KnoWhy #518 | Junho 7, 2019
Por que o Livro de Mórmon adverte contra a busca de riquezas?
Postagem contribuída por
Scripture Central
"Mas antes de buscardes riquezas, buscai o reino de Deus." Jacó 2:18
O conhecimento
O discurso de Jacó proferido no Templo em Jacó 2-3 é famoso por sua firme condenação da imoralidade sexual e do abuso a mulheres e crianças.1 Ao mesmo tempo, Jacó advertiu seu povo contra o orgulho e fixarem seus corações nas riquezas e opulência.
E agora eis que, meus irmãos, esta é a palavra que vos declaro: que muitos de vós haveis começado a procurar ouro e prata e toda espécie de minerais preciosos que se encontram em abundância nesta terra, que é uma terra de promissão para vós e para vossos descendentes. E a mão da providência favoreceu-vos mui agradavelmente, de modo que obtivestes muitas riquezas; e porque alguns de vós obtivestes mais abundantemente do que vossos irmãos, enchestes o coração de orgulho e andais com dura cerviz e cabeça levantada devido aos vossos custosos trajes; e perseguis vossos irmãos, porque supondes que sois melhores do que eles. E agora, meus irmãos, supondes que Deus vos justifica nisto? Eis que vos digo: Não. Ele, porém, condena-vos; e se persistirdes nestas coisas, seus julgamentos cairão rapidamente sobre vós. (Jacó 2:12–14)
Brant Gardner identificou um possível contexto social para o ensino de Jacó na América pré-colombiana.2 Como em quase todas as economias antigas, a Mesoamérica praticava a economia de escambo, quando ''vários produtos serviam como moeda para 'igualar' uma transação de troca''. Esses produtos incluíam pedras preciosas e minerais, joias lapidadas, roupas, sal e até grãos de cacau.3 Nesse contexto, é interessante que Jacó não apenas mencionou ouro e prata, mas o acúmulo de ''toda espécie de minerais preciosos'' e roupas caras como sinal de riqueza para os nefitas primitivos.
Em outras partes do Livro de Mórmon, os nefitas são mencionados como ricos "em ouro e em prata e em coisas preciosas" (Jarom 1:8), e "abundância de rebanhos [...] também abundância de grãos [...] e abundância de sedas e de finos tecidos de linho e de toda espécie de bons tecidos simples" (Alma 1:29).4 Embora os nefitas, durante o reinado dos juízes, tivessem um sistema de pesos para contabilizar as medidas de grãos (Alma 11),5 essas e outras passagens parecem confirmar que pessoas comuns enriqueciam sobretudo por meio do escambo de bens materiais, e não pela conversão em dinheiro.6
O tipo de riqueza que os homens buscavam na pequena cidade de Jacó provavelmente não era apenas ouro e minério de prata, mas também pedras de jade e pedras semipreciosas, penas de pássaros exóticos e outros bens materiais que poderiam ser usados para justificar sua segregação social. Na América antiga, ''as pessoas mostravam suas riquezas usando-as — justamente a reclamação de Jacó sobre seu povo,'' observa Gardner. Essa exibição visual de riqueza acentuava as diferenças entre o acesso individual aos produtos comerciais exóticos e levava à desigualdade social que está por trás da condenação de Jacó."7
Seja qual for a origem dessa desigualdade econômica, os homens da comunidade nefita primitiva estavam aparentemente se afastando de seus lares e famílias, emocionalmente e talvez até fisicamente, em sua busca por acumular riquezas.8 Eles também foram levados à imoralidade sexual (incluindo a poligamia não autorizada ou concubinato [Jacó 2:27–30]) e o abuso e negligência de suas famílias (v. 35) [geralmente eram] problemas correlacionados.
A poligamia [era] onerosa, portanto, a riqueza costuma ser necessária para sustentar as esposas plurais [...] A crescente riqueza dos nefitas causou problemas tanto na estratificação social decorrente do orgulho, como também em algumas das outras 'armadilhas' dos ricos — uma casa com muitas esposas".9 É provável, portanto, que parte da condenação de Jacó estivesse relacionada ao fato de seu povo tratar vidas humanas como se fossem apenas mais um objeto a ser comprado ou trocado por riqueza material. Nada nessa imoralidade ou injustiça sexual, ou material, é consistente com a doutrina, a ética ou a moralidade.
O porquê
Como o Livro de Mórmon e a Bíblia deixam claro, não é intrinsecamente imoral ter ou possuir riqueza material. Na verdade, o justo Leí era um homem rico (1 Néfi 3:16), e tanto ele quanto outros nefitas e profetas bíblicos declararam a voz do Senhor repetindo a promessa: ''E se guardares meus mandamentos, prosperarás e serás conduzido a uma terra de promissão'' (1 Néfi 2:20; 2 Néfi 1:20; 2 Néfi 4:4; Mosias 1:7; 2:28).10 Como o próprio Jacó deixou especialmente claro, o pecado pode estar tanto em como acumulamos essa riqueza (honesta e justamente, ou por meio da desonestidade e exploração da vida humana) quanto no que fazemos com ela.
