KnoWhy #495 | Agosto 21, 2019

Por que o Livro de Mórmon fala da “Terra de Jerusalém”?

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Scripture Central

"E eu, Néfi, e meus irmãos empreendemos a viagem pelo deserto com nossas tendas, para subirmos à Terra de Jerusalém." 1 Néfi 3:9

O conhecimento

O Livro de Mórmon e a Bíblia são registros antigos que testificam de Jesus Cristo, porém, existem naturalmente diferenças e semelhanças entre essas duas histórias sagradas. Estudar algumas das diferenças, mesmo quando são menores ou sutis, pode ser interessante e esclarecedor, e às vezes, pode fortalecer o testemunho.

Tomemos, por exemplo, a frase ''Terra de Jerusalém'', que aparece cerca de 40 vezes no Livro de Mórmon, quase a metade aparecendo em 1 e 2 Néfi.1 No entanto, na Bíblia, Jerusalém nunca é representada como um território, apenas como uma cidade. Este fato certamente trouxe algumas críticas nos dias de Joseph Smith. Em 1838, um escritor opositor da Igreja dos Santos dos Últimos Dias insistiu: ''Não existe tal terra. Nenhuma parte da Palestina tem o nome de Jerusalém, exceto a própria cidade''.2

No entanto, hoje em dia fontes antigas confirmaram que Jerusalém era tanto uma cidade quanto um território.3 Como Hugh Nibley apontou há muito tempo, várias das cartas de Amarna se referem à ''Terra de Jerusalém''.4 Estas cartas representam a correspondência dos governadores de várias cidades-estados canaanitas para o faraó egípcio em meados do século XIV a.C., incluindo 6 de ʿAbdi-Ḫeba, governador de Jerusalém naquele tempo.5 ''Eis que'', escreveu ʿAbdi-Ḫeba, ''o rei [do Egito] colocou seu nome na Terra de Jerusalém para sempre, de modo que não pode deixar as terras de Jerusalém!''6

Nos Manuscritos do Mar Morto, uma história sobre Jeremias fala de cativos ''da Terra de Jerusalém'' sendo escoltados para a Babilônia.7 Embora a história em si provavelmente remonte ao século I a.C., ela se passa em 587 a.C., após a invasão final da Babilônia, e apresenta algumas semelhanças interessantes com os capítulos iniciais do Livro de Mórmon.8

Além dessa evidência para a expressão em si, evidências arqueológicas indicam que a frase Terra de Jerusalém reflete com precisão os padrões de assentamento específicos do tempo de Leí. No século VII a.C., ''Jerusalém estava localizada no centro de uma espécie de distrito, abrangendo a capital e sua periferia, incluindo a área agrícola dos moradores da cidade, bem como assentamentos satélites diretamente conectados à própria Jerusalém''.9 Esses assentamentos satélites produziam os artigos que eram enviados de volta à capital para atender às necessidades de sua crescente população.10

De acordo com Yigal Moyal e Avraham Faust, ''é possível tratar toda a região, inclusive os assentamentos "satélites", como parte do território de Jerusalém".11 O uso que Néfi faz da frase, Terra de Jerusalém, pode referir-se apropriadamente a essa ''periferia'' que cercava a cidade.

Significativamente, essas circunstâncias eram únicas no século VII a.C., ''Nunca na história da região'', explica Yuval Gadot, ''havia tantos locais de diferentes funções e tamanhos ao redor de Jerusalém''. A razão para este crescimento populacional em torno de Jerusalém, de acordo com Gadot, foi a devastação do campo da Judeia pelo exército assírio no final do século VIII a.C. ''Jerusalém sobreviveu, mas o assalto assírio teve um impacto devastador sobre o reino'', forçando as populações a se mudarem para as regiões imediatas ao redor de Jerusalém.12

Assim, como Robert Eisenman e Michael Wise observaram, a expressão Terra de Jerusalém na história sobre Jeremias nos Manuscritos do Mar Morto ''aumenta grandemente o senso de historicidade'' da narrativa, uma vez que naquela época Judá ''consistia em pouco mais do que Jerusalém e seus arredores''.13 Visto que Jeremias era contemporâneo de Leí, logicamente a frase Terra de Jerusalém ''fortalece grandemente'' também o ''sentido histórico'' do Livro de Mórmon.14

