KnoWhy #627 | Janeiro 14, 2022
Por que o homem e a mulher foram criados à imagem de Deus?
Postagem contribuída por
Central das Escrituras
"Vês que foste criado segundo a minha própria imagem? Sim, todos os homens foram criados, no princípio, à minha própria imagem". Éter 3:15
O conhecimento
No relato da Criação cósmica em Gênesis 1, o ponto culminante da Criação de Deus é o homem e a mulher, criados à "imagem" (selem) e "semelhança" (demut) de Deus (Gênesis 1:26–27).1 Durante séculos, a tradição judaico-cristã debateu as implicações teológicas dessa afirmação, uma vez que a teologia dominante nas tradições judaico-cristã retrata Deus sem um corpo ou sentimentos, um ser insensível, que não se pode influenciar ou agir contra.
Por exemplo, um pesquisador judeu analisou que ser à "imagem de Deus" implica apenas uma variedade de qualidades abstratas (não físicas): "todas aquelas faculdades e dons de caráter que distinguem o homem da besta", como "intelecto, livre arbítrio, autoconsciência, consciência da existência dos outros, consciência, responsabilidade e autocontrole."2 Da mesma forma, um pesquisador cristão concluiu que “isso implica serem essas características humanas que lhe permite cumprir seu dever de governar a Terra.”3 Nenhum dos pesquisadores menciona ou sugere a forma física, corporal, como parte da imagem de Deus.
Sem negar que outros fatores estão em jogo, as Escrituras Restauradas deixam claro que a condição da humanidade à imagem de Deus inclui uma semelhança física com a divindade. Em Éter 3, o irmão de Jared "viu o dedo do Senhor; e era como o dedo de um homem, à semelhança de carne e sangue"(Éter 3:6). Devido à sua grande fé, "o Senhor se mostrou a ele" (v. 13) e disse:
"Eis que eu sou Jesus Cristo. [...] "Vês que foste criado segundo a minha própria imagem? Sim, todos os homens foram criados, no princípio, à minha própria imagem. Eis que este corpo que ora vês é o corpo do meu espírito; e o homem foi por mim criado segundo o corpo do meu espírito; e assim como te apareço em espírito, aparecerei a meu povo na carne" (Éter 3:14–16).
Aqui, o Cristo pré-mortal revela que a humanidade foi criada à imagem de seu corpo espiritual, com a mesma forma e aparência de seu futuro corpo carnal. Da mesma forma, a revisão inspirada de Joseph Smith de Gênesis 1:26-27, agora canonizado como parte do livro de Moisés, indica que a humanidade é feita à imagem do Cristo pré-mortal, que no que lhe concerne, é Ele mesmo à imagem do Pai:
"E eu, Deus, disse ao meu Unigênito, que estava comigo desde o princípio: Façamos o homem a nossa imagem, segundo nossa semelhança; e assim foi... E eu, Deus, criei o homem à minha própria imagem, à imagem de meu Unigênito o criei; homem e mulher os criei" (Moisés 2:26–27).
Gênesis 5:1-3 faz referência a Gênesis 1:26-27, afirmando que "Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez. Homem e mulher, criou-os", e acrescentando que Adão gerou "um filho a sua semelhança, segundo sua própria imagem; e chamou seu nome Sete". No livro de Moisés, isso é revisado para se referir explicitamente à imagem corporal de Deus:
No dia em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez; à imagem de seu próprio corpo, homem e mulher, criou-os. [...] E Adão viveu cento e trinta anos e gerou um filho a sua semelhança, segundo sua própria imagem; e chamou seu nome Sete(Moisés 6:8–10).
O Livro de Mórmon e o Livro de Moisés foram traduzidos em 1829 e 1830, respectivamente.4 Assim, a semelhança física da humanidade com a divindade foi uma das primeiras verdades restauradas nos tempos modernos, uma verdade que o próprio Joseph Smith certamente entendera, mesmo antes da Primeira Visão.5
Essas passagens das Escrituras da Restauração refletem com precisão a compreensão de "à imagem e semelhança de Deus" sob a perspectiva do antigo Oriente Próximo.6 Nos últimos anos, os estudiosos bíblicos têm reconhecido cada vez mais que a apresentação de Deus na forma humana na Bíblia hebraica não se destina a ser interpretada metaforicamente.7 Especificamente, vários pesquisadores apontaram que o fato do homem ser à "imagem" (selem) e "semelhança" (demut) de Deus em Gênesis 1:26-27 e 5:1-3 tem um aspecto físico, exatamente como afirmam as Escrituras da Restauração.
