KnoWhy #471 | Dezembro 10, 2018
Por que a visão de Néfi pode ser chamada de Apocalipse?
Postagem contribuída por
Scripture Central
"E o Espírito perguntou-me: Que desejas tu? E eu respondi: Desejo ver as coisas que meu pai viu". 1 Néfi 11:2–3
O conhecimento
Em 1 Néfi 11—14, Néfi teve uma visão em que mensageiros celestiais lhe mostraram várias coisas que aconteceriam no futuro. Eles também explicaram a visão simbólica de seu pai. A visão de Néfi é semelhante, em muitos aspectos, aos textos apocalípticos, como o Livro de Daniel e o Livro de Enoque.1 É ainda mais semelhante aos textos do Velho Testamento, como Zacarias, que geralmente são considerados os precursores de uma literatura apocalíptica plenamente desenvolvida.2 No entanto, como esses textos foram escritos bem depois que Leí e Néfi deixaram Jerusalém, fica a dúvida de como uma visão, como as encontradas em 1 Néfi, teria surgido no século VI a.C. Novas evidências de um texto assírio fornecem uma possível explicação para a natureza apocalíptica da visão de Néfi.
Um texto chamado A Visão do Submundo de um Príncipe Assírio, escrito no idioma acadiano, retrata um homem visionário chamado Kummay, a quem foi mostrada uma visão do submundo.3 De acordo com Richard J. Clifford, um estudioso do apocaliptismo, esse texto é interessante "como um precedente para as viagens ao céu e ao inferno, populares em apocalipses posteriores".4 Este texto é especialmente interessante para os estudos do Livro de Mórmon porque datam do início do século VII a.C., pouco antes da época de Leí.
Este texto é semelhante a 1 Néfi 11-14. Nele, o príncipe assírio Kummay teve uma visão grandiosa.5 Da mesma forma, Néfi, que viria a se tornar rei, teve uma visão extraordinária. Tais experiências de ascensão tipicamente validavam prerrogativas reais.
O príncipe assírio pediu para receber a visão e, consequentemente, os deuses concederam seu desejo.6 Da mesma forma, Néfi perguntou ao Espírito do Senhor se ele poderia ver o que seu pai tinha visto e recebeu uma visão com base nesse pedido (1 Néfi 11:3).
Foi mostrado a Kummay um rei ideal chamado de pastor exaltado, que recebeu do deus do submundo a responsabilidade por várias coisas.7 Da mesma forma, foi dito a Néfi que "há um Deus e um Pastor sobre toda a Terra" (1 Néfi 13:41), e em sua visão o reino de Cristo foi celebrado (ver v. 37).
Kummay viu estranhos objetos simbólicos, assim como Néfi, e o deus Nergal explicou a Kummay partee do que ele estava vendo, assim como o Espírito do Senhor fez com Néfi.8
No texto assírio, o deus Nergal decretou grande destruição sobre o povo de Kummay: "que a angústia, os atos de violência e rebelião, juntos, os abatam de modo que, por seu clamor opressivo, o sono não chegue a vocês".9 Da mesma forma, foi dito a Néfi que seu povo passaria por calamidades e até mesmo seria destruído (1 Néfi 12:19-20).
Além disso, foi dito a Kummay que, se ele se esquecesse desse importante deus, o deus "daria um veredicto de aniquilação" sobre ele.10 Essa ideia também aparece no Livro de Mórmon (ver 2 Néfi 1:20).
O estudioso bíblico Robert Gnuse argumentou que algumas partes do Velho Testamento, escritas no norte de Israel, mostram indícios de influência assíria. De acordo com ele, alguns desses textos datam de aproximadamente 100 anos antes de Leí.11 Como Leí era da tribo de Manassés, no reino do norte, essas conexões fazem sentido. Com isso em mente, as semelhanças entre esse texto assírio e o Livro de Mórmon sugerem que a visão de Néfi não é anacrônica ou descontextualizada. A visão de Néfi é semelhante a textos do Antigo Oriente Próximo que pessoas como Leí e Néfi teriam conhecido.
Algumas passagens do livro de Isaías ajudam a apoiar essa ideia. Isaías 24 a 27, é geralmente conhecido como o "Apocalipse de Isaías" e contém algumas ideias que também podem ser encontradas na literatura apocalíptica posterior. Muitos estudiosos bíblicos presumiram que esta parte de Isaías foi escrita muitos anos após Leí ter deixado Jerusalém. No entanto, Christopher Hays argumentou, com base na linguagem desses capítulos, que eles foram provavelmente escritos antes de Leí deixar Jerusalém.12 Matthew Scott Stenson apontou que Isaías 49:23-26 também é semelhante à apocalíptica.13 Isso ajuda a explicar como os textos apocalípticos podem ter aparecido no Livro de Mórmon.
O porquê
Como a Visão do Submundo de um Príncipe Assírio só foi descoberta em 1849, bem depois que o Livro de Mórmon foi publicado, as semelhanças entre esse antigo texto assírio e o Livro de Mórmon servem como evidência da autenticidade do Livro de Mórmon. Devido a esse exemplo historicamente antigo de experiência e expressão apocalíptica, não é inadequado incluir o relato de Néfi sobre sua visão expansiva em 1 Néfi 11-14 como apocalíptico.
