KnoWhy #492 | Janeiro 23, 2019

Por que Leí e Néfi foram guiados por anjos em suas visões?

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Scripture Central

"Vi que tinha a forma de um homem; sabia, não obstante, que era o Espírito do Senhor; e ele falou-me como um homem fala a outro homem." 1 Néfi 11:11

O conhecimento

Tanto Leí quanto seu filho Néfi tiveram visões profundas nos capítulos iniciais do Livro de Mórmon (1 Néfi 8, 11-14).1 Uma característica de ambas as visões foi o fato de Leí e Néfi terem sido conduzidos por guias angelicais durante essas experiências. Leí começa o relato de sua visão descrevendo "um homem e ele estava vestido com um manto branco" que "pôs-se na […] frente" dele (1 Néfi 8:5). Este homem "falou" com Leí e "ordenou-[lhe] que o seguisse" (v. 6). Leí gentilmente "o segu[iu]", e rapidamente descobriu que ele o estava levando a um "escuro e triste deserto" (v. 7). Depois disso, Leí orou ao Senhor pedindo ajuda sendo respondido com sua famosa visão da Árvore da Vida.

Como no sonho de Leí, a visão de Néfi começou quando ele encontrou um personagem celestial, desta vez identificado como o "Espírito do Senhor", que transportou Néfi para "uma montanha muito alta" (1 Néfi 11:1). Enquanto fazia a Néfi uma série de perguntas sobre seu conhecimento a respeito do Plano de Salvação, o Espírito do Senhor concedeu a Néfi uma visão da vida, ministério e Expiação do Cordeiro de Deus, a apostasia e restauração de Israel e os últimos dias. Durante essa experiência reveladora, Néfi "vi[u] que [o Espírito do Senhor] tinha a forma de um homem" e que esse personagem "falou-[lhe] como um homem fala a outro homem" (v. 11).2

Embora o personagem celestial seja identificado na visão de Néfi como "o Espírito do Senhor", surgiram dúvidas se isso se refere ao Espírito Santo (o terceiro membro da Trinidade) ou ao espírito pré-mortal de Jesus Cristo (Éter 3:16–17).3 Embora argumentos possam ser feitos para qualquer uma das interpretações, a maioria dos comentaristas favoreceu a primeira.4 Aparentemente, o que Néfi estava vendo era tão crucial, tão fundamentalmente importante para guiar a grande mensagem teológica do Livro de Mórmon, que o próprio Espírito Santo apareceu a Néfi e o guiou no caminho interpretativo correto.5

"A Visão de Néfi da Virgem Maria", por Judith A. Mehr

Seja qual for o caso, o Espírito do Senhor logo se afastou de Néfi e foi substituído por um "anjo" sem nome que continuou a visão (1 Néfi 11:12–14).6 Esse anjo, também chamado de "anjo do Senhor" (1 Néfi 11:34–3613:243414:29), acompanhou Néfi pelo restante de sua visão, direcionando sua atenção para cenas históricas cruciais e fazendo perguntas para que Néfi entendesse o que estava vendo.7 No final do registro de sua visão, Néfi informou a seus leitores que o anjo estava com ele a cada passo, assegurando que Néfi percebesse mentalmente e internalizasse espiritualmente o que estava vendo. "E testifico que vi as coisas que meu pai viu", testificou Néfi, "e o anjo do Senhor deu-mas a conhecer" (1 Néfi 14:29).

O porquê

O sonho de Leí e a visão de Néfi podem ser corretamente classificados no gênero bíblico e extracanônico da literatura "apocalíptica".8 A palavra apocalipse deriva do grego apokalypsis, que significa literalmente "desvendar" ou "revelação". Uma visão apocalíptica é uma revelação que normalmente divulga ou revela segredos sobre o futuro do mundo, a redenção do povo de Deus e o terrível destino dos poderes mundanos e sobrenaturais que se opõem a Deus. O exemplo clássico de um texto apocalíptico é o livro de Apocalipse no Novo Testamento, cujo nome vem de suas linhas iniciais: "Revelação [grego: apokalypsis] de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as enviou, e as notificou a João, seu servo" (Apocalipse 1:1). O livro de Daniel do Velho Testamento é outro texto com fortes temas apocalípticos (por exemplo, Daniel 712),9 e, de fato, os estudiosos da Bíblia estão convencidos de que o Novo Testamento e os primeiros movimentos apocalípticos cristãos extraem grande parte de sua inspiração das antigas fontes israelitas e judaicas.10

Uma característica comum na literatura apocalíptica, tanto judaica quanto cristã, é a presença de um ser celestial que guia o destinatário da revelação através de uma experiência visionária e interpreta ou esclarece o que foi revelado.11 "Em [textos apocalípticos], um profeta humano vê uma visão altamente simbólica e complexa que, em muitos casos, é baseada em uma representação mitológica elaborada. A natureza da visão é tal que o profeta é incapaz de entender seu significado sem a interpretação de um ser celestial".12 Portanto, guias angelicais aparecem nas visões de Leí, Néfi e seus contemporâneos, porque naquela época os assuntos dessas revelações ainda não eram familiares e evidentemente reconhecidos nem mesmo pelo profeta, como hoje são compreendidos mais facilmente.