Pensai em vossos irmãos como em vós mesmos; e sede amáveis para com todos e liberais com vossos bens, para que vossos irmãos sejam ricos como vós. Mas antes de buscardes riquezas, buscai o reino de Deus. E depois de haverdes obtido uma esperança em Cristo, conseguireis riquezas, se as procurardes; e procurá-las-eis com o fito de praticar o bem — de vestir os nus e alimentar os famintos e libertar os cativos e confortar os doentes e aflitos. (Jacó 2:17–19)
Determinar se acumular riqueza é bom ou ruim depende do motivo pelo qual a busca e de a usará. O uso da riqueza para ''vestir os nus e alimentar os famintos e libertar os cativos e confortar os doentes e aflitos'' é bom e nobre aos olhos de Deus. Em contraste, exaltar-se em riqueza com "o coração de orgulho", usando ''com dura cerviz e cabeça levantada devido aos vossos custosos trajes'' e ''perseguis vossos irmãos [e irmãs], porque supondes que sois melhores do que eles'' (Jacó 2:13; ver também Mosias 4:26).
Os ensinamentos de Jacó e de outros profetas no Livro de Mórmon estão em harmonia com os muitos ensinamentos de Jesus sobre riqueza contidos no Novo Testamento.11 Em várias passagens dos evangelhos, Jesus advertiu sobre o perigo de buscar riquezas (especialmente riquezas mal adquiridas) em vez de servir a Deus em Seu reino. No Sermão da Montanha, Jesus disse:
Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. (Mateus 6:19–21)
A pedra angular desse ensinamento é: ''E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para quando estas vos faltarem, vos recebam nos tabernáculos eternos'' (Mateus 6:24;cf. Lucas 16:9, 11, 13). O que exatamente a palavra Mamom significa neste versículo? Como John W. Welch comenta:
Mamom significa mais do que apenas dinheiro. A palavra era usada em textos judaicos para descrever recompensas, propriedade tangível, ganhos desonestos ou subornos; mamom personifica o mundo de poderes e influências materialistas e, em alguns casos, "a ideia do impuro, desonesto e mundano está intrinsecamente ligada à palavra", o que pode derivar da raiz que significa "aquilo em que se confia".12
Em outro caso memorável, Jesus ensinou a seus discípulos com uma hipérbole deliberada: ''é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus'' (Mateus 19:23-24). O contexto deste ditado é de um jovem rico — identificado no evangelho de Lucas como um ''príncipe'' (Lucas 18:18) — que lamentava vender sua riqueza e seguir Jesus ''porque possuía muitas propriedades'' (Mateus 19:22). Este contexto sugere que a hipérbole de Jesus foi em resposta à relutância do jovem rico em servir a Deus e aos necessitados, em vez de seus próprios desejos monetários.13
Quando todas essas escrituras são lidas juntas, os ensinamentos do Livro de Mórmon e da Bíblia alertam consistentemente aos discípulos de que, se não forem mantidas dentro dos limites que o Senhor estabeleceu, a busca de riquezas e prosperidade pode se tornar um câncer para a alma. Quando as pessoas cobiçam a prosperidade de seus vizinhos, fazem da riqueza seu professor e baseiam o valor humano na riqueza mundana, elas se distanciam de Deus e se arriscam a ser julgados por Ele. Essas poderosas advertências continuam plenamente em vigor hoje, como no passado.
Este KnoWhy foi possível graças às generosas contribuições do Élder Lynn G. Robbins.