Por exemplo, o eminente estudioso bíblico David Noel Freedman explicou:
[Nós] notamos que a humanidade ocupa uma posição única em contraste com todos os outros seres criados na Terra: sendo feita à imagem e semelhança de Deus. A semelhança básica está na aparência física, como mostra o estudo da etimologia e o uso de ambos os termos. [...] Estes termos são usados nas línguas cognatas de estátuas que representam deuses e humanos, em inscrições contemporâneas, e certamente pretendem dizer que Deus e o homem compartilham uma aparência física comum.8
Da mesma forma, após citar Gênesis 1:27, Charles Halton afirma: "Parece bastante simples que, se Deus criou os seres humanos à imagem e semelhança da divindade, então Deus deve se assemelhar a um ser humano."9 Benjamin Sommer também afirma: "Os termos usados em Gênesis 1:26-27, demut e selem [...] pertencem especificamente aos contornos físicos de Deus. Isso fica especialmente claro quando os termos são estudados em seu antigo contexto semítico. São usados para se referir a representações concretas e visíveis de objetos físicos... [e] não há evidências que sugiram que devemos ler esses termos como metafóricos e abstratos."10
Tanto os antigos judeus quanto os primeiros cristãos reconheciam a descrição bíblica da "imagem" de Deus como a do homem e tomavam tais descrições literalmente.11 O teólogo David L. Paulsen mostrou que foi somente depois que o cristianismo e o judaísmo foram influenciados pela metafísica filosófica grega que tais interpretações mudaram.12
O porquê
Joseph Smith ensinou que "devemos ter uma compreensão do Deus mesmo no princípio", enfatizando que para obter uma compreensão correta de Deus, devemos partir de uma base sólida. Se começarmos bem, é fácil continuar bem; mas se começarmos mal, podemos nos desviar e será difícil nos orientarmos."13 Ter uma compreensão correta da encarnação de Deus e do significado da humanidade ser à “imagem” e “semelhança” de Deus é fundamental para alcançar um relacionamento adequado entre Deus e o homem.
A clara implicação de que a humanidade, tanto o homem quanto a mulher, foram criados à imagem de Deus, é que todos os homens e mulheres são descendentes de Deus. Halton argumenta citando Gênesis 5:1-3: "Nós nos par ecemos com o divino porque somos descendentes de Deus."14 Os profetas e apóstolos e outros servos do Senhor ensinaram repetidas vezes a importância dessa solene verdade. Por exemplo, o Presidente Hugh B. Brown ensinou:
Para nós, Deus não é uma abstração, nem uma ideia, um princípio metafísico, uma força ou poder impessoal; é uma pessoa tangível e viva. E embora, em nossa fragilidade humana, não possamos conhecer o mistério total do Seu ser, sabemos que Ele é semelhante a nós [...] e é, de fato, o nosso Pai […] Reafirmamos a doutrina das antigas escrituras e de todos os profetas que afirmam que o homem foi criado à imagem de Deus e que Deus possuía qualidades humanas, como consciência, vontade, amor, misericórdia, justiça; em outras palavras, Ele é um ser exaltado, aperfeiçoado e glorificado.15
Essa compreensão adequada de Deus, torna o relacionamento de cada indivíduo com Ele, íntimo e pessoal. Também promove uma visão enobrecedora de homens e mulheres em todos os lugares. No contexto do antigo Oriente Próximo, a "imagem de Deus" (ou deuses) era considerada comumente investida de realeza, mas Gênesis estende esse conceito real a toda a humanidade.16
Além disso, Deus ordenou aos israelitas que não fizessem imagens de escultura de Deus para se curvar e adorar (ver Êxodo 20:3–4; Deuteronômio 4:15–19), pelo menos em parte porque em vez de "ídolos mudos" (Habacuque 2:18), a verdadeira imagem de Deus se manifesta nas pessoas que vivem e respiram.17 Isso significa que todo ser humano merece ser tratado com dignidade e respeito como filho de Deus e reflexo de sua imagem e semelhança. Como o Presidente Joseph Fielding Smith ensinou:
