KnoWhy #633 | Junho 4, 2022
O que motivou a violência ocorrida no massacre de Mountain Meadows?
Postagem contribuída por
Central das Escrituras
"E se qualquer nação, língua ou povo declarasse guerra contra eles, deveriam primeiro mostrar um estandarte de paz a esse povo, nação ou língua". Doutrina e Convênios 98:34
O conhecimento
Em setembro de 1857, uma companhia de carroções do estado de Arkansas, EUA, passava pelo sul do estado de Utah a caminho da Califórnia, quando foi atacada e todos os seus membros — com a exceção de dezessete crianças pequenas — foram massacrados por membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, em um lugar chamado Mountain Meadows.1 Este ato de violência trágico, desmedido e injustificável, contraria aos princípios do evangelho de Jesus Cristo. Alguns tentaram usar esse evento como prova de que os membros da Igreja seriam pessoas violentas, ou de que nossa tradição religiosa seria inerentemente violenta. A verdade é muito mais complexa.
Tragicamente, a violência é uma parte muito comum da vida mortal neste mundo decaído. Contando apenas os últimos anos, presenciamos muitos tumultos, tiroteios em massa e guerras. Tal violência é endêmica à condição humana. Muitas vezes, pessoas comuns são influenciadas pelo calor do momento, e um conjunto específico de condições leva pessoas tidas como boas a cometerem atos de violência indescritíveis. Infelizmente, os membros da Igreja não estão imunes a esse problema humano tão comum.
A violência era uma realidade que prevalecia, especialmente, na fronteira americana do século XIX, e muitas vezes visava grupos minoritários, incluindo minorias religiosas, injustamente percebidas como a fonte de vários males sociais.2 Como tal, os membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias foram vítimas regulares da violência, nas décadas de 1830 e 1840.3 Incidentes como o Massacre de Hawn's Mill, ocorrido durante a violenta expulsão dos membros da Igreja do estado do Missouri4, e o subsequente martírio de Joseph e Hyrum Smith — seguido por outra expulsão violenta, desta vez no estado de Illinois — teve um impacto geracional nos membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que suportaram essas injustiças e perderam entes queridos, seja na própria violência ou devido a suas consequências.5
Por vezes, após repetidos atos de violência contra eles, os membros da Igreja responderam com violência, por considerarem ser um ato em legítima defesa. No entanto, como observou um trio de historiadores: "A maioria poderia fazer justiça com as próprias mãos impunemente, mas quando as minorias adotaram a mesma abordagem ou tentaram se defender, geralmente era contraproducente."6 Estes atos de agressão tendiam a confirmar os estereótipos sobre os "mórmons" serem violentos e depravados, o que aumentava a hostilidade dirigida a eles. Entretanto, de acordo com D. Michael Quinn: "O ataque mórmon contra os que não eram membros da Igreja, no Missouri em 1838, foi brando em comparação com a brutalidade das milícias que se opunham aos membros da Igreja".7
Em Utah, os membros da Igreja esperavam viver e praticar sua religião em paz, mas os conflitos com forasteiros continuavam, especialmente com autoridades territoriais designadas pelo governo federal. Estes oficiais voltavam à capital, Washington, e espalhavam boatos sobre os membros da Igreja, alimentando assim a animosidade contra eles.8 Em 24 de julho de 1857, notícias chegaram a Utah sobre a aproximação de um exército enviado pelo governo dos Estados Unidos.9 A princípio, as intenções dessa força militar não eram claras, mas devido à experiência anterior dos membros da Igreja com a perseguição violenta, muitos presumiram o pior. Os membros da Igreja começaram a se preparar para a guerra. Brigham Young e outros líderes em Utah fizeram discursos durante a guerra, encorajando os membros a se defenderem e a armazenarem qualquer excedente de grãos, armas e munição.10
