver John E. Clark, “Archaeological Trends and Book of Mormon Origins”, em The Worlds of Joseph Smith: A Bicentennial Congress, ed. John W. Welch (Provo, UT: BYU Press, 2006), pp.83–104; Matt Roper e Kirk Magleby, “Time Vindicates the Prophet” (discurso, Conferência FAIR 2019, agosto de 2019). 22. Hugh Nibley, Lehi in the Desert/The World of the Jaredites/There Were Jaredites (Salt Lake City, UT: Deseret Book; Provo, UT: FARMS, 1988), pp.365–366.

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