KnoWhy #641 | Agosto 18, 2022
O Salmo 22 realmente diz “transpassaram-me as mãos e os pés”?
Postagem contribuída por
Central das Escrituras
"Pois me rodearam cães; a congregação de malfeitores me cercou; transpassaram-me as mãos e os pés". Salmo 22:16
O conhecimento
Os cristãos leem e apreciam o Salmo 22, interpretando muitas de suas palavras como presságios proféticos da Crucificação e Expiação do Salvador1. Jesus citou a primeira linha do Salmo enquanto estava pendurado na cruz: "E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni? Isto é: Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste? (Mateus 27:46; cf. Salmos 22:1). Essas palavras convidavam seus ouvintes a lembrarem-se desse salmo messiânico poderoso. Um paralelo particularmente marcante à Crucificação de Cristo aparece em Salmos 22:16, que diz: "transpassaram-me as mãos e os pés." A versão do Rei Jaime e outras traduções inglesas da Bíblia descrevem a mesma frase, tanto na tradicional versão Vulgata latina, quanto na Septuaginta — uma antiga tradução em grego do Velho Testamento. Entretanto, a versão hebraica massorética padrão diz: "[C]omo um leão, [são] minhas mãos e meus pés." Assim, a tradução da Jewish Publication Society de 1985 deste salmo diz: "[Como] um leão, perfuraram minhas mãos e pés." Muitas traduções modernas oferecem interpretações semelhantes.2.
Essa variação nas palavras se deve a uma pequena diferença em uma única letra do texto hebraico, criando confusão entre "as letras [vav e yod] que são facilmente confundidas em hebraico"3. Isso deu origem a uma grande variedade de traduções diferentes, todas tentando dar sentido à ambiguidade vista no texto massorético.4. Ao longo dos séculos, as duas variantes geraram considerável controvérsia entre os antigos cristãos e judeus, e ainda hoje estudiosos da Bíblia debatem a redação dessa passagem.5. No entanto, a descoberta, tradução e publicação dos Manuscritos do Mar Morto nas últimas décadas, bem como o estudo de outras traduções e textos antigos, fornecem um novo conhecimento essencial sobre a redação original desse salmo.
Como observado acima, a Septuaginta grega é a primeira evidência de que "transpassaram" faz parte da redação original.6. A Septuaginta foi traduzida e compilada no século III a.C., era uma versão da Bíblia hebraica utilizada pelos autores do Novo Testamento, assim como a preferida pelos primeiros cristãos, uma vez que a maioria falava grego, poucos conheciam o hebraico.7. No entanto, como todas as cópias existentes da Septuaginta são de séculos posteriores, alguns pesquisadores acreditam que essa passagem, na versão grega dos Salmos, foi manipulada pelos primeiros cristãos para apoiar sua teologia (cf. 1 Nefi 13:24–26). No entanto, Hopkin encontra três traduções notáveis da Bíblia hebraica para a comunidade judaica, datando dos primeiros séculos da nossa era, que apoiam fortemente a interpretação da Septuaginta.8.
Ainda mais significativas são as descobertas dos Manuscritos do Mar Morto, que oferecem evidências adicionais de que a referência às mãos e pés "transpassados" reflete um antigo texto hebraico, e não foi editado por escribas posteriormente.9. Como explicam três respeitados tradutores acadêmicos dos Manuscritos do Mar Morto:
O Salmo 22 é um dos favoritos dos cristãos, pois é frequentemente associado, no Novo Testamento, ao sofrimento e morte de Jesus. Uma redação bem conhecida e controversa é encontrada no versículo 16, onde o Texto Massorético diz: "Minhas mãos e meus pés são como um leão", enquanto a Septuaginta diz: "Traspassaram minhas mãos e meus pés". Entre os pergaminhos, o texto é encontrado apenas no pergaminho dos Salmos achado em Naḥal Ḥever (abreviado como 5/6ḤevPs), que diz: "Transpassaram minhas mãos e meus pés!"10
A maioria dos pesquisadores hoje concorda que a tradução do fragmento está correta, e as fotografias da descoberta confirmam que o texto hebraico usa a letra vav ao invés da letra yod11.
O porquê
Esta informação factual é importante por várias razões. Primeiro, recompensa o estudo minucioso dos textos antigos dos Salmos. Examinar os detalhes das variantes textuais em manuscritos antigos, às vezes, pode parecer tedioso e enfadonho. No entanto, Joseph Smith declarou: "Cremos ser a Bíblia a palavra de Deus, desde que esteja traduzida corretamente" (Regras de Fé 1:8). Essa crença pode motivar os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias a procurar e examinar as melhores fontes textuais e "usar quaisquer ferramentas de análise disponíveis para traduzir corretamente os textos bíblicos".12. Da mesma forma, todos os que aceitam a Bíblia como escritura sagrada, têm grande interesse em usar fontes confiáveis e todas as ferramentas disponíveis para determinar a melhor e mais precisa interpretação das passagens bíblicas.
