KnoWhy #634 | Junho 5, 2022
Quem escreveu o panfleto “Peace Maker”?
Postagem contribuída por
Central das Escrituras
"Amarás tua esposa de todo o teu coração e a ela te apegarás e a nenhuma outra". Doutrina e Convênios 42:22
O conhecimento
O panfleto "Peace Maker". Na década de 1960, um panfleto circulou entre alguns grupos em Utah, afirmando ser "um discurso pouco conhecido do Profeta Joseph Smith". O panfleto pretendia ensinar sobre a chamada "visão bíblica" do casamento, apresentando argumentos segundo os quais as esposas deveriam ser consideradas propriedade de seus maridos e, como tal, não poderiam divorciar-se deles; em vez disso, apenas o marido poderia iniciar o divórcio. O panfleto também apresentava argumentos a favor da prática da poligamia e que esta se encontra na Bíblia.
A proveniência deste panfleto —quem o publicou e por que foi atribuído a Joseph Smith — não está clara. Contudo, uma comparação linha por linha revela rapidamente que se tratava de uma reimpressão ligeiramente editada e retrabalhada, de um panfleto de 1842 intitulado "An Extract, From a Manuscript Entitled The Peace Maker Or The Doctrine of The Millennium" (chamado simplesmente de Peace maker, "Pacificador"), por um homem chamado Udney Hays Jacob, também conhecido como Jacobs.1 No panfleto "Peace Maker", Jacobs pretendia restaurar sua visão patriarcal extremista sobre o "casamento bíblico", alegando que isso, de alguma forma, traria paz e ordem aos Estados Unidos.2 Alguns extremistas, como os irmãos e assassinos condenados, Dan e Ron Lafferty, usaram este panfleto para justificar suas crenças radicais sobre o casamento e a poligamia.3
Jacobs não era membro de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, quando o panfleto foi impresso. No entanto, o panfleto foi impresso em Nauvoo, em uma gráfica que era propriedade de Joseph Smith e operada por John Taylor. Como era costume na época, o nome do proprietário da gráfica, Joseph Smith, era impresso na capa como o responsável pela impressão. Alguns deduziram, com isso, que Joseph Smith colaborara com Jacob na redação do panfleto ou, ao menos, aprovara a doutrina do casamento apresentada como se fosse uma espécie de "pesquisa" sobre a opinião pública do conteúdo do panfleto.4 Algumas pessoas em Nauvoo, como John D. Lee e Oliver Olney, acreditavam que Joseph seria o único responsável pelo panfleto.5
Entretanto, a evidência histórica, ou seja, as cartas escritas pelo próprio Jacobs, indicam veemente que Joseph Smith não estava envolvido. Cerca de dois anos antes da publicação do panfleto "Peace Maker" em Nauvoo, Udney Jacob escrevera uma carta ao presidente Martin Van Buren afirmando ter um manuscrito que, se publicado, garantiria a reeleição do presidente.6 Uma década depois, em 1851, Jacobs explicou a Brigham Young que esse manuscrito era o "Peace Maker", do qual ele afirmou "não [ter sido] escrito para este povo [os membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias], mas para os cidadãos dos Estados Unidos que professavam acreditar na Bíblia".7
Em sua carta de 1840 ao presidente Van Buren, Jacobs disse que os Santos dos Últimos Dias "sabem muito pouco sobre mim" e expressou sua opinião de que eram "um bando de fanáticos iludidos e perigosos."8 Assim, na época em que Jacobs escreveu "Peace Maker", além dele não ser membro de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, também não tinha os membros da Igreja como público-alvo, inclusive, detinha uma opinião negativa sobre eles. Tampouco, havia conhecido Joseph Smith antes dessa época. Em uma carta a Joseph Smith em janeiro de 1844, Jacobs reconheceu: "Não tenho o prazer de conhecê-lo pessoalmente."9 Teria sido ao mínimo difícil que Joseph colaborasse com um autor que não conhecia e ainda, que acreditasse que ele era o líder de um "grupo de fanáticos iludidos e perigosos".