O verão também foi uma época em que muitas pessoas emigraram e, segundo alguns relatos, um volume especialmente alto desses emigrantes chegou à Califórnia em 1857. Muitas caravanas com destino à Califórnia passavam por Utah, esperando reabastecer alimentos, munição e outras necessidades em Salt Lake City e nas cidades ao longo do caminho. Embora essas caravanas fossem geralmente boas para a economia de Utah, as disputas entre os emigrantes que passavam e a população já estabelecida, incluindo os nativos americanos, não eram incomuns. Devido ao ambiente hostil, as crescentes tensões em Utah serviram para aumentar esses pequenos conflitos na mente de alguns membros da Igreja.11
À medida que a companhia de Arkansas abria caminho para o Sul, através do território de Utah, seus membros experimentavam repetidas tentativas frustradas de obter alimentos e outros suprimentos necessários, que a maioria dos membros da Igreja não estava disposta a vender, pois foram aconselhados por seus líderes a guardar o excedente de seus recursos em preparação para uma possível guerra. Como Ronald Walker, Richard Turley e Glen Leonard explicaram: "Em vários pontos do território, os emigrantes tiveram dificuldade em obter comida e outros suprimentos necessários para sua sobrevivência e conforto. Alguns desabafaram sua frustração, então [os membros da Igreja], que já temiam a chegada do exército, se sentiram ainda mais ameaçados. Em Cedar City, o ciclo atingiu seu ápice".12
Sobre os eventos em Cedar City, um grupo de escritores explicou: "Os ânimos se inflamaram quando operadores de moinhos locais exigiram uma vaca em troca da moagem dos grãos dos emigrantes, um preço exorbitante. Homens da companhia Fancher protestaram contra os empresários membros da Igreja e ameaçaram se juntar ao exército que se aproximava e retornar a Cedar City, para se vingar."13 Foi dito que alguns homens foram à casa de Isaac C. Haight, prefeito de Cedar City, e ameaçaram enviar um exército da Califórnia para matar Haight, junto a outros líderes locais, e até mesmo a Brigham Young.14 Um relato afirma que os membros do grupo disseram que ajudaram a matar Joseph e Hyrum Smith e outros membros da Igreja no estado de Missouri e em Nauvoo.15
Independentemente da veracidade dessas histórias, não há evidências de que fossem nada além de ameaças vazias, "mas na atmosfera pesada de 1857, os líderes de Cedar City acreditaram nas palavras desses homens."16 Haight pediu a William Dame de Parowan, o líder sênior da milícia local, permissão para usar a milícia contra os emigrantes. Em vez disso, Dame e o conselho de Parowan disseram para Haight não usar de força contra os emigrantes, mas a tentar manter a paz até que passassem pela área.17
Haight ignorou esse conselho e elaborou um plano para que alguns dos Paiutes (uma tribo local) atacassem a companhia de carroções em Mountain Meadows. John D. Lee foi recrutado para persuadir os Paiutes, que só concordaram em fazê-lo se Lee os liderasse.18 Quando Haight convocou uma reunião do conselho em Cedar City para tentar obter a aprovação para o ataque, ele se deparou com a oposição de outros líderes locais, que o forçaram a concordar em enviar um mensageiro a Brigham Young perguntando como proceder.19 No entanto, antes que um mensageiro pudesse ser enviado, Lee e alguns Paiutes emboscaram os emigrantes. A companhia circulou seus carroções em uma posição defensiva e deu início ao que se tornou um cerco de cinco dias.20
Um mensageiro ainda foi enviado a Brigham Young, mas antes que pudesse retornar, a situação ficou fora de controle. Os emigrantes perceberam que não era simplesmente um ataque nativo, mas que membros da Igreja estavam envolvidos. Temendo as consequências, caso a notícia se espalhasse de que membros da Igreja atacaram uma caravana de emigrantes, Haight e outros determinaram que não poderiam permitir que os sobreviventes escapassem, porém, Haight sentiu que precisava da permissão de William Dame para executar esse plano morta.l21
