KnoWhy #640 | Agosto 9, 2022
Como o Livro de Jó nos ensina sobre o templo?
Postagem contribuída por
Central das Escrituras
"Com o ouvir dos meus ouvidos te ouvi, mas agora te vê o meu olho" Jó 42:5
O conhecimento
O Livro de Jó
Embora sejam levantadas questões muito difíceis, uma leitura cuidadosa e detalhada deste livro pode ser bem recompensada. Não obstante, constantemente impressiona a estudiosos de sua literatura pela beleza e eloquência da poesia hebraica apresentada — não foi escrita para ser lida como uma história normal. Contudo, essas podem não ser nossas únicas opções. Dado que o livro de Jó levanta questões penetrantes sobre a natureza de Deus, Sua justiça, misericórdia e evidências da mortalidade, Mack C. Stirling argumenta que as experiências de Jó são apresentadas na forma antiga de um texto de ascensão ao templo, culminando na admissão do herói — neste caso, Jó — à presença de Jeová.1 Stirling argumenta que, ao contrário do que muitos leitores podem supor, o "livro de Jó não trata essencialmente sobre o sofrimento". É uma jornada que inicia na "ignorância abençoada", atravessa a escuridão e amargura e alcança um relacionamento transformador com Deus".2
Ao longo do caminho, Jó levanta muitas questões existenciais "relacionadas a um processo de crescimento e formação". 3 Especificamente, Stirling propõe que as duas perguntas importantes que Jó faz a si mesmo são: "(1) Vale a pena adorar a Deus por Ele mesmo, independentemente do ganho material? (2) Ao vir a Terra e adorar a Deus, pode o homem desenvolver-se a ponto de tornar-se alguém que participa da vida e existência de Deus?.”4 Essas questões recebem uma resposta significativa quando Jó empreende em uma jornada sagrada e espiritual, supera sua condição mortal e retorna à presença de Deus, redimido de seu próprio estado decaído.
O prólogo apresenta Jó vivendo em circunstâncias ideais (Jó 1–2). Ele é um membro valioso da comunidade, abençoado com uma grande família e muitos bens, com uma fé inabalável em Jeová (Jó 1:1-5). Stirling sugere que esta situação "é semelhante em muitos aspectos à de Adão no jardim, antes da queda."5 Por exemplo, depois que Jeová permite que Satanás teste a Jó (Jó 1:12; 2:6), Jó "diz que está 'nu' (Jó 1:21), como Adão e Eva no Jardim, após comerem o fruto proibido (ver Gênesis 3:7-11)".6
Na raiz de seus problemas, "Jó retirou-se em solidão para um lugar de cinzas, resignando-se a um deserto sombrio [Jó 2:8]. Assim, Jó sofreu uma espécie de queda, causada, de certa forma, pelas maquinações de Satanás, mas que acontecem por iniciativa de Deus.”7 Por meio dessa queda do desfrute da graça e da bondade de Deus, então, Jó passa a conhecer mais plenamente tanto o amargo quanto o doce, ao experimentar uma "oposição em todas as coisas" (2 Néfi 2:11).
As provações de Jó demonstram se ele permanecerá firme em seus convênios e "[será livre para] escolher a liberdade e a vida eterna, por meio do grande Mediador de todos os homens, ou para escolherem o cativeiro e a morte" — oferecidos pelo diabo, que buscou a miséria de Jó (2 Néfi 2:27). Jó vai "a âmbitos de experiência além da estrutura garantida, algo que abrirá possibilidades para novos níveis de compreensão e transformação, uma vez que carrega um risco significativo".8
Através de vários diálogos com seus três supostos amigos (Jó 3-27), Jó é ainda mais tentado a ignorar seus convênios e acreditar nas falsas opiniões que seus amigos tinham sobre Deus. "Os amigos [...] representam a religião convencional e a sabedoria tradicional, valendo-se de sua própria experiência (ver Jó 5:27) e palavras dos anciãos (ver Jó 15:9-12)", até mesmo misturando filosofias que aprenderam com as escrituras. 9 Elifaz presumirá até mesmo falar em nome de Deus e sua intercessão pelos culpados, caso Jó admita seus supostos erros e acredite em sua visão de mundo (cf. Jó 22:27–30).10
Através dessas provações, Jó obtém quatro revelações importantes sobre (a) Ressurreição (Jó 14:13-17), (b) seu Redentor e (c) verdadeiro intercessor diante de Deus (Jó 16:19-21; 19:25-27) e (d) a natureza de suas provações (Jó 23:6-10), após as quais, Jó se prepara para encontrar a Deus (Jó 28-31). Parte da preparação de Jó consiste em assegurar sua inocência e estar disposto a aceitar as consequências de todos os seus atos.11
Após enfrentar um último desafio de Eliú (Jó 32-37), Jó fala com Jeová como se estivesse passando por um véu (Jó 38:1-42:6).12 Deus começa o diálogo afirmando Seu papel na Criação e convidando Jó a contemplar seu próprio conhecimento e compreensão limitados dos processos criativos, talvez até o convidando a participar de Seu conselho divino, no próprio processo de Criação (Jó 38:4-21).13 Jeová, então, descreve Seu poder e glória e confirma a Jó que a visão de mundo de seus amigos — assim como sua visão de mundo anterior — sobre a justiça e misericórdia estava errada.