Manuscritos do Mar Morto expostos no Museu Arqueológico de Amã. Imagem via Wikimedia Commons. Pergaminhos do Mar Morto exibidos no Museu Arqueológico de Amã. Imagem via Wikimedia Commons

O porquê

É evidente que a diferença sutil entre as expressões bíblica e do Livro de Mórmon para Jerusalém não são, em si, de grande valor eterno. No entanto, dar atenção a essa pequena diferença oferece uma oportunidade de aprender mais sobre o mundo antigo de onde vieram os dois registros antigos, o que, por sua vez, pode nos ajudar a entender melhor os ensinamentos das escrituras em seu contexto. Como a arqueologia e as fontes antigas que corroboram o Livro de Mórmon só foram disponibilizadas recentemente, esse fato também fortalece nosso testemunho do Livro de Mórmon como uma testemunha confiável da verdade. Dedicar tempo à investigação paciente de outras diferenças, aparentemente mais significativas, das verdades históricas, doutrinárias e espirituais ensinadas por essas duas testemunhas de Cristo pode ser ainda mais esclarecedor. Tomem, por exemplo, a declaração de Alma de que o Salvador ''nascerá de Maria, em Jerusalém'' (Alma 7:10), em vez de Belém, como os evangelhos indicam (ver Mateus 2; Lucas 2). Alguns viram isso como uma grande contradição entre os testemunhos de Cristo encontrados no Livro de Mórmon e na Bíblia.

No entanto, a declaração completa de Alma refere-se a ''Jerusalém, que é a terra de nossos antepassados'', indicando que Alma tinha a terra em mente e não a cidade de Jerusalém. Em uma de suas cartas ao faraó, Abdi-Ḫeba mencionou "uma cidade na Terra de Jerusalém, que é chamada Bit-Lahmi", a quem o falecido W.F. Albright acreditava ser "uma referência quase certa à cidade de Belém".15 Além disso, um selo impresso do século VII a.C. de Belém foi encontrado em Jerusalém, indicando que era um dos "assentamentos satélites" dentro de Jerusalém, enviando seus bens excedentes para Jerusalém.16

Belém era evidentemente parte da ''Terra de Jerusalém'' na antiguidade. Ao invés de ver a declaração de Alma como uma grande contradição à Bíblia, pesquisas mais aprofundadas revelam que ela realmente representa uma compreensão precisa da relação de Belém com Jerusalém no tempo de Leí.17 Alma provavelmente usou uma referência mais generalizada porque o público do Novo Mundo não estaria familiarizado com ''as regiões circunvizinhas'' de Jerusalém (2 Néfi 25:1–6).

Graças ao testemunho adicional da arqueologia e outras fontes antigas, agora sabemos que tanto a Bíblia quanto o Livro de Mórmon compartilham um testemunho preciso do nascimento de Cristo de uma perspectiva antiga.

Leitura Complementar

Neal Rappleye, "Nephite History in Context 2: Special Issue", Studio et Quoque Fide (dezembro de 2017). Daniel C. Peterson, Matthew Roper e William J. Hamblin, ''On Alma 7:10 and the Birthplace of Jesus Christ'' (FARMS Papers, 1995). Gordon C. Thomasson, "Revisiting the Land of Jerusalem", em Pressing Forward with the Book of Mormon: The FARMS Updates of the 1990s, ed. John W. Welch e Melvin J. Thorne (Provo, UT: FARMS, 1999), pp. 139–141. Robert F. Smith, "The Land of Jerusalem: The Place of Jesus’ Birth", em Reexploring the Book of Mormon: A Decade of New Research, ed. John W. Welch (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1992), pp. 170–172.