Leitura Complementar
Warner P. Woodworth, "The Socioeconomics of Zion", em Fourth Nephi, From Zion to Destruction, ed. Monte S. Nyman e Charles D. Tate Jr. (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1995), pp. 337–52. R. Thayne Robson, "Wealth, Attitudes Towards" em Encyclopedia of Mormonism, ed. Daniel H. Ludlow (New York, NY: Macmillan, 1992), 4: pp. 1551–1553. Chauncey C. Riddle, "Pride and Riches", em Jacob through Words of Mormon, To Learn with Joy, Book of Mormon Symposium Series, Volume 4, ed. Monte S. Nyman e Charles D. Tate Jr., (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1990), pp. 221–234. Susan Easton Black, '''Lest Ye Become As the Nephites of Old,'' em The Book of Mormon: The Keystone Scripture, ed. Paul R. Cheesman (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1988), pp. 256–268.1. Alguns do povo de Jacó haviam usado mal os exemplos de Davi e Salomão por terem muitas esposas e concubinas, mas o Senhor não lhes havia ordenado nem Leí lhes havia permitido. Ver o artigo da Central do Livro de Mórmon, ''O que o Livro de Mórmon diz sobre a poligamia?'' KnoWhy 64, (21 de março de 2017). 2. Brant A. Gardner, Second Witness: Analytical and Contextual Commentary on the Book of Mormon (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2007), 2: pp. 487–494. 3. Gardner, Second Witness, 2: pp. 487–448. 4. Sobre seda e linho no Livro de Mórmon, ver John L. Sorenson, An Ancient American Setting for the Book of Mormon (Salt Lake City and Provo, Utah: Deseret Book and FARMS, 1985), p. 232; Mormon’s Codex: An Ancient American Book (Provo, UT: Neal A. Maxwell Institute for Religious Scholarship, 2013), pp. 346–347; "Silk and Linen in the New World?" Book of Mormon Research, disponível em bookofmormonresearch.org. 5. Ver o artigo da Central do Livro de Mórmon, ''Por que devemos conhecer o sistema de pesos e medidas dos nefitas", KnoWhy 322, (1 de março de 2018). 6. Ver também Sorenson, An Ancient American Setting for the Book of Mormon, pp. 232–233; Gardner, Second Witness, 2: pp. 489–490. 7. Gardner, Second Witness, 2: p. 490. 8. Os arqueólogos documentaram operações de extração mineral na antiga Mesoamérica, embora ainda existam lacunas significativas no registro arqueológico. Peter S. Dunham, "Minerals, Ores, and Mining", em Archaeology of Ancient Mexico and Central America: An Encyclopedia, ed. Susan Toby Evans e David L. Webster (New York, NY: Garland Publishing, 2001), pp. 470–472. Além do ouro e da prata mencionados no texto, Jacó também fala de ''toda espécie de minerais preciosos'' (Jacó 2:12) sendo procurados pelos nefitas primitivos. Basalto, cobre, jade, obsidiana, cinábrio, turquesa, calcário, sal e conchas estão entre outros minerais e pedras ("toda espécie de minerais preciosos") que provavelmente estariam disponíveis para o povo de Jacó por meio de operações organizadas de mineração/extração e tratados comerciais. Andrew Sluyter e Maria Tereza Cavazos Perez, "Geography and Climate", em Archaeology of Ancient Mexico and Central America, p. 292. Isso poderia fornecer um contexto para Jacó condenar a ''busca'' dos nefitas por ouro e outros recursos preciosos. Talvez eles estivessem negligenciando fisicamente suas famílias para organizar seus esforços na busca e extração desses recursos através da mineração e outras técnicas. 9. Gardner, Second Witness, 2: p. 492. 10. Consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, ''O que significa 'prosperar na Terra'?'' KnoWhy 116, (23 de maio de 2017); "Como a prosperidade é definida nas Placas Menores de Néfi?'' KnoWhy 383, (25 de junho de 2018). Este conceito é especialmente proeminente no livro de Deuteronômio. 11. Conhecer a interessante perspectiva dos ensinamentos de Jesus sobre riqueza e ganho material no contexto do primeiro século d.C., ver Runar M. Thorsteinsson, Jesus as Philosopher: The Moral Sage in the Synoptic Gospels (New York, N.Y.: Oxford University Press, 2018), pp. 46–51, 75–78, 134–143. 12. John W. Welch, The Sermon on the Mount in the Light of the Temple (London: Ashgate, 2009), p. 152. 13. Várias teorias foram apresentadas para explicar essa passagem, incluindo teorias de que Jesus estava se referindo às portas chamadas ''olho de agulha'', das quais Ele estava falando sobre uma corda feita de pêlos de camelo ou sendo usada em uma hipérbole. Ver John A. Tvedtnes, "Can you give me some background on Matthew 19:24?" Ensign, Março de 1985, disponível em www.lds.org; Richard Neitzel Holzapfel, Eric D. Huntsman e Thomas A. Wayment, Jesus Christ and the World of the New Testament (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2006), p. 92. A teoria de que Jesus estava falando sobre uma pequena porta carece de evidências históricas ou evidências arqueológicas. Embora a segunda teoria tenha mérito, a maioria dos estudiosos prefere ver isso como um exemplo de uma hipérbole empregada por Jesus. Seja qual for o caso, nas palavras de Tvedtnes, ''a ideia é clara, as riquezas podem se tornar um sério obstáculo para uma pessoa que busca a vida eterna''. Para mais comentários, ver Julie Smith, The Gospel According to Mark, Brigham Young University New Testament Commentary (Provo, UT: BYU Studies, 2018) pp. 564–576.