A descoberta desse texto assírio também faz outra coisa: ajuda-nos a ver na escrita de Néfi uma maneira pela qual Deus se comunica com Seus filhos. Deus poderia ter respondido à oração de Néfi e explicado a visão de Leí usando diferentes formas de revelação e comunicação. Mas, acima de tudo, Deus parece ter explicado a visão de Leí a Néfi de uma maneira que Néfi estava provavelmente familiarizado. Devido a textos como A Visão do Submundo de um Príncipe Assírio, Néfi poderia já estar familiarizado com os rudimentos da tradição apocalíptica primitiva, portanto, quando ele teve sua visão, a maneira como a teve teria feito sentido para ele.
Experimentamos coisas semelhantes em nossos dias.14 Deus revela verdades a nós individualmente, e aos profetas que nos falam coletivamente hoje, de uma maneira que nos permite entender em nosso próprio contexto cultural, assim como Ele fez na antiguidade. O Senhor revelou nos primeiros dias desta dispensação do Evangelho: "Eis que eu sou Deus e disse-o; estes mandamentos são meus e foram dados a meus servos em sua fraqueza, conforme a sua maneira de falar, para que alcançassem entendimento" (D&C 1:24). Aplicando esse princípio, o professor da BYU, Mark Wright, observou gentilmente: "Os santos dos últimos dias modernos acreditam em revelação contínua, coletiva e individualmente, e o contexto cultural continua a influenciar a maneira pela qual as manifestações divinas são recebidas por indivíduos entrincheirados nas várias culturas que compõem a igreja mundial".15
Leitura Complementar
Nicholas J. Frederick, "Mosiah 3 as an Apocalyptic Text", Religious Educator 15, no. 2 (2014): pp. 40–63. Matthew Scott Stenson, "Lehi's Dream and Nephi’s Vision Apocalyptic Revelations in Narrative Context", BYU Studies Quarterly, 51, no. 4 (2012): pp. 155–179. Jared M. Halverson, "Lehi’s Dream and Nephi’s Vision as Apocalyptic Literature", em The Things Which My Father Saw: Approaches to Lehi’s Dream and Nephi’s Vision (2011 Sperry Symposium), ed. Daniel L. Belnap, Gaye Strathearn e Stanley A. Johnson (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e Religious Studies Center, Brigham Young University, 2011), pp. 53–69.1. Para mais informações sobre temas apocalípticos, ver Christopher Rowland, The Open Heaven: A Study of Apocalyptic in Judaism and Early Christianity (Eugene, OR: Wipf e Stock, 1982), pp. 49–70; Klaus Koch, The Rediscovery of Apocalyptic (Naperville, IL: Allenson, 1970), p. 28; John J. Collins, "From Prophecy to Apocalypticism: The Expectation of the End", em The Encyclopedia of Apocalypticism, ed. John J. Collins (Lexington: The Continuum Publishing Company, 1998), 1: pp. 145–159. 2. Isaías 24–27, bem como Ezequiel também é visto como um precursor apocalíptico. Ver Silviu Bunta, "In Heaven or on Earth: A Misplaced Temple Question About Ezekiel 's Visions", em With Letters of Light: Studies in the Dead Sea Scrolls, Early Jewish Apocalypticism, Magic, and Mysticism in Honor of Rachel Elior, ed. Daphna V. Arbel e Andrei A. Orlov, Ekstasis: Religious Experience from Antiquity to the Middle Ages, 2 (Berlim: De Gruyter, 2011), pp. 28–44. Alguns assumem que este material de Isaías foi escrito na época de Leí, no entanto, uma análise linguística demonstra ser anterior a sua época. Ver Christopher Hays, "Hebrew Diachrony and Linguistic Dating in the Book of Isaiah", apresentação realizada na reunião anual da Sociedade de Literatura Bíblica em 2017. 3. Ver Richard J. Clifford, "The Roots of Apocalypticism in Near Eastern Myth", The Encyclopedia of Apocalypticism, 3 v., ed. John J. Collins (New York, NY: Continuum Publishing Company, 2000), 1: pp. 14–15. 4. Clifford, "The Roots of Apocalypticism", 1: p. 15. 5. Para saber mais sobre o papel das visões apocalípticas, consulte Rowland, The Open Heaven, 70, assim como John J. Collins, "Toward the Morphology of a Genre", Semeia 14 (1979): p. 9. 6. Ver Seth L. Sanders, "The First Tour of Hell: From Neo-Assyrian Propagands to Early Jewish Revelation", Journal of Ancient Near Eastern Religions 9, no. 2 (2009): p. 157. 7. Ver Clifford, "The Roots of Apocalypticism", 1: p. 15. 8. Ver Clifford, "The Roots of Apocalypticism", 1: p. 15. 9. Alasdair Livingstone, Court Poetry and Literary Miscellanea, State Archives of Assyria 3 (Helsinki, FI: Helsinki University Press, 1989), p. 74. 10. Livingstone, Court Poetry, p. 74. 11. Robert Karl Gnuse, The Elohist: A Seventh-Century Theological Tradition (Eugene, OR: Cascade Books, 2017), p. 63. 12. Ver Christopher Hays, "Hebrew Diachrony and Linguistic Dating in the Book of Isaiah", SBL Presentation (Boston, MA, 2017). 13. Matthew Scott Stenson, "Lehi’s Dream and Nephi’s Vision Apocalyptic Revelations in Narrative Context", BYU Studies Quarterly, 51, no. 4 (2012): pp. 155–179. 14. Consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que o Senhor fala aos homens "de acordo com sua língua"? (2 Néfi 31:3)", KnoWhy 258, (28 de novembro de 2017). 15. Mark Alan Wright, "'According to Their Language, unged Their Understanding': The Cultural Context of Hierophanies and Theophanies in Latter-day Saint Canon", Studies in the Bible and Antiquity 3 (2011): p. 65.