1. Ver 1 Néfi, o cabeçalho; 1 Néfi 2:113:9–105:67:2,716:3517:14,20,22; 18:242 Néfi 1:1,3,9,3025:11Jacó 2:25,31-32Ômni 1:6Mosias 1:112:47:2010:12Alma 3:119:2210:322:936:29Helamã 5:67:78:2116:193 Néfi 5:2016:120:29Mórmon 3:18–19; e Éter 13:7Alma 24:1 usa a frase em referência a uma nova terra chamada Jerusalém pelos lamanitas posteriores. 2. Origen Bacheler, Mormonism Exposed Internally and Externally (New York, NY: 1838), p. 14. 3. Para uma discussão mais completa da expressão "Terra de Jerusalém" de uma perspectiva do Antigo Oriente Próximo, ver Daniel C. Peterson, Matthew Roper e William J. Hamblin, "On Alma 7:10 and the Birthplace of Jesus Christ" (FARMS Papers, 1995). 4. Ver W. F. Albright, trans. "The Amarna Letters", em The Ancient Near East: An Anthology of Texts and Pictures, ed. James B. Pritchard (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2011), pp. 437–440. Para ensaios mais relevantes, ver Neal Rappleye, ''Letters of 'Abdu' eba of Jerusalem (EA 285–290)'', Nephite History in Context 2 (December 2017): p. 7. Para a edição mais recente das cartas de Amarna, ver Anson F. Rainey, trans. The El-Amarna Correspondence: A New Edition of the Cuneiform Letters from the Site of El Amarna based on Collations of all Extent Tablets, 2 v., ed. William Schniedewind e Zipora Cochavi-Rainey (Boston, MA: Brill, 2015). Para o trabalho de Hugh Nibley sobre esse tópico, ver Hugh Nibley, Lehi in the Desert/The Word of the Jaredites/There Were Jaredites, The Collected Works of Hugh Nibley, Volume 5 (Salt Lake City and Provo, UT: Deseret Book and FARMS, 1988), pp. 6–7; Hugh Nibley, An Approach to the Book of Mormon, The Collected Works of Hugh Nibley, Volume 6 (Salt Lake City and Provo, UT: Deseret Book and FARMS, 1988), pp. 100–102. 5. Para obter informações sobre as cartas de Amarna, consulte Richard S. Hess, "Amarna Letters", em Eerdmans Dictionary of the Bible, ed. David Noel Freedman (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 2000), pp. 50–51; Nadav Națaman, "Amarna Letters", em Anchor Bible Dictionary, 6 v., ed. David Noel Freedman (New York, NY: Double Day, 1992), 1: pp. 174–181. 6. Albright, "The Amarna Letters", p. 438, ênfase adicionada. Ver também Rainey, El-Amarna Correspondence, 1113: "Vejam, o rei estabeleceu seu nome na Terra de Jerusalém para sempre e ele simplesmente não pode deixá-lo, ou seja, a cidade-estado de Jerusalém". William L. Moran, ed. e trans. The Amarna Letters (Baltimore, MD: Johns Hopkins University Press, 1992), p. 328: ''Como o rei colocou seu nome em Jerusalém para sempre, ele não pode abandoná-la — a Terra de Jerusalém''. 7. Ver Kipp Davis, The Cave 4 Apocryphon of Jeremiah and the Qumran Jeremianic Traditions: Prophetic Persona and the Construction of Community Identity (Boston, MA: Brill, 2014), p. 132, ênfase adicionada. Para o trecho relevante, ver Neal Rappleye, ''Apocryphon of Jeremiah (4Q385a)'', Nephite History in Context 2 (dezembro de 2017): p. 2. 8. Ver Rappleye, "Apocryphon of Jeremiah (4Q385a)", pp. 2–3. 9. Nadav Naʾaman, "Josiah and the Kingdom of Judah", em Good Kings and Bad Kings: The Kingdom of Judah in the Seventh Century BCE, ed. Lester L. Grabbe (New York, NY: T&T Clark, 2005), pp. 198–199. Ver também Robert F. Smith, "The Land of Jerusalem: The Place of Jesus’ Birth", em Reexploring the Book of Mormon: A Decade of New Research, ed. John W. Welch (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1992), pp. 170–172.

10. Yigal Moyal e Avraham Faust, "Jerusalem’s Hinterland in the Eighth-Seventh Centuries BCE: Towns, Villages, Farmsteads, and Royal Estates", Palestine Exploration Quarterly 147, no. 4 (2015): p. 284: ''Essas fazendas, juntamente com outros assentamentos rurais, distribuíam seus excedentes agrícolas para aldeias próximas e principalmente para Jerusalém. Este último serviu naturalmente como um centro administrativo, social e religioso para toda a região''. 11. Moyal e Faust, "Jerusalem's Hinterland", p. 284. A expressão de Jeremias, ''Jerusalém e contra as cidades de Judá'' (Jeremias 34:1 VRV 1960), parece refletir essa situação. 12. Yuval Gadot, "In the Valley of the King: Jerusalem’s Rural Hinterland in the 8th–4th Centuries BCE", Tel Aