KnoWhy #476 | Dezembro 19, 2018
Por que Néfi começa dizendo “Eu, Néfi…”?
Postagem contribuída por
Scripture Central

"Eu, Néfi, tendo nascido de bons pais […] faço, por isso, um registro de meus feitos durante minha vida." 1 Néfi 1:1
O conhecimento
As palavras mais conhecidas em todo o Livro de Mórmon podem muito bem ser a primeira linha que Néfi escreveu: "Eu, Néfi, tendo nascido de bons pais…" 1 Néfi 1:1 Embora muitos membros da Igreja conheçam essas palavras memorizadas, a maioria pode não saber que muitos textos do Antigo Oriente Próximo começam da mesma maneira, e esses textos ajudam a explicar porque Néfi começaria seu registro da mesma maneira.
Na verdade, essas palavras podem ter indicado sua autoridade por escrito como rei e governador sobre seu povo. Alguns dos melhores exemplos de registros que começam desta forma vêm de um rei chamado Barrakab, que ergueu três grandes monumentos na antiga Síria comemorando seus triunfos como rei.1 Todos estes começam com as palavras: "Eu, Barrakab, filho de Panammu…"2 Outro registro começa com as palavras: "Eu, Panammu, filho de Qirel…"3 Estes datam de cerca de 750 a.C., antes da época de Leí.4 E estes não são os únicos registros semelhantes. Há um de Moabe de 835 a.C.,5 e três da Fenícia dos anos 820, 690 e do século V a.C.6 Como Néfi 1:1, muitos desses textos, quando traduzidos literalmente, poderiam ser traduzidos como: "Eu, (nome), tendo nascido de (referência de parentesco)".7
A ampla distribuição desses textos, em diferentes tempos e lugares, sugere que essa fórmula era uma maneira comum de iniciar registros durante a época de Leí. O uso da primeira pessoa não era completamente desconhecido em textos antigos, como aparece periodicamente em todo o Livro de Mórmon, mas esta fórmula introdutória não é a única semelhança entre 1 Néfi e esses textos. 1 Néfi 1:1 continua dizendo: "[…] e tendo passado muitas aflições no decurso de meus dias, fui, não obstante, altamente favorecido pelo Senhor em todos os meus dias…". Alguns dos registros do Oriente Próximo também continuam, imediatamente após a fórmula introdutória, mencionando suas aflições e a misericórdia de seu deus para com elas, assim como 1 Néfi faz.
Uma estela, escrita pelo rei Mesa de Moabe por volta de 835 a.C., é um bom exemplo disso.8 Começa com as palavras: "Eu, Mesa, filho de Quemós…" e rapidamente muda para discutir as aflições que ele e seu povo sofreram e como seu deus, Quemós, salvou seu povo dos opressores.9 O registro de Panammu também afirma que o povo sofreu "devastação", mas que os deuses "restauraram" a terra.10 Até mesmo o uso da frase "todos os meus dias" em 1 Néfi 1:1 está de acordo com esse registro. Quatro desses registros usam essa mesma frase para falar sobre a própria vida do autor, como Néfi fez.11
O porquê
Escrever a introdução de um livro semelhante à introdução de um registro monumental, a princípio pode parecer estranho. Que possível relação teria o registro de Néfi com esses registros?12 No entanto, quando 1 Néfi e os registros são vistos em seu contexto, essa relação faz sentido.13 Esses registros em tais monumentos eram frequentemente apresentados para comemorar a vitória do rei sobre seus inimigos.14
Néfi também era rei. O título de 1 Néfi menciona especificamente isso: "Primeiro Livro de Néfi. Seu governo e ministério". Como os reis que criaram os monumentos, Néfi passou grande parte de sua vida lidando com desafios. Ele teve que alcançar a vitória sobre muitos opositores, primeiro sobre Labão e depois sobre seus irmãos. Então, escrever algo comemorando essas vitórias, seria uma coisa razoável para ele fazer.
Além disso, esses registros também continham elementos que teriam chamado a atenção de Néfi: eles atribuíram suas vitórias aos deuses. Néfi sabia que devia todas as suas vitórias ao verdadeiro Deus, e que Ele era o único que o havia ajudado em todas as suas provações. Ele expressou isso claramente em 1 Néfi 1:1: "havendo adquirido um grande conhecimento da bondade e dos mistérios de Deus…"
"Leí no deserto 2" de Jorge CoccoOutra consideração possível para Néfi ao escrever sua introdução dessa maneira foi a oportunidade de mostrar seu apreço por seus pais. Todos os outros registros mencionam o pai do rei, mas é interessante que Néfi menciona seus "pais" em vez de apenas seu pai. Este reconhecimento por seu pai e sua mãe é importante por se contrapor à norma cultural de apenas mencionar o pai do rei.