Mais uma vez, um conselho foi convocado em Parowan, com Dame e outros líderes. Contudo, estes homens não aprovaram um ataque aos emigrantes, ao invés disso, foi elaborado um plano para ajudar a companhia a continuar em seu caminho rumo a Califórnia.22 Haight acreditava que isso era inaceitável. Ele e um de seus conselheiros se reuniram em particular com Dame e o pressionaram, temendo que deixar os emigrantes sobreviverem para contar sobre o ataque iria "desencadear uma agressão aos assentamentos dos membros do sul."23 Relatos sobre o que foi exatamente dito e acordado nesta reunião são contraditórios e incertos, mas Haight saiu acreditando que tinha o apoio de Dame para suas ações subsequentes.24
O plano foi feito para que John D. Lee se aproximasse dos carros sob o pretexto de oferecer ajuda. Lee convenceria os emigrantes a abandonar suas armas e deixar que os membros da Igreja os conduzissem para fora da pradaria para um lugar seguro. As mulheres e crianças iriam primeiro, seguidas pelos homens, cada um acompanhado por um miliciano armado. No entanto, quando um sinal foi dado, em vez de proteger os emigrantes, os milicianos e alguns Paiutes mataram todos eles, exceto dezessete crianças pequenas.25
Dois dias depois, o mensageiro voltou com a palavra de Brigham Young, dizendo a Haight para não interferir ou se intrometer na companhia de emigrantes, mas para "deixá-los ir em paz". Ao receber a mensagem, Haight soluçou como uma criança dizendo: "Tarde demais; tarde demais."26
O porquê
É difícil compreender ou entender completamente o porquê de eventos como o "Massacre de Mountain Meadows". Pode ser fácil, e até reconfortante, supor que o fanatismo religioso causou essa tragédia indescritível; tal explicação até facilita processá-la e diminuí-la. Todavia, segundo os historiadores: "A maioria dos homens que cometeram a atrocidade de Mountain Meadows, não eram fanáticos nem sociopatas, mas pessoas normais e decentes em muitos aspectos".27
Não foi devido a sua religião, mas a despeito dela, que esses homens cometeram esse abominável ato de violência. O evangelho de Jesus Cristo chama os discípulos a "[fazer] o bem; procura[r] a paz" Salmos 34:14) e “tende paz com todos os homens” (Romanos 12:18). No Sermão da Montanha, o Salvador disse: “Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9). Em seguida, Ele ensinou seus discípulos a se reconciliarem com os adversários (vv. 21–26), oferecer a outra face (v. 39) e, finalmente: “Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (v. 44).
Em resposta à primeira onda de perseguição e violência de turba dirigida contra os membros da Igreja em 1833, Joseph Smith recebeu uma revelação instruindo os Santos a "renunciai à guerra e proclamai a paz" (D&C 98:16) e suportar a perseguição com paciência e tentar resolver conflitos pacificamente antes de pegar em armas em legítima defesa (D&C 98:23-37). Em várias ocasiões, quando os líderes locais e da Igreja, de Parowan e Cedar City, aconselharam sobre a companhia de emigrantes em Mountain Meadows, encorajaram ações que preveniriam ou reduziriam a violência, promovendo a paz. O massacre aconteceu, simplesmente por ignorarem repetidamente as decisões sábias e sensatas desses conselhos.
Por ocasião do 150º aniversário desse trágico acontecimento, o Presidente Henry B. Eyring disse:
O evangelho de Jesus Cristo, que defendemos, abomina o assassinato a sangue-frio de homens, mulheres e crianças. Na verdade, defende a paz e o perdão. O que os membros da Igreja fizeram há tanto tempo representa um afastamento terrível e indefensável dos ensinamentos e conduta cristã. Não podemos mudar o que aconteceu, mas podemos lembrar e homenagear aqueles que ali morreram.28
Estudos mostram que as condições que levaram a essa tragédia coincidem com as encontradas em outros casos, em que pessoas aparentemente normais cometeram assassinatos em massa.29 Portanto, a origem ou motivação para este massacre não foi a religião, mas algo profundamente enraizado na condição decaída da própria humanidade (Ver Mosias 3:19; Éter 3:2). Somente a Expiação de Jesus Cristo pode superar este estado de perdição e decadência, trazer a paz e cura que este mundo desesperadamente precisa.