O Deus que adoramos é um Ser glorificado em quem habita todo o poder e perfeição, e que criou o homem à Sua própria imagem e semelhança (Gênesis 1:26-27), com as características e atributos que Ele mesmo possui. E assim, nossa crença na dignidade e no destino do homem é uma parte essencial tanto de nossa teologia quanto de nosso modo de vida. É a própria base do ensinamento de nosso Senhor que "E Jesus disse-lhe: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo." (Mt. 22:37–39).18
Leitura Complementar
Aaron P. Schade and Matthew L. Bowen, The Book of Moses: From the Ancient of Days to the Latter Days (Salt Lake City, UT: Deseret Book; Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 2021), pp 131–143. Brant A. Gardner, Second Witness: Analytical and Contextual Commentary, 6 v. (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2007), 6:191–194. David L. Paulsen, "The Doctrine of Divine Embodiment: Restoration, Judeo-Christian, and Philosophical Perspectives", BYU Studies Quarterly p.35, no. 4 (1995–1996): pp 7–94. Edmond LaB. Cherbonnier, "In Defense of Anthropomorphism", em Reflections on Mormonism: Judaeo-Christian Parallels, ed. Truman G. Madsen (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1978), pp 155–171.1. Para aprender sobre a humanidade como a culminação da criação de Deus, veja Gordon J. Wenham, "Gênesis", em Eerdmans Commentary on the Bible, ed. James D. G. Dunn y John W. Rogerson (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2003), pp 38–39. 2. Nahum M. Sarna, Understanding Genesis: Through Rabbinic Tradition and Modern Scholarship (New York, NY: Jewish Theological Seminary of America, 1966), pp.15–16. 3. Wenham, "Gênesis", 39. 4. John W. Welch, "The Miraculous Timing of the Translation of the Book of Mormon", em Opening the Heavens: Accounts of Divine Manifestations, 1820–1844, 2da. ed., ed. John W. Welch (Salt Lake City, UT: Deseret Book; Provo, UT: BYU Press, 2017), 123, data de tradução de Éter 3 25 de maio de 1829. Patrick A. Bishop, Day After Day: The Translation of the Book of Mormon, 2da. ed. (Salt Lake City, UT: Eborn Books, 2018), 101, data alguns dias antes de 21 de maio de 1829. Sobre a data de tradução do livro de Moisés, ver Kent P. Jackson, The Book of Moses and the Joseph Smith Translation (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 2005), p 3. 5. Para uma análise mais completa da encarnação de Deus nos primeiros estágios da Restauração, veja David L. Paulsen, "The Doctrine of Divine Embodiment: Restoration, Judeo-Christian, and Philosophical Perspectives", BYU Studies Quarterly 35, no. 4 (1995–1996): pp 9–39. Ver também Terryl L. Givens, Wrestling the Angel: The Foundations of Mormon Thought—Cosmos, God, Humanity (New York, NY: Oxford University Press, 2015), pp 89–95. Sobre o que Joseph sabia sobre o corpo de Deus após a Primeira Visão, ver John W. Welch, "When Did Joseph Smith Know that the Father and the Son Have Bodies as Tangible as Man’s?", BYU Studies Quarterly 59 no. 2 (2020): pp.298–310. 6. Ver Brant A. Gardner, Second Witness: Analytical and Contextual Commentary, 6 v. (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2007), 6:191–194; Aaron P. Schade e Matthew L. Bowen, The Book of Moses: From the Ancient of Days to the Latter Days (Salt Lake City, UT: Deseret Book; Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 2021), pp.134–137. 