KnoWhy #525 | Agosto 9, 2019
Por que encontramos palavras e frases do Novo Testamento no Livro de Mórmon?
Postagem contribuída por
Scripture Central

"[E] aquilo que for escrito pelo fruto de teus lombos e também o que for escrito pelo fruto dos lombos de Judá serão unidos, confundindo falsas doutrinas." 2 Néfi 3:12
Este é o primeiro artigo de uma série de KnoWhys que abordam a pergunta ''Por que as palavras e frases do Novo Testamento aparecem no Livro de Mórmon?''
O conhecimento
Os leitores do Livro de Mórmon, desde a sua primeira publicação, estão cientes da existência de alusões, referências ou citações de passagens bíblicas em seu texto, abrangendo tanto o material do Velho Testamento quanto o do Novo Testamento. A presença de alguns trechos do Velho Testamento é facilmente compreendida e aceita à luz do fato de que Leí e sua família deixaram Jerusalém na época do Velho Testamento e levaram consigo as escrituras (nas placas de latão) que constituíam grande parte do que hoje chamamos de Velho Testamento (1 Néfi 5:10-13).
Entretanto, além das escrituras bíblicas óbvias presentes nas Placas de Latão, uma quantidade considerável da linguagem bíblica presente no Livro de Mórmon parece ter sido originada após a época em que Leí deixou Jerusalém, tanto do Velho Testamento quanto do Novo Testamento. A maior parte desse conteúdo do Novo Testamento aparece no livro de 3 Néfi, quando o Cristo ressurreto fez uma visita pessoal aos povos do Livro de Mórmon e compartilhou com eles muitos dos mesmos ensinamentos que havia dado anteriormente durante Seu ministério mortal na Galileia e na Judeia.1
Além de 3 Néfi, no entanto, muitos outros paralelos ou semelhanças com as passagens do Novo Testamento podem ser encontrados no Livro de Mórmon, cuja presença pode ser mais difícil de compreender. Segundo as pesquisas, aproximadamente 850 frases ou passagens do Velho Testamento e 700 do Novo Testamento podem ser encontradas no Livro de Mórmon.2
Como é possível explicar frases como, por exemplo: ''Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus'', encontradas em Mateus 3:2, que aparece quatro vezes, em diferentes formas, no Livro de Mórmon?3 A presença de frases bíblicas, muitas das quais correspondem à linguagem da Bíblia versão King James, gerou uma crítica equivocada, e muitas vezes repetida, de que Joseph Smith deve ter plagiado mecânica e intencionalmente grandes partes da Bíblia ao ditar o Livro de Mórmon. Embora não tenhamos certeza das razões exatas, várias explicações são possíveis para a abundância de citações e frases bíblicas neste texto. A explicação que melhor se encaixa em uma determinada situação depende de muitos fatores complexos, incluindo a autoria, a data e a natureza do texto do Livro de Mórmon no qual a linguagem bíblica ocorre.
O porquê
Os pontos a seguir representam várias das possíveis razões (além do fato de que grande parte do Velho Testamento provavelmente estava disponível nas Placas de Latão) que explicam por que frases e passagens bíblicas podem estar presentes no Livro de Mórmon.
A. Jesus Ressurreto como a fonte de algumas dessas semelhanças:

1. Os ensinamentos de Jesus Cristo durante Seu ministério pessoal entre os nefitas podem explicar uma porção substancial de citações e frases bíblicas no texto. Por exemplo, faz sentido que Jesus repita, com algumas variações, Seus ensinamentos do Sermão da Montanha no Novo Testamento para os nefitas no templo da terra da Abundância.4 O ensinamento de Cristo sobre este sermão entre os nefitas também pode explicar as citações ou alusões ao Sermão da Montanha, posteriormente encontradas nos escritos de Mórmon e Morôni (por exemplo, Mateus 5:22/3 Néfi 12:22 em Mórmon 8:17).
2. A presença de passagens do Velho Testamento como Isaías 54 e Malaquias 3–4 (encontrados em 3 Néfi 22 e 24–25) também não são difíceis de explicar porque foram citados aos nefitas pelo próprio Salvador. Como Cristo explicou: ''Estas escrituras, que não tínheis convosco, ordenou o Pai que eu vo-las desse; porque em sua sabedoria determinou que elas fossem dadas a gerações futuras'' (3 Néfi 26:2).
