KnoWhy #93 | Outubro 16, 2019
Por que Abinadi usa a expressão “as ligaduras da morte”?
Postagem contribuída por
Scripture Central
"E assim rompe Deus as ligaduras da morte, havendo conquistado a vitória sobre a morte; dando ao Filho o poder de interceder pelos filhos dos homens" Mosias 15:8
O conhecimento
Enquanto Abinádi explicou aos sacerdotes de Noé como Deus ganharia "vitória sobre a morte", ele declara que Deus "rompe […] as ligaduras da morte" (Mosias 15:8, ênfase adicionada; bands of death em inglês). Esta frase em inglês é exclusiva do Livro de Mórmon, nos livros canônicos da Igreja,1 e aparece pela primeira vez aqui. Abinádi usou a frase outras quatro vezes (Mosias 15:9, 20, 23; 16:7) e é frequentemente usada nos ensinamentos de Alma, o filho, cujo pai, Alma, foi convertido pelos ensinamentos de Abinádi.2
Não há maneira certa de saber como Abinádi conhecia essa frase e por que ela não aparece no Livro de Mórmon antes desse uso. A frase exata nunca aparece na versão da Bíblia que Joseph Smith tinha disponível, a versão King James; no entanto, o Salmo 73:4 ("Porque não há apertos na sua morte") e o Salmo 107:14 ("Tirou-os das trevas e da sombra da morte") carregam termos e significados semelhantes.
Há, contudo, uma frase em hebraico no Velho Testamento — heveli-mot — que pode ser traduzida como bands of death ou "ligaduras da morte" (como na Tradução Bíblica de Darby). A frase aparece nos Salmos 18:4 e 116:3, onde é traduzida de várias maneiras como "cordas da morte" (Salmos 18:4; 116:3; NVI; AA), "laços da morte" (Salmos 18:4; 116:3; NVT; ARA; NAA), ou "Tristezas de morte" (Salmos 18:4; 116:3; ACF) e "Cordéis de morte" (Salmos 18:4; ARC; RC69), embora a KJV traduza isso como "tristezas da morte".3
O salmista expressa bem o horror de estar preso nessas ligaduras, ou cordas, da morte ou do inferno: "As cordas da morte me enredaram; as torrentes da destruição me surpreenderam. As cordas do Sheol me envolveram; os laços da morte me alcançaram" (Salmo 18:4-5, NVI).
A palavra hebraica hevel expressa uma impressionante gama de significados, incluindo "cordão, corda, faixa, armadilha" ou "dor, angústia" — símbolos de escravidão e sujeição. Também pode se referir a "vincular" ou "comprometer", como o caráter vinculativo de um convênio. Em sentido semelhante, pode referir-se ao povo ou terra do convênio (a porção "distribuída" ou "medida"; ver Deuteronômio 32:9; Salmo 78:55), já que representa a "corda de medir" usada para medir a porção herdada, o templo ou a fortuna/destino de alguém (ver Salmo 16:5).4 Parece que a palavra foi usada para aquilo que poderia prendê-lo à dor e à tristeza da morte e do inferno ou às bênçãos e herança prometidas pelo Senhor.
Além disso, deve-se notar que a palavra hevel é frequentemente usada, no contexto do simbolismo bíblico, para a redenção. Por exemplo, uma das maneiras pelas quais a palavra é usada é em referência às dores do parto, quando uma mulher dá à luz, cujo simbolismo é usado metaforicamente para o exílio e as provações do povo do convênio. Isso pode ser visto em Isaías 26:16-18, onde se fala sobre Israel e seu aparente fracasso em obter as bênçãos prometidas:
Ó Senhor, no aperto te buscaram; vindo sobre eles a tua correção, derramaram a sua oração secreta. Como a mulher grávida, quando está para dar à luz, tem dores de parto, e dá gritos nas suas dores (Hevel), assim fomos nós por causa da tua face, ó Senhor! Concebemos nós, e tivemos dores de parto, porém demos à luz só vento; livramento não trouxemos à terra, nem caíram os moradores do mundo.
No versículo seguinte (Isaías 26:19, KJV), o Senhor responde com a promessa a Israel de que "[t]eus mortos viverão, como também o meu corpo morto, e assim ressuscitarão",5 e declara que Ele finalmente virá em julgamento para redimir Seu povo.
Simbolismo semelhante sobre parto e a expiação/redenção pode ser encontrado em Isaías 37:3, Oseias 13:9-14,6 Miqueias 4:9-10, nos Manuscritos do Mar Morto (1QHodayota XI:8-11) e no Novo Testamento em João 16:20-22 (ver também Apocalipse 12). A maioria dessas passagens fala do povo de Israel passando por um momento de crise (sendo comparado a uma mulher nas dores do parto) e depois, sendo liberto pelo rei prometido, o Messias. Esse simbolismo enfatiza tanto a tristeza quanto a dor inerentes à palavra hevel, como também significa o cumprimento dos convênios eternos que o Senhor fez com Seu povo. A imagem de se libertar ou romper também é encontrada nessa conexão, seja nas águas do nascimento ou na libertação de restrições, tristezas, dores e assim por diante.