Em segundo lugar, mostra que mesmo uma variante textual menor pode ser de grande importância (ver Alma 37:6-7). Nesse caso, uma mudança em uma única letra hebraica tem grande impacto no significado, na tradução e nas implicações históricas e teológicas dessa importante passagem. Durante anos, muitos estudiosos estavam convencidos de que a escrita de uma palavra-chave da Septuaginta grega estava errada em Salmos 22:16 . No entanto, como Hopkin aponta, este fragmento entre os Manuscritos do Mar Morto mostra que a expressão da Septuaginta "minhas mãos e meus pés foram transpassados" não é realmente "uma mudança tardia introduzida nos manuscritos dos Salmos em apoio à teologia cristã, mas existia antes da controvérsia judaico-cristã começar"13.
Em terceiro lugar, o conhecimento dessa evolução também permite avaliar os textos proféticos, ou seja, os que parecem antecipar ou descrever com precisão os eventos futuros. Como Hopkin observou corretamente: "Argumentos contra tipos de texto [proféticos] tendem a ser circulares. Se uma pessoa não acredita que as profecias existem, qualquer texto que pareça anterior ao evento da qual menciona será rejeitado e acreditar-se-à que tenha sido adicionado após o evento real."14. A confirmação da redação da Septuaginta do Salmo 22:16 nos manuscritos hebraicos pré-cristãos do Mar Morto, ilustra que sua linguagem evidentemente profética não era uma interjeição a posteriori. De fato, o Novo Testamento indica que os salmos davídicos falam muito sobre Jesus, pois Davi "sempre via diante de mim o Senhor" (Atos 2:25).
Naturalmente, essas descobertas podem promover a fé dos membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, assim como daqueles que reconhecem e afirmam a natureza profética e fonte divina de todas as escrituras. Como na Bíblia, os profetas do Livro de Mórmon também profetizaram vários eventos que não aconteceriam por vários séculos, mas os leitores não precisam pensar que os membros da Igreja ou outros editores (mesmo Joseph Smith, como tradutor do texto) manipularam as antigas escrituras para que acreditassem que os eventos de seu tempo haviam se cumprido15. Através da revelação divina, os profetas podem realmente ver e prever "o que está por vir" (Mosias 3:1).
Claro, ainda várias outras possíveis interpretações do Salmo 22:16, e mesmo com a evidência de que "transpassaram minhas mãos e meus pés" seja mais precisa, os indivíduos devem decidir por si mesmos "se esta frase aponta ou não para Jesus"16. Para os membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, o Novo Testamento e o Livro de Mórmon oferecem testemunhos convincentes do cumprimento de muitas profecias do Velho Testamento a respeito de Jesus Cristo. Este atestado de Salmos 22:16 nos Manuscritos do Mar Morto pode ser considerado uma das testemunhas mais surpreendentes das antigas profecias bíblicas sobre Seu ministério divino, nosso Senhor sofredor e Salvador ressuscitado.
Leitura Complementar
Shon D. Hopkin, “The Psalm 22:16 Controversy: New Evidence from the Dead Sea Scrolls”, BYU Studies Quarterly 44, no. 3 (2005): pp.161–172. Shon D. Hopkin, “‘My God, My God, Why Hast Thou Forsaken Me?’: Psalm 22 and the Mission of Christ”, BYU Studies Quarterly 52, no. 4 (2013): pp.117–151. Paul Y. Hoskisson, “The Witness for Christ in Psalm 22”, en Covenants, Prophecies, and Hymns of the Old Testament: The Thirtieth Annual Sidney B. Sperry Symposium, ed. Victor L. Ludlow, Dee Darling, Jerome M. Perkins, Patty A. Smith y Vern D. Sommerfelt (Provo, UT: Brigham Young University; Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2001), pp.290–301.1. Ver Shon D. Hopkin, “‘My God, My God, Why Hast Thou Forsaken Me?’: Psalm 22 and the Mission of Christ”, BYU Studies Quarterly 52, no. 4 (2013): pp.117–151; Paul Y. Hoskisson, “The Witness for Christ in Psalm 22”, em Covenants, Prophecies, and Hymns of the Old Testament: The Thirtieth Annual Sidney B. Sperry Symposium, ed. Victor L. Ludlow, Dee Darling, Jerome M. Perkins, Patty A. Smith y Vern D. Sommerfelt (Provo, UT: Brigham Young University; Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2001), pp.290–301.