3. Mesmo depois de Sua visita inicial entre os nefitas, Jesus continuou a encontrar-se com eles e a falar com Seus discípulos no Novo Mundo (ver 3 Néfi 26:13). É provável que, semelhante ao Sermão da Montanha, Jesus tenha lhes dado outros ensinamentos que havia transmitido durante Seu ministério entre os judeus no Velho Mundo. Na verdade, Mórmon disse que não podia registrar ''nem a centésima parte das coisas que Jesus verdadeiramente ensinou ao povo'' (3 Néfi 26:6). Além disso, é preciso lembrar que posteriormente Jesus revelou certas coisas diretamente a Mórmon e Morôni.5 Portanto, é plausível que muitos dos ensinamentos de Cristo encontrados no Novo Testamento também tenham sido transmitidos aos nefitas ou diretamente a Mórmon e Morôni, mas que simplesmente não foram registrados no relato de Mórmon sobre o ministério de Cristo.
B. Semelhanças devido a uma fonte antiga comum:

1. Com muito mais frequência do que os leitores normalmente percebem, muitas passagens do Novo Testamento citam ou parafraseiam textos anteriores do Velho Testamento, ou outros textos antigos (como uma versão do Livro de Enoque) que estariam disponíveis para os nefitas por meio das Placas de Latão (por exemplo, Mosias 16:7–8 e 1 Coríntios 15:54–56 relacionados a Isaías 25:8 e Oseias 13:14).6
2. Algumas passagens do Livro de Mórmon têm semelhanças com passagens do Novo Testamento que, por sua vez, são citações ou alusões a textos do Antigo Testamento que são posteriores à partida de Leí de Jerusalém, o que as tornaria presumivelmente indisponíveis para os nefitas. É possível, entretanto, que essas expressões do Velho Testamento derivem de uma fase da língua e da literatura hebraica que remonta a um período anterior à saída de Leí de Jerusalém. Essa hipótese os tornaria potencialmente disponíveis para serem incluídos nas Placas de Latão ou, de alguma maneira, transmitidos aos povos do Livro de Mórmon.7
C. Revelações aos profetas nefitas como fonte de similaridade:
1. Antes da visita de Jesus ao Novo Mundo, Jesus (ou Seu anjo) falou a Néfi, Jacó, Abinádi, Benjamim, Alma e outros, e eles aprenderam frases semelhantes às do Novo Testamento diretamente Dele nessas revelações. Por exemplo, a Néfi foi mostrado uma visão dos últimos dias, onde lhe foi dito o que seria registrado por um apóstolo do Cordeiro chamado João (ver 1 Néfi 14:18-27). Inclusive, foi revelado a Néfi que outros haviam recebido a mesma visão ou uma visão semelhante de ''todas as coisas'' que Néfi havia recebido (v. 26).8.
2. As revelações dadas de outras formas aos profetas nefitas também poderiam ter revelado doutrinas e princípios que mais tarde seriam ensinados ou revelados aos cristãos do Novo Testamento (ver Alma 32:38 e Mateus 13:6).
D. Mórmon e Morôni como fonte da similaridade:

1. Enquanto Mórmon, no século IV d.C., resumia os registros históricos nefitas, poderia ter inserido palavras ou frases que Jesus havia introduzido no uso nefita (conforme discutido acima). Como a língua ou dialeto nefita sofreu alterações ao longo dos séculos a ponto de os leitores da época de Mórmon não compreenderem parte da linguagem anterior, pode-se supor que, ocasionalmente, Mórmon tenha evitado a cópia literal e usado expressões mais familiares a seus contemporâneos (e mais semelhantes à linguagem do Novo Testamento) para que seus leitores pudessem compreender melhor (ver Mateus 6:25/3 Néfi 13:25 e Alma 31:37).
2. Hipoteticamente, é possível que Mórmon não tenha simplesmente anexado as Placas Menores de Néfi ao final de suas placas,9 em vez disso, copiou as palavras de Néfi, Jacó e outros das Placas Menores para as novas placas que ele criou. Não sabemos se este foi o caso, mas caso tenha sido, Mórmon poderia ter usado posteriormente expressões de sua época (estilo do Novo Testamento) para tornar os primeiros ensinamentos nefitas mais compreensíveis a um público futuro que ele sabia que a Bíblia teria (ver Marcos 9:31/2 Néfi 25:13; Mateus 9:22/Enos 1:8; João 10:16/1 Néfi 22:25).
3. Algumas seções do Livro de Éter foram escritas por Morôni no final do século IV d.C. como suas próprias inserções editoriais, por isso não é algo inesperado encontrar linguagem ''cristã'' nessas seções (Mateus 25:28/Éter 12:35). É possível também que Morôni tenha inserido a linguagem cristã em outras partes da história jaredita ao resumir, contextualizar e interpretar suas narrativas.