É interessante notar como todos esses símbolos são semelhantes aos do batismo: a descida à água, a morte, subir e emergir da água, nascer de novo com uma nova vida. O Salmo 18, com o uso da palavra hevel, é um exemplo pungente disso. O Salmo descreve uma figura real (v. 50) sofrendo nas "[t]ristezas de morte" e se afogando nas "torrentes de impiedade" (v. 4). O rei clama a Deus e, então, é salvo milagrosamente. O versículo 16 diz: "Das alturas estendeu a mão e me segurou; tirou-me das águas profundas" (NVI). O versículo 19 implica que o rei ascendeu a um lugar seguro, talvez ao céu. Esse simbolismo do batismo, juntamente com o do nascimento, a ruptura das cadeias da morte e os outros símbolos discutidos, pintam um quadro coerente da salvação que Deus provê para Seus filhos justos.
O porquê
A frase de Abinádi sobre as "ligaduras da morte", embora pareça ser original ou sem precedentes nas escrituras, na verdade, tem um paralelo impressionante com as escrituras sagradas da antiga Israel. Esses paralelos, envolvendo a palavra hebraica hevel, estão muito alinhados com o uso de Abinádi.
Existem semelhanças significativas entre as passagens bíblicas e as primeiras passagens judaicas discutidas acima e o tratamento de Abinádi em relação à vinda de Cristo para salvar o seu povo. Além disso, Abinádi fornece mais detalhes do que outras fontes. Por exemplo, Isaías 26:19 pode ou não estar se referindo à Ressurreição do Messias, mas para Abinádi não há dúvida de que a morte e a Ressurreição de Cristo quebrarão as ligaduras da morte. Ele declara:
Sim, desse modo será conduzido, crucificado e morto, a carne sujeitando-se à morte, a vontade do Filho sendo absorvida pela vontade do Pai. E assim rompe Deus as ligaduras da morte, havendo conquistado a vitória sobre a morte; dando ao Filho o poder de interceder pelos filhos dos homens. […] Mas eis que as ligaduras da morte serão rompidas; e o Filho reina e tem poder sobre os mortos; portanto, ele efetua a ressurreição dos mortos. E haverá uma ressurreição, sim, uma primeira ressurreição; sim, uma ressurreição daqueles que existiram e que existem e que existirão até a ressurreição de Cristo — porque assim será ele chamado. (Mosias 15:7-8, 20-21)
O simbolismo de Abinádi sobre o Filho "sujeit[ar-se] à morte" sendo "absorvid[o]" está muito alinhado às metáforas de afogamento e batismo discutidas acima. Cristo então "[rompe] as ligaduras da morte" e, em Mosias 15:9, "ascende ao céu", assim como o rei no Salmo 18. Como Cristo rompeu as ligaduras da morte, é possível que os "filhos" de Deus nasçam de novo, ressuscitem da morte e entrem na vida eterna (Mosias 15:30). A riqueza do simbolismo da redenção encontrado no Velho Testamento está presente nas palavras de Abinádi, em expressões novas e poderosas.
A probabilidade de Abinádi ter conhecimento dessas nuances da palavra hebraica hevel e ter usado propositalmente a frase heveli-mot, ou ligaduras da morte, apesar desta frase não aparecer na Bíblia versão King James, acrescenta profundidade à nossa compreensão das palavras de Abinádi. Ela também acrescenta outro detalhe para apoiar a historicidade e a veracidade do Livro de Mórmon. Abinádi certamente conhecia bem estes conceitos-chave das palavras e textos hebraicos e compreendia sua relevância e aplicabilidade à missão do Messias, o Filho de Deus.
Leitura Complementar
David E. Bokovoy and John A. Tvedtnes, Testaments: Links between the Book of Mormon and the Hebrew Bible (Tooele, UT: Heritage Distribution, 2003), pp. 86–87.1. Uma das exceções é D&C 138:16, onde o Presidente Joseph F. Smith relata sua visão do mundo espiritual e menciona que o Filho de Deus está declarando aos espíritos reunidos sobre "sua redenção das ligaduras da morte". O uso dessa frase pode ser porque Cristo realmente disse isso na visão ou devido à familiaridade do Presidente Smith com essa frase, segundo seu conhecimento do Livro de Mórmon. 2. Ver Alma 4:14; 5:7, 9, 10; 7:12; 11:41; 22:14. 3. NVI (Nova Versão Internacional); AA (Almeida Revisada Imprensa Bíblica); NVT (Nova Versão Transformadora); ARA (Almeida Revista e Atualizada); NAA (Nova Almeida Atualizada); ACF (Bíblia Almeida Corrigida Fiel); ARC (Almeida Revista e Corrigida); RC69 (Almeida Revista e Corrigida de 1969); KJV (Bíblia do Rei Jaime). 4. Para mais detalhes sobre essas e outras definições, ver Francis Brown et al., The Brown, Driver, Briggs Hebrew and English Lexicon (Peabody, MA: Hendrickson, 1996), p. 286. 5. Essa é a tradução tradicional da Bíblia versão King James de Isaías 26:19. A maioria das traduções modernas discorda dessa interpretação, preferindo traduzir o hebraico como "teus mortos viverão". O "como também" (" como também o meu corpo morto") da versão KJ não é encontrado no hebraico original. No entanto, a ressurreição do Messias é aparentemente o que foi pretendido por tradutores posteriores desta passagem, mesmo no Novo Testamento, como evidenciado por aqueles textos aos quais se refere a outros ressuscitando depois de Cristo, por exemplo, Daniel 12:2; Mateus 27:52; Romanos 8:11; 1 Tessalonicenses 4:14; 2 Pedro 3:4. 6. Para outra semelhança entre as palavras de Oseias e Abinádi, ver a ideia do "aguilhão" da morte/inferno em Oséias 13:14 e Mosias 16:7–8.