"O Sonho de Leí", por James C. Christensen

O papel do guia angelical é, sem dúvida, como o caso bíblico de Daniel, que foi guiado através de suas visões por mensageiros angelicais (Daniel 8:15–169:20–2210:10–14). No livro de Apocalipse, João, o Revelador, teve uma visão que foi "envi[ada] por Deus" por meio de "seu anjo"(Apocalipse 1:1), e, posteriormente, João testemunhou sete anjos anunciando eventos cataclísmicos no final dos dias ao soar de uma trombeta (Apocalipse8-11).13 Além da Bíblia, em textos extracanônicos, visões apocalípticas atribuídas a figuras como Enoque e Abraão também apresentam o profeta visitado por um ser celestial que o guia em suas jornadas.14

Portanto, anjos ou guias celestiais são um elemento comum em visões apocalípticas, especialmente em textos judaicos intertestamentais. Nestes, "a forma dos apocalipses envolve uma estrutura narrativa que descreve a maneira da revelação", que pode envolver "visões e jornadas de outro mundo, complementadas por discurso ou diálogo e, ocasionalmente, por um livro celestial".15 Tal discurso e diálogo entre o profeta e seu guia angelical é precisamente o que os leitores encontram nas primeiras visões de Leí e Néfi, juntamente com o motivo do livro celestial, reforçando a conveniência de classificar suas visões como apocalípticas.16 Esses elementos são encontrados na literatura profética antiga em todos esses casos, porque sua presença auxiliou o público daqueles dias a compreender e aceitar as mensagens que estavam sendo transmitidas.

Além de colocá-los em seus antigos contextos culturais e religiosos,17 a leitura das visões de Leí e Néfi em seu antigo cenário literário apocalíptico ajuda os leitores modernos a entender e aplicar melhor as verdades eternas ensinadas a esses dois grandes reveladores. Se, por exemplo, a visão de Néfi for lida como literatura apocalíptica no sentido bíblico, então não devemos nos surpreender com o motivo pelo qual a ele, como a João seis séculos depois, foram mostradas coisas "sobre o fim do mundo" (1 Néfi 14:21–30), incluindo, mais importante ainda, a restauração do Evangelho e a redenção da Israel dispersa. Tanto Néfi quanto João, bem como outros profetas e autores apocalípticos, foram encarregados de agir como vozes proféticas de advertência. Eles prestaram "testemunho conjunto do que Deus faria nos últimos dias".18

Em um nível mais individual, reconhecer o registro das visões de Leí e Néfi como literatura apocalíptica convida os leitores modernos a se orientarem pessoalmente no grande esquema histórico e simbólico revelado nessas passagens. Como o Élder Boyd K. Packer ensinou: "Talvez vocês achem que o sonho ou a visão de Leí não tem um significado especial para vocês, mas tem. Vocês estão nele; todos nós estamos".19 Assim como os mensageiros celestiais os guiaram através das visões que revelam e esclarecem verdades claras e preciosas, Leí e Néfi tornam-se escoltas que convidam seus leitores modernos a prosseguir "através da névoa de escuridão" até alcançarem a árvore da vida e comerem de seu delicioso fruto branco (1 Néfi 8:11, 24).

Leitura Complementar

David E. Bokovoy, ‘Thou Knowest That I Believe’: Invoking The Spirit of the Lord as Council Witness in 1 Nephi 11", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 1 (2012): pp. 1–23. Jared M. Halverson, "Lehi’s Dream and Nephi’s Vision as Apocalyptic Literature", em The Things Which My Father Saw: Approaches to Lehi’s Dream and Nephi’s Vision (2011 Sperry Symposium), ed. Daniel L. Belnap, Gaye Strathearn e Stanley A. Johnson (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book and Religious Studies Center, Brigham Young University, 2011), pp. 53–69. Robert L. Millet, "Another Testament of Jesus Christ", em First Nephi, The Doctrinal Foundation, Book of Mormon Symposium Series, Volume 2, ed. Monte S. Nyman e Charles D. Tate Jr. (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1988), pp. 161–176.