2. See Shon D. Hopkin, “The Psalm 22:16 Controversy: New Evidence from the Dead Sea Scrolls”, BYU Studies Quarterly 44, no. 3 (2005): p.161, como referência a várias traduções. O JPS Tanakh segue de perto o Targum deste salmo, expandindo o texto para ser lido: "Como um leão, mordem minhas mãos e meus pés." Shon D. Hopkin, “Psalm XXII:XVII Revisited” (Tese de Mestrado, Brigham Young University, 2001), pp.14–15. A tese de Hopkin oferece uma excelente análise aprofundada das variantes, das propostas de emendas ao texto e dos vários problemas que cada proposta pode enfrentar. 3. Hopkin, “‘My God, My God, Why Hast Thou Forsaken Me?’”, p.131. As duas letras (vav e yod), da escrita aramaica que substituiu o proto-hebraico, são muito semelhantes, assim a variação textual pode ser explicada como um erro de escrita. Portanto, essa variante não precisaria ter sido introduzida com o desejo de difamar ou promover alguma crença, mas refletiria um erro editorial inocente que, inadvertidamente, fora insinuado no texto. 4. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, 165; Hopkin, “Psalm XXII:XVII Revisited”, pp.14–15. 5. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, p.162. 6. Hopkin aponta que é preciso ser cauteloso ao afirmar que uma tradição escriba é mais "correta" do que outra, porque a Septuaginta e o texto massorético podem refletir duas tradições escribas diferentes (porém, igualmente antigas). Por isso, antes de chegar a uma conclusão sobre qual é a versão mais autêntica do texto, vários textos antigos devem ser consultados. Hopkin, “Psalm XXII:XVII Revisited,” 3n4. 7. Ver Melvin K. H. Peters, “Septuagint”, en Anchor Bible Dictionary, 6 vols., ed. David Noel Freeman (Nova York, NY: Doubleday, 1992), 5:1093–1104. 8. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, pp.164–165. Na Peshitta, lê-se: "meus mãos e pés foram transpassados", enquanto Aquilla e Symmachus traduzem o verbo como uma variação de "desfigurado" ou "amarrado". Hopkin discute as várias traduções deste verbo do hebraico em Hopkin, "Salmo 22:16 Controversy", pp.165-166. A Peshitta é uma importante tradução siríaca do Antigo Testamento que "acredita-se ter sido uma tradução judaica diretamente do hebraico" e ocasionalmente, da Septuaginta; ver Hopkins, "Psalm 22:16 Controversy", p.164. Ver também Hopkin, "Psalm XXII:XVII Revisited", pp.8-14, para uma discussão mais aprofundada dessas traduções. 9. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, p.164. Hopkin observou mais tarde: "Alguns dos textos hebraicos usados pelos tradutores da Septuaginta provavelmente eram muito semelhantes aos manuscritos bíblicos descobertos entre os Manuscritos do Mar Morto, especialmente nos casos em que a Septuaginta difere do Massorético" (p. 166). 10. Martin Abegg Jr., Peter Flint y Eugene Ulrich, trans., The Dead Sea Scrolls Bible: The Oldest Known Bible Translated for the First Time into English (New York, NY: HarperOne, 1999), pp.518–519. A tradução completa de Salmos 22:16, dada na página 519, diz (ênfase adicionada): "Pois me rodearam cães; a congregação de malfeitores me cercou. transpassaram-me as mãos e os pés". Ver também Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy,” p.166. Shon Hopkin observa que, embora "muitas vezes possa ser difícil distinguir entre vav e yod nos textos do Mar Morto", há uma "clara diferença entre a maneira como o escriba [do texto Naḥal Ḥever com o Salmo 22:16] escreveu sua yod e seu vav", o que apoia a conclusão de que os Manuscritos do Mar Morto descrevem a palavra "transpassar". Hopkin, “Psalm XXII:XVII Revisited”, 7n14. 11. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, pp.166–167. p.167 (fig. 1) contém uma fotografia deste fragmento dos Manuscritos do Mar Morto. 12. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, p.163. 13. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, p.167. Outros usos da palavra transpassar (perfurar) na Bíblia e no Livro de Mórmon também podem apoiar a redação deste salmo. Ver Números 24:8; Juízes 5:26; Isaías 27:1; Zacarias 12:10; Apocalipse 1:7; Jacó 2:9, 35; Alma 43:44; 44:18; 62:36. 14. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, p.163. 15. De fato, o que parece ser verdade é o oposto: os escritores das Escrituras tendiam a registrar os eventos que testemunharam para conectar suas experiências às antigas profecias e demonstrarem como essas profecias foram cumpridas. Consulte o artigo da Central das Escrituras, “Como as profecias moldaram o conteúdo e a estrutura do Livro de Mórmon? (Palavras de Mormón 1:4) ”, Saiba o porquê 498 (7 de fevereiro de 2019); Evidence Central, “Book of Mormon Evidence: Internally Fulfilled Prophecies”, Evidência nº 0085, atualizada em 24 de maio de 2022.p.16. Hopkin, “Psalm 22:16 Controversy”, p.168.