E. O processo de tradução como fonte de similaridade:

1. A linguagem cotidiana de Joseph Smith provavelmente incluía algumas expressões bíblicas que eram comuns no início do século XIX. Segundo a teoria de que ele seria responsável por expressar as ideias contidas nas placas usando suas próprias palavras e frases, é possível que algumas das frases bíblicas tenham aparecido na tradução sem que ele pensasse (talvez nem mesmo soubesse) onde elas aparecem no Novo Testamento (como talvez Gálatas 5:1/Mosias 23:13; Efésios 6:4/Enos 1:1; Filipenses 2:12/Mórmon 9:27).
2. Joseph Smith pode ter memorizado ou aprendido algumas passagens comuns do Novo Testamento que o Espírito, então, evocou de sua mente e foram incorporadas à tradução porque fazia sentido traduzir de acordo com aquele contexto.
3. A ideia de que Joseph Smith abria uma Bíblia, localizava e lia dela enquanto trabalhava parece completamente improvável, por várias razões: (1) Não há evidência de que ele tivesse sua própria Bíblia antes de 1829; (2) testemunhas oculares, como Emma, disseram que ele não usava livros, anotações ou a Bíblia para ditar as palavras em inglês do Livro de Mórmon; (3) nenhuma testemunha ou associado próximo envolvido de alguma forma na publicação do Livro de Mórmon alegou que Joseph tinha ou usou a Bíblia; (4) nenhum dos observadores, mesmo os hostis, relatou ou sugeriu que Joseph tivesse uma Bíblia enquanto traduzia; (5) se Joseph estivesse usando uma Bíblia versão Rei Jaime, ele precisaria ter feito um extenso estudo e alterar o texto antes de ditar, devido às complexas citações compostas, combinação de textos e algumas modificações extensas, mas precisas, à citação do texto bíblico.10
4. Várias linhas de evidência escritural, linguística e histórica sugerem que Joseph Smith não era responsável pelo idioma inglês da tradução e que, em vez disso, ela lhe foi revelada palavra por palavra.11 Nesse cenário, é possível que qualquer processo divino responsável pela produção da tradução para o inglês também tenha sido responsável pela extensa integração das passagens relevantes do Novo Testamento no texto. Essa perspectiva de "palavras reveladas" explica bem o fato de que não apenas frases curtas do Novo Testamento aparecem no Livro de Mórmon, como também longas citações literais. A complexidade de como essas citações mais longas, por vezes, estão entrelaçadas e adaptadas à narrativa do Livro de Mórmon faz com que a ideia de que elas tenham vindo da memória de Joseph Smith pareça inadequada. Tendo em mente que Joseph Smith provavelmente não estava usando a Bíblia durante a tradução (como discutido acima), a presença e a natureza dessas citações bíblicas apoiam essa teoria.
Conclusão
Em suma, pode haver muitas razões pelas quais palavras e expressões bíblicas apareçam no Livro de Mórmon. O texto do livro e sua relação com a Bíblia e outros textos bíblicos antigos são complexos em muitos aspectos. Embora não tenhamos certeza de qual das explicações acima, ou a combinação de explicações, estaria por trás de cada uma das muitas frases e expressões do Velho e do Novo Testamento encontradas no Livro de Mórmon, fica claro pela lógica que várias fontes plausíveis estariam presentes na escrita e tradução de suas várias passagens.
Acima de tudo, é importante lembrar que, embora o Livro de Mórmon tenha sido escrito por profetas antigos, ele seria lido por pessoas de nosso tempo — pessoas que muitas vezes conhecem bem a Bíblia, especialmente o Novo Testamento, e estão acostumadas a reconhecer o estilo literário bíblico como escritura sagrada. Dessa forma, o fato de encontrarmos linguagem bíblica no Livro de Mórmon pode muito bem ser um cumprimento das palavras inspiradas do antigo profeta Néfi, quando ele ensinou que Deus "fala aos homens de acordo com sua língua, para que compreendam" (2 Néfi 31:3; D&C 1:24).
Este KnoWhy foi possível graças à generosa doação da Keller Family Trust.