Uma última razão teria atraído Néfi para esse tipo de introdução: sua capacidade de comunicação com as gerações futuras. Os registros monumentais foram esculpidos em pedra para torná-los permanentes, contando às gerações futuras sobre os problemas do rei e o papel das divindades na superação desses problemas. Um deles até disse: "O que eu, Matiel, escrevi servirá como uma lembrança para meu filho e neto que virão após mim".15 Néfi provavelmente queria que seu registro servisse ao mesmo propósito: contar às gerações futuras seus problemas e triunfos e o papel que Deus teve em ajudá-lo em todas as suas provações.
A permanência de monumentos e placas de metal pode nos lembrar da importância de preservar registros para as gerações futuras, assim como a Igreja se preocupa em fazer hoje. Ao iniciar desta forma, o relato de Néfi nos lembra que Deus pode nos ajudar a lidar com os desafios da vida e que nossas histórias podem ser contadas de uma maneira que forneçam esperança para os outros.
Leitura Complementar
Artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que os autores do Livro de Mórmon usaram colofões? (1 Néfi 1:3)", KnoWhy 443. John A. Tvedtnes e David E. Bokovoy, "Colophons and Superscripts", em Testaments: Links Between the Book of Mormon and the Hebrew Bible (Toelle, UT: Heritage Press, 2003), pp. 107–116. John A. Tvedtnes, "Colophons in the Book of Mormon", em Reexploring the Book of Mormon: A Decade of New Research, ed. John W. Welch (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1992), pp. 13–16.1. Ver John Gibson, Syrian Semitic Inscriptions, 3 v. (Oxford, UK: Oxford University Press, 1975), 2: pp. 89, 92, 93. 2. Gibson, Syrian Semitic Inscriptions, 2: pp. 89, 92, 93. 3. Gibson, Syrian Semitic Inscriptions, 2: p. 64. 4. Ver Gibson, Syrian Semitic Inscriptions, 2: pp. 61, 87, 92, 93. 5. Ver K. A. D. Smelik, "The Inscription of King Mesha", em The Context of Scripture, 3 v., ed. William W. Halo (Leiden: Brill, 2003), 2: p. 137. 6. Ver K. Lawson Younger, "The Kulamuwa Inscription", em The Context of Scripture, 3 v., ed. William W. Halo (Leiden: Brill, 2003), 2: p. 147; K. Lawson Younger, "The Azatiwada Inscription", em Context of Scripture, 2: p. 149; Stanislav Segert, "The Inscription of King Yehawmilk", em Context of Scripture, 2: p. 151. 7. Consulte Comprehensive Aramaic Lexicon (2018), s.v., "Br". Disponível em cal.huc.edu. 8. Ver Smelik, "The Inscription of King Mesha", 2: p. 137. 9. Smelik, "The Inscription of King Mesha", 2: p. 137. 10. K. Lawson Younger, "The Hadad Inscription", em Context of Scripture, 2: p. 156. 11. Ver Smelik, "The Inscription of King Mesha", 2: p. 137; Younger, "The Kulamuwa Inscription", 2: p. 148; "The Azatiwada Inscription", 2: p. 149; "The Hadad Inscription", 2: p. 156. Outros exemplos semelhantes poderiam ser mencionados. Por exemplo, o prólogo das leis de Lipit-Ishtar diz: "Eu, Lipit-Ishtar, filho do deus Enlil…" e outros exemplos de expressões em primeira pessoa. E o prólogo e o epílogo das leis de Hamurabi contêm declarações em primeira pessoa: "Eu sou Hamurabi, o pastor escolhido de Enlil…" Esses textos também declaram problemas e sofrimentos que existiram na terra antes que esses reis promulgassem suas leis. 12. É provável que Néfi tenha feito alusão a isso intencionalmente, pois provavelmente conhecia essa maneira de fazer registros por meio de seu treinamento como escriba. Consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Como a frase 'fiz […] um registro' é evidência do Livro de Mórmon? (1 Néfi 19:4)", KnoWhy 444. 13 Consulte o artigo da Central do Livro de Mórmon, "O que o Livro de Mórmon ensina sobre o conhecimento secular? (1 Néfi 1:1)", KnoWhy 324. 14. Ver Smelik, "The Inscription of King Mesha", 2: p. 137; Younger, "The Kulamuwa Inscription", 2: p. 148; "The Azatiwada Inscription", 2: p.149; "The Hadad Inscription", 2: p. 156. 15. Este registro vem do século VIII. Ver Gibson, Syrian Semitic Inscriptions, 2: pp. 19, 33.