1. Para explorações recentes das visões de Leí e Néfi, ver Daniel L. Belnap, Gaye Strathearn e Stanley A. Johnson, eds., The Things Which My Father Saw: Approaches to Lehi’s Dream and Nephi’s Vision (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e Religious Studies Center, Brigham Young University, 2011). 2. Esta representação e linguagem inequivocamente evoca os encontros visionários de Moisés com Jeová encontrados no livro do Êxodo: "E falou o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala com o seu amigo" (Êxodo 33:11). 3. Sidney B. Sperry, Book of Mormon Compendium (Salt Lake City, UT: Bookcraft, 1968), pp. 116–118. 4. Conforme resumido em Robert L. Millet, "Another Testament of Jesus Christ", em First Nephi, The Doctrinal Foundation, Book of Mormon Symposium Series, Volume 2, ed. Monte S. Nyman e Charles D. Tate Jr. (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1988), pp. 165–167. 5. Consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, Como Néfi escolheu os capítulos de Isaías? KnoWhy 38, (16 de fevereiro de 2017). 6. Consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que não sabemos os nomes dos anjos no Livro de Mórmon?" KnoWhy 426, (13 de setembro de 2018). 7. Em algumas passagens bíblicas (por exemplo, Gênesis 16:7–14Êxodo 3:2–4), o "anjo do Senhor" é provavelmente o próprio Jeová. Isso levanta a possibilidade de que Néfi foi recebido pelo Espírito Santo, bem como pelo Jesus pré-mortal em sua visão. 8. Ver Jared M. Halverson, "Lehi's Dream and Nephi’s Vision as Apocalyptic Literature", em The Things Which My Father Saw, pp. 53–69. 9. Ver mais Zacarias 16 e Ezequiel 4048. 10. Ver Benjamin E. Reynolds and Loren T. Stuckenbruck, eds., The Jewish Apocalyptic Tradition and the Shaping of the New Testament (Minneapolis, MN: Fortress Press, 2017). 11. Ver David P. Melvin, The Interpreting Angel Motif in Prophetic and Apocalyptic Literature (Minneapolis, MN: Fortress Press, 2013). 12. Melvin, The Interpreting Angel Motif in Prophetic and Apocalyptic Literature, p. 1. Compare John J. Collins, The Apocalyptic Imagination: An Introduction to Jewish Apocalyptic Literature, 2nd ed. (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans, 1998), pp. 5–6. "O elemento constante é a presença de um anjo que interpreta a visão ou serve como guia na jornada sobrenatural. Esta figura indica que a revelação não é inteligível sem ajuda sobrenatural. É algo fora deste mundo". 13. Para um comentário sobre isso, confira Peter R. Carrell, Jesus and the Angels: Angelology and the Christology of the Apocalypse of John, Society for New Testament Studies 95 (Cambridge: Cambridge University Press, 1997). 14. Ver 1 Enoque 17–22; Apocalipse de Abraão 9–32. Esses e outros textos apocalípticos não bíblicos estão disponíveis em uma tradução com comentários em James H. Charlesworth, ed. The Old Testament Pseudepigrapha, Volume 1: Apocalyptic Literatures and Testaments (New York, NY: Doubleday, 1983). Para mais comentários sobre estes dois textos, ver Collins, The Apocalyptic Imagination, pp. 55–59, 225–232. 15. Collins, The Apocalyptic Imagination, p. 5. 16. Ver Brent E. McNeely, "The Book of Mormon and the Heavenly Book Motif", em Reexploring the Book of Mormon: A Decade of New Research, ed. John W. Welch (Provo, UT: FARMS, 1992), pp. 26–28; Terryl L. Givens, "The Book of Mormon and Dialogic Revelation", Journal of Book of Mormon Studies 10, no. 2 (2001): pp. 16–27, 69–70; David E. Bokovoy, "‘Thou Knowest That I Believe’: Invoking The Spirit of the Lord as Council Witness in 1 Nephi 11", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 1 (2012): pp. 1–23. 17. O gênero apocalíptico recebeu sua articulação final e, portanto, mais completa no período pós-exílico da história israelita (meados do século VI a.C. em diante), muito depois de Leí e sua família deixarem Jerusalém. No entanto, as raízes deste gênero, incluindo muitos de seus elementos subjacentes, datam de pelo menos 600 anos a.C. e potencialmente muito mais cedo. Ver as referências coletadas e discutidas em Robert F. Smith, "Poesey and Prosody in the Book of Mormon", em "To Seek the Law of the Lord": Essays in Honor of John W. Welch, ed. Paul Y. Hoskisson e Daniel C. Peterson (Orem, UT: The Interpreter Foundation, 2017), pp. 452-454. Ver também Collins, The Apocalyptic Imagination, pp. 17–42. 18. Ver Halverson, "Lehi's Dream and Nephi’s Vision as Apocalyptic Literature", pp. 64–65, citado na p. 65. 19. Boyd K. Packer, "Identificar-nos no Sonho de Leí" em Brigham Young University 2006–2007 Speeches (Provo, UT: Brigham Young University), p. 258.

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