Leitura Complementar
Central do Livro de Mórmon, ''Quais partes do Velho Testamento estariam nas Placas de Latão? (1 Néfi 5:10),'' KnoWhy 410, (16 de agosto de 2018). Central do Livro de Mórmon, ''Por que Jesus proferiu uma versão do Sermão da Montanha no Templo de Abundância? (3 Néfi 12:6),'' KnoWhy 203 , (12 de setembro de 2017). Nick Frederick, '''Full of grace, mercy, and truth': Exploring the Complexities of the Presence of the New Testament within the Book of Mormon", apresentação feita na Conferência do Livro de Mórmon na BYU 2015: Exploring the Complexities in the English Language of the Book of Mormon Conference, BYU, 14 de março de 2015, disponível em archive.bookofmormoncentral.org. Royal Skousen, ''How Joseph Smith Translated the Book of Mormon'', Journal of Book of Mormon Studies, V. 7, No. 1 (1997). John W. Welch, Illuminating the Sermon at the Temple and Sermon on the Mount, (Provo: FARMS, 1999), em "The Differences" (pp. 125-150), em "The Translation" (pp. 179-198), e em "The Greek New Testament Manuscripts" (pp. 199-210).1. Por exemplo, uma versão modificada do Sermão da Montanha aparece em 3 Néfi 12-14. Para uma pesquisa aprofundada sobre esse tópico, ver John W. Welch, Illuminating the Sermon at the Temple and the Sermon on the Mount: An Approach to 3 Nephi 11–18 and Matthew 5–7 (Provo, UT: FARMS, 1999). 2. O professor da BYU Nick Frederick menciona que existem aproximadamente 600 frases do Novo Testamento, sem incluir os longos paralelos de Mateus 5-7 encontrados em 3 Néfi 12-14. Nicholas J. Frederick, ''The Book of Mormon and Its Redaction of the King James New Testament: A Further Evaluation of the Interaction between the New Testament and the Book of Mormon,'' Journal of Book of Mormon Studies, V. 27 (2018): pp. 44–87 3. Ver, por exemplo, Alma 7:9; 9:25; 10:20; Helamã 5:32. 4. Ver Central do Livro de Mórmon, ''Por que Jesus ensinou uma versão do Sermão da Montanha no Templo da Abundância? (3 Néfi 12:6)", KnoWhy 203 (12 de setembro de 2017). 5. Ver, por exemplo, 3 Néfi 28:36; Mórmon 1:15; Éter 12:39. 6. Para saber mais sobre esse tópico, ver David Larsen, ''Death Being Swallowed Up in Netzach in the Bible and the Book of Mormon'', BYU Studies Quarterly 55, no. 4 (2016): pp.123–134.7. Por exemplo, a Alegoria da Oliveira no Livro de Jacó contém muitos paralelos com uma alegoria semelhante em Romanos 11. Ambas têm semelhanças com passagens de Ezequiel, onde o profeta fala de problemas com o topo de uma árvore, pega ramos jovens e tenros e os planta em outro lugar (Ezequiel 17). Os escritos de Ezequiel foram registrados depois que Leí deixou Jerusalém. No entanto, também há paralelos com a alegoria de Ezequiel em escritos pré-exílicos, como Oseias 14, Isaías 15 e Jeremias 11. Os estudiosos argumentam que a alegoria de Zenos em Jacó 5 pode preceder e servir de inspiração para todos eles. Ver David Rolph Seely e John W. Welch, ''Zenos and the Texts of the Old Testament'', em The Allegory of the Olive Tree: The Olive, the Bible, and Jacob 5, ed. Stephen D. Ricks e John W. Welch (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book and FARMS, 1994), pp. 322–346. 8. Para outro exemplo possível de revelações compartilhadas ou semelhantes, compare Alma 7:9–10 com Mateus 1:21 e Lucas 1:35. 9. É improvável que as placas de Néfi fossem do mesmo tamanho das placas com as quais Mórmon trabalhava, o que pode ter exigido que elas fossem copiadas em novas placas. 10. Ver, por exemplo, a natureza complexa da combinação de palavras e frases de Hebreus 6:18, Tiago 1:17, 2 Coríntios 6:17, Efésios 5:14, Isaías 52:1–2, Isaías 54:2 e Êxodo 34:24 em Morôni 10:30–31. Royal Skousen e Stanford Carmack, The History of the Text of the Book of Mormon, Part Three: The Nature of the Original Language (Provo, UT: FARMS, 2018), pp. 1033-34; também, Nick Frederick, '''Full of grace, mercy, and truth': Exploring the Complexities of the Presence of the New Testament within the Book of Mormon'', apresentação dada na Conferência Exploring the Complexities in the English Language of the Book of Mormon, BYU, 14 de março de 2015. 11. Ver, por exemplo, Royal Skousen, ''How Joseph Smith Translated the Book of Mormon'', Journal of Book of Mormon Studies, V. 7, No. 1 (1997); Royal Skousen e Stanford Carmack, The History of the Text of the Book of Mormon, Part Three: The Nature of the Original Language (Provo, UT: FARMS, 2018); Stanford Carmack, ''Is the Book of Mormon a Pseudo-Archaic Text?'' Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 28 (2018): pp. 177–232; Stanford Carmack, ''Joseph Smith Read the Words'', Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 18 (2016): pp. 41–61.