Leitura Complementar
Ensaios sobre Temas do Evangelho, “Paz e violência entre os Santos dos Últimos Dias do século XIX”, disponível em churchofjesuschrist.org. Ronald W. Walker, Richard E. Turley Jr. y Glen M. Leonard, Massacre at Mountain Meadows (New York, NY: Oxford University Press, 2008). Donald R. Moorman, con Gene A. Sessions, Camp Floyd and the Mormons: The Utah War (Salt Lake City, UT: University of Utah Press, 1992), pp.123–150. Richard E. Turley y Ronald W. Walker, eds., Mountain Meadows Massacre: The Andrew Jenson and David H. Morris Collections (Provo, UT: BYU Studies, 2009).1. Para um breve resumo do incidente, ver Casey Paul Griffiths, Susan Easton Black e Mary Jane Woodger, What You Don’t Know about the 100 Most Important Events in Church History (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2016), pp.150–153. 2. Ensaios sobre Temas do Evangelho, “Paz e violência entre os Santos dos Últimos Dias do século XIX”, disponível em churchofjesuschrist.org: "Na sociedade americana do século XIX, a violência comunitária era comum e muitas vezes tolerada. Grande parte da violência cometida contra e pelos Santos dos Últimos Dias foi enquadrada na então atual tradição americana de ações vigilantes, por meio das quais os cidadãos se organizavam para fazer justiça com as próprias mãos, quando acreditavam que o governo era opressivo ou falho. Normalmente, vigilantes visavam grupos minoritários, ou aqueles que eram supostamente criminosos ou socialmente marginais. Em ocasiões, tais atos foram provocados pela retórica religiosa". 3. Para obter um resumo da violência perpetrada contra os Santos dos Últimos Dias de 1830 a 1846, consulte Ronald W. Walker, Richard E. Turley Jr. y Glen M. Leonard, Massacre at Mountain Meadows (New York, NY: Oxford University Press, 2008), pp.6–19. 4. Ver Alexander L. Baugh, ed., Tragedy and Truth: What Happened at Hawn’s Mill (American Fork, UT: Covenant Communications, 2014). 5. Para uma discussão sobre vários desses incidentes violentos e suas implicações para a história dos membros da Igreja, consulte Glenn Rawson e Dennis Lyman, eds., The Mormon Wars (American Fork, UT: Covenant Communications, 2014). 6. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.10–11. 7. D. Michael Quinn, The Mormon Hierarchy: Origins of Power (Salt Lake City, UT: Signature Books, 1994), p.99. 8. Ver Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.20–32. 9. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.33–40. Para saber mais sobre esse exército e a chamada "Guerra de Utah", consulte Donald R. Moorman, com Gene A. Sessions, Camp Floyd and the Mormons: The Utah War (Salt Lake City, UT: University of Utah Press, 1992). 10. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.41–73. 11. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.74–100. 12. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, p.134. Para a documentação do ciclo ao longo da rota percorrida, ver pp. 101–128. 13. Griffiths et al., What You Don’t Know, pp.150–151. 14. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, p.133. 15. Griffiths et al., What You Don’t Know, 151; Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, p.133. 16. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.135–136. 17. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, p.136. 18. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.137–148. 19. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.155–157. 20. Griffiths et al., What You Don’t Know, p.151. 21. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.164–174. 22. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.177–178. 23. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, p.174. 24. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.178–179. 25. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.189–209. 26. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.225–226. Para o conteúdo completo da carta, ver pp. 183–186. 27. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, p.128. 28. Henry B. Eyring, “150th Anniversary of Mountain Meadows Massacre", 11 de setembro de 2007, disponível em newsroom.churchofjesuschrist.org. 29. Walker et al., Massacre at Mountain Meadows, pp.127–128.