Esse encontro termina quando Jó é admitido na presença de Jeová, tendo sido transformado por meio de suas experiências, sua fé e sua determinação de permanecer fiel a seus convênios. Neste momento culminante e de imensurável graça e verdade, Jó declara: "Com o ouvir dos meus ouvidos te ouvi, mas agora te vê o meu olho" (Jó 42:5). Jó é duplamente abençoado por sua fé, pois suas bênçãos anteriores são devolvidas a ele.
O porquê
Vários dos temas principais do Livro de Jó — a queda pessoal de uma vida abençoada, a necessidade de fidelidade aos convênios mesmo à face de provações mortais, o futuro retorno à presença de Deus e a restauração de bênçãos profundas — lembram as verdades ensinadas nos templos antigos e modernos. Esta visão oferece aos membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias uma abordagem gratificante para ler e colher os benefícios eternos deste livro bíblico.
É importante reconhecer que a fé e o desejo de Jó de guardar seus convênios, não permaneceram incontestados ao longo de sua vida.14 Certamente, o mesmo acontecerá com todos nós. Conforme ensinado em muitos textos sobre o templo, a mortalidade é um lugar onde os filhos de Deus "provam o amargo para saber apreciar o bom" (Moisés 6:55), mas não estamos ausentes da mente e cuidado do Senhor. Nesse sentido, Jó fornece um mapa para navegar pelas provações da mortalidade: apegar-se à "justiça" (ver Jó 27:6), permanecer nos caminhos de Deus (ver Jó 23:11), ser receptivo à revelação e buscar continuamente a face de Deus (ver Jó 13:3-22)".15
Jó, a quem foi solicitado suportar mais do que parece ser possível, também serve como uma importante representação de Cristo, já que todos nós navegamos pelas provações da mortalidade. Enquanto Joseph Smith orava na Cadeia de Liberty — chamada de "templo-prisão" de Joseph — foi consolado e disse: "Ainda não estás como Jó; teus amigos não discutem contigo nem te acusam de transgressão, como fizeram a Jó" (Doutrina e Convênios 121:10).16 Jesus, o qual é "Aquele que subiu ao alto, como também desceu abaixo de todas as coisas, no sentido de que compreendeu todas as coisas," ( D&C 88:6), sabe do que precisamos e como Ele pode ajudar-nos nos momentos de prova, tentação, doença, desespero e desesperança (cf. Alma 7:11–13).
Ao buscar a Jeová, Jó aprendeu mais sobre seu Redentor e o poder de Jeová para redimi-lo de sua condição decaída; ganhou a confiança de que precisava para encontrá-Lo e conversar com Ele, entrar em um relacionamento de convênio com Ele e ser bem-vindo de volta a Sua presença. Conforme os membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias servirem e adorarem no templo sagrado, assim como Jó, terão a capacidade de superar todos os aspectos da Queda ao confiarem na Expiação infinita e eterna de Jesus Cristo. Ao aprofundarem ainda mais seu relacionamento com o Senhor, serão abençoados com esperança quando enfrentarem as provações da mortalidade.