7. Para dois tratados muito recentes sobre o assunto, ver Charles Halton, A Human-Shaped God: Theology of an Embodied God (Louisville, KY: Westminster John Knox, 2021); Francesca Stavrakopoulou, God: An Anatomy (New York, NY: Alfred A. Knopf, 2022). Ver também Esther J. Hamori, "When Gods Were Men": The Embodied God in Biblical and Near Eastern Literature (New York, NY: Walter de Gruyter, 2008); Benjamin D. Sommer, The Bodies of God in the World of Ancient Israel (New York, NY: Cambridge University Press, 2009); Mark S. Smith, Where the Gods Are: Spatial Dimensions of the Anthropomorphism in the Biblical World (New Haven, CT: Yale University Press, 2016); Andreas Wagner, God’s Body: The Anthropomorphic God in the Old Testament (New York: T&T Clark, 2019). Para uma análise anterior do tema, mais filosófica/teológica do que histórico-crítica, ver E. LaB. Cherbonnier, "The Logic of Biblical Anthropomorphism", Harvard Theological Review 55, no. 3 (1962): pp.187–206. Posteriormente, Chebonnier discutiu a visão bíblica de um Deus antropomórfico (semelhante ao humano) com base nos ensinamentos dos Santos dos Últimos Dias sobre esse assunto. Ver Edmond LaB. Cherbonnier, "In Defense of Anthropomorphism", em Reflections on Mormonism: Judaeo-Christian Parallels, ed. Truman G. Madsen (Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1978), 155–171. 8. David Noel Freedman, "The Status and Role of Humanity in the Cosmos According to the Hebrew Bible", em On Human Nature: The Jerusalem Center Symposium, ed. Truman G. Madsen, David Noel Freedman y Pam Fox Kuhlken (Ann Arbor, MI: Pryor Pettengill Publishers, 2004), 16–17, conforme citado em Jeffrey M. Bradshaw, In God’s Image and Likeness 1: Creation, Fall, and the Story of Adam and Eve, ed. atualizada. (Salt Lake City, UT: Eborn Books, 2014), p.123, cf. pp 130–131 n° 2-28. 9. Halton, Human-Shaped God, p.78. 10. Sommer, Bodies of God, pp.69–70. 11. Ver Alon Goshen Gottstein, "The Body as Image of God in Rabbinic Literature", Harvard Theological Review 87, no. 2 (1994): pp.171–195; David L. Paulsen, "Early Christian Belief in a Corporeal Deity: Origen and Augustine as Reluctant Witnesses", Harvard Theological Review 83, no. 2 (1990): pp.105–116; Carl W. Griffin y David L. Paulsen, "Augustine and the Corporeality of God", Harvard Theological Review 95, no. 1 (2002): pp.97–118. 12. Paulsen, "Doctrine of Divine Embodiment", pp.41–79, é uma grande expansão de Paulsen, "A crença cristã primitiva em uma divindade corpórea". Paulsen também critica os argumentos filosóficos contra um Deus encarnado em Paulsen,"Doctrine of Divine Embodiment", pp 81–94, uma adaptação de David Paulsen, "Must God Be Incorporeal?", Faith and Philosophy 6, no. 1 (1989): pp.76–87. 13. Joseph Smith, Discourse, 7 April 1844, conforme relatado em Times and Seasons, August 15, 1844, 5:613, disponível em josephsmithpapers.org. Isto contrasta com Halton, Human-Shaped God, pp 18-22, no qual Halton, apesar de argumentar corretamente que Deus é encarnado, afirma que "uma compreensão precisa de Deus não é da maior importância" (p. 18). 14. Halton, Human-Shaped God, p.80. 15. Hugh B. Brown, "The Gospel Is for All Men", Conferência Geral, abril de 1969, disponível em Scripture.byu.edu. 16. Ver Wenham, "Gênesis", 39. 17. Ver Sommer, Bodies of God, 70. Catherine L. McDowell, The Image of God in the Garden of Eden: The Creation of Humankind in Genesis 2:5–3:24 in Light of the mīs pî pīt pî and wpt-r Rituals of Mesopotamia and Ancient Egypt (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 2015), argumenta que Gênesis 1-3 apresenta a criação da humanidade de uma forma que imita os rituais que cercam a criação de ídolos na Mesopotâmia e no Egito, implicando que os humanos ocupam o lugar como a verdadeira imagem de Deus. Ver também Catherine McDowell, "Human Identity and Purpose Redefined: Gen 1:26–28 and 2:5–25 in Context", Advances in Ancient Biblical and Near Eastern Research 1, no. 3 (2021): pp.29–44. Cf. Sommer, Bodies of God, pp.19–24. 18. Joseph Fielding Smith, "Our Concern for All Our Father’s Children", Conferência Geral, abril de 1970, disponível em Scripture.byu.edu.