Além dessa evidência do próprio Jacobs, Joseph Smith denunciou publicamente o panfleto "Peace Maker" após sua publicação, declarando ser "uma ladainha sem sentido, uma bobagem e uma porcaria"; também alegou que fora publicado "sem meu conhecimento", acrescentando: "Não desejo que meu nome seja associado ao do autor."10 Não é difícil entender por que Joseph repudiou enfaticamente ao panfleto. Por outro lado, os ensinamentos sobre o casamento descritos no panfleto eram significativamente diferentes das revelações dadas por Joseph. Por exemplo, Joseph ensinou que os matrimônios são eternos na ordem sagrada do casamento, entretanto, no "Peace Maker", Jacobs indicara que a morte encerrava todos os casamentos.11 Jacobs também se apresentava como sendo a segunda vinda do profeta Elias, profetizada em Malaquias 4:5-6— uma ideia claramente contraditória ao próprio encontro de Joseph com Elias, no Templo de Kirtland em 1836.12
A enérgica denúncia de Joseph também faz sentido à luz dos eventos da época envolvendo John C. Bennett, que havia desertado da fé e feito uma "série de alegações absurdas sobre a libertina devassidão polígama na Igreja."13 É improvável que Joseph autorizaria uma publicação sobre poligamia nessa época. O que provavelmente ocorreu, como explicou Eli B. Kelsey, o gerente encarregado da gráfica de Joseph na época foi a pessoa contratada por Jacobs para a impressão do panfleto"Peace Maker."14 John Taylor, que na época trabalhava na gráfica de Nauvoo, "também denunciou as alegações da colaboração de Joseph Smith no panfleto de Jacob, chamando-o de 'livro corrupto'".15
O porquê
Embora alguns tenham erroneamente acreditado que o panfleto "Peace Maker" fora escrito por Joseph Smith ou que ele colaborara com o autor ou apoiara sua publicação, a evidência histórica é claramente contrária a essa opinião. Como escreveu o historiador Ronald O. Barney: "[A] conclusão de que Jacob e Joseph Smith colaboraram na produção do panfleto é improvável."16 Da mesma forma, Kenneth Godfrey concluiu: "Pelas evidências acima, parece seguro concluir que Jacobs, e não Joseph Smith, escrevera os panfletos 'Peace Maker' e o 'Discurso pouco conhecido de Joseph Smith'. Portanto, nenhum desses materiais deve ser associado aos membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Na verdade, foram escritos por um não-membro da Igreja".17
Ao invés de se sentirem compelidos a seguir aos ensinamentos patriarcais extremistas destes panfletos, os membros da A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias podem se juntar a Joseph Smith e denunciá-los como "uma ladainha sem sentido, uma bobagem e uma porcaria". Os membros da Igreja devem buscar diretamente as revelações documentadas de Joseph Smith para obterem orientação sobre a natureza do casamento e os deveres de marido e esposa. Neles, somos ensinados que "o casamento foi instituído por Deus" (D&C 49:15) e que os maridos devem "[amar] [sua] esposa de todo o [seu] coração" (D&C 42:22). Os maridos têm o dever de apoiar suas esposas (ver D&C 25:9 ; 83:2) e manter suas famílias ( D&C 75:28 ; 88:4). "O casamento, em seu sentido mais puro, é uma parceria igual em que nenhum dos dois exerce domínio sobre o outro, mas ambos encorajam, confortam e ajudam um ao outro".18
Leitura Complementar
Saints Unscripted, "Did Joseph Smith endorse a pro-polygamy pamphlet called ‘The Peacemaker’???", disponível no YouTube.com Brian C. Hales, Joseph Smith’s Polygamy: History and Theology, vol. 3 (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2013), 1:pp.595–600. Kenneth W. Godfrey, "A New Look at the Alleged Little Known Discourse by Joseph Smith", BYU Studies Quarterly 9, no. 1 (1968): pp.49–53.1. Ver Kenneth W. Godfrey, "A New Look at the Alleged Little Known Discourse by Joseph Smith", BYU Studies Quarterly 9, no. 1 (1968): pp.49–53. 2. Ver Lawrence Foster, "A Little-Known Defense of Polygamy from the Mormon Press in 1842", Dialogue: A Journal of Mormon Thought 9, no. 4 (1974): pp.21–34. 3. Ver Jon Krakauer, Under the Banner of Heaven: A Story of Violent Faith (New York, NY: Doubleday, 2003), pp.88–90, 115–116, citando o uso de Lafferty do planfleto de Jacob. 4. Ver, por exemplo, Foster, "Little-Known Defense of Polygamy", pp.24, 28–31. 5. Ver Brian C. Hales, Joseph Smith’s Polygamy: History and Theology, vol. 3 (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2013), 1:pp.596–597. 6. Godfrey, "New Look", pp.52–53. 7. Udney H. Jacob to Brigham Young, March 5, 1851, conforme citado em Godfrey",New Look", p.53. 8. Udney H. Jacob to Martin Van Buren, March 19, 1840, conforme citado em Godfrey, "New Look", p.53. 9. Udney H. Jacob to Joseph Smith, January 1844, conforme citado em Godfrey,"New Look", p.53. 10. Joseph Smith Jr., "Notice", Times and Seasons 4 no. 21 de dezembro de 1842, 32; ortografia e pontuação sofreram correções discretas. 11. Ver Hales, Joseph Smith’s Polygamy, 1:pp.599–600. 12. Hales, Joseph Smith’s Polygamy, 1:600. Sobre a visita de Elias ao templo de Kirtland, consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que o dia de “Pentecostes” é crível em Kirtland? (Doutrina e Convênios 110:1)", KnoWhy 619 (7 de outubro de 2021). 13. Foster, "Little-Known Defense of Polygamy", p.24. Para a dissertação de Bennett sobre poligamia, ver Hales, Joseph Smith’s Polygamy, 1:515–593. 14. Ver Hales, Joseph Smith’s Polygamy, 1:598. Assim como outras gráficas da época, a de Nauvoo fazia o que se chamava de "impressão por encomenda", ou seja, impressões para outra pessoa. Portanto, a impressão do referido panfleto em nada implica nenhuma aprovação de seu conteúdo. 15. Ronald O. Barney, ed., The Mormon Vanguard Brigade of 1847: Norton Jacob’s Record (Logan, UT: Utah State University Press, 2005), 21n18. Em 17 de agosto de 1845, Taylor escreveu em seu diário: "Eu sabia que havia muita hipocrisia e engano em que os inocentes eram levados sob falsos pretextos, e que eu havia sido chamado para expor as corrupções de alguns homens que estavam publicando secretamente as doutrinas contidas em um livro escrito por Udney H. Jacob que era um livro corrupto". Dean C. Jessee, ed., "The John Taylor Nauvoo Journal, January 1845–September 1845", BYU Studies Quarterly 23, no. 3 (1983): 84. 16. Barney, ed., Mormon Vanguard Brigade, 21n18. 17. Godfrey, "New Look", p.53. 18. Tópicos do Evangelho, "Casamento", disponível online em churchofjesuschrist.org.