Leitura Complementar
Mack C. Stirling, "Jó: An LDS Reading", em Temple Insights: Proceedings of the Interpreter Matthew B. Brown Memorial Conference, "The Temple on Mount Zion", 22 de setembro de 2012, ed. William J. Hamblin e David Rolph Seely (Orem, UT: Interpreter Foundation; Salt Lake City, UT: Eborn Books, 2014), pp.99–144; republicado em Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 12 (2014): pp.127–181 e Interpreter: A Journal of Latter-day Saint Faith and Scholarship 45 (2021): pp.137–180. John S. Tanner, "‘Hast Thou Considered My Servant Job?’", em Sperry Symposium Classics: The Old Testament, ed. Paul Y. Hoskisson (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University; Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2005), pp.266–282. John W. Welch, "Experiencing the Presence of the Lord: The Temple Program of Leviticus", em The Temple: Ancient and Restored: Proceedings of the Second Interpreter Matthew B. Brown Memorial Conference, "The Temple on Mount Zion", 25 October 2014, ed. Stephen D. Ricks e Donald W. Parry (Orem, UT: Interpreter Foundation; Salt Lake City, UT: Eborn Books, 2016), pp.273–307. Hugh W. Nibley, "Abraham's Temple Drama", em The Temple in Time and Eternity ed. Donald W. Parry e Stephen D. Ricks (Provo, UT: Foundation for Ancient Research and Mormon Studies, 1999), pp.1–42.1. Véase Mack C. Stirling, "Jó: An LDS Reading", em Temple Insights: Proceedings of the Interpreter Matthew B. Brown Memorial Conference, "The Temple on Mount Zion", 22 September 2012, ed. William J. Hamblin y David Rolph Seely (Orem, UT: Interpreter Foundation; Salt Lake City, UT: Eborn Books, 2014), pp.99–143.
Este ensaio foi reimpresso em Interpreter: A Journal of Latter-day Saint Faith and Scholarship: first in vol. 12 (2012): pp.127–181, e depois, no vol. 45 (2021): pp.137–180. No restante deste artigo Saiba o porquê, todas as citações e referências seguirão a versão 2021. Além dessa leitura proposta por Mack Stirling, Hugh Nibley também identificou muitos componentes de templos antigos encontrados na literatura de Jó, incluindo o Livro de Jó e o Testamento pseudepigráfico de Jó.
No Testamento de Jó, por exemplo, ele instrui seus filhos a formar um círculo ao seu redor enquanto demonstra o que Jeová lhe mostrou, ele os informa "que eles não terão nada a temer nesta vida porque as vestes que usam são 'um poder e uma proteção de Jeová'", e prepara seus filhos para encontrar os santos mensageiros. Ver Hugh W. Nibley, "Abraham’s Temple Drama", em The Temple in Time and Eternity ed. Donald W. Parry e Stephen D. Ricks (Provo, UT: Foundation for Ancient Research and Mormon Studies, 1999), pp.20–21.
Ver também Testamento de Jó pp.47–50. 2. Stirling,"Jó", p.143. 3. Stirling,"Jó", p.140. 4. Stirling,"Jó", p.140. 5. Stirling,"Jó", p.141. 6. Stirling,"Jó", p.142. 7. Stirling,"Jó", pp.142-143. 8. Stirling,"Jó", p.144. 9. Ver Stirling, "Jó", pp.145, 152, 167. 10. Stirling,"Jó", p.153. 11. Stirling,"Jó", pp.157-158. 12. Stirling vê Eliú como a figura de Satanás que "menciona a Jó a possibilidade de um anjo mediador (presumivelmente o próprio Eliú!) que intercederá por ele". se ao menos Jó admitisse sua culpa, mesmo afirmando que desejasse justificar ou vindicar Jó (veja Jó 33:19-32). Eliú seria a barreira final que Jó deveria transpor antes de falar com Deus no véu. Assim, ele ocupa o lugar de Satanás antes da primeira visão de Joseph Smith (ver JS-H 1:16-17) e antes das visões maiores de Moisés (ver Moisés 1:9-27)."
Stirling observa que, enquanto Eliú tenta dissuadir Jó de decidir pelo caminho que busca a justiça, argumenta que o homem não pode conhecer a Deus, já que ele é tão "grande" e "não se pode esquadrinhar." (Jó 36:26); e que nós, como mortais, "não podemos alcançar" (37:23) nem podemos falar com Deus sem sermos "[devorados]" pela "tremenda majestade" de Deus (37:20, 22). Stirling,"Jó", pp.158-162. 13. Stirling,"Jó", pp.156, 163. Hugh Nibley propôs que as perguntas de Jeová a Jó, em Jó 38:3, 18 demonstram que Jó fez parte da Criação. "Jó estava lá, e Jeová o está lembrando de que seus sofrimentos e as deficiências deste mundo têm um propósito." Nibley, "Abraham’s Temple Drama", p.20. 14. Muitos estudiosos acreditam que o livro de Jó não é histórico, sendo composto para transmitir uma mensagem teológica. Independentemente de Jó ter sido ou não uma figura histórica, ou de que os eventos descritos neste texto não terem ocorrido exatamente como registrados, sua composição certamente pode ser considerada um reflexo da compreensão profunda e sagrada das verdades eternas. 15. Stirling,"Jó", p.175.
16. Para se referir à prisão de Liberty como um "templo-prisão", veja Jeffrey R. Holland, "Lessons from Liberty Jail", CES Fireside, 7 de setembro de 2008, disponível em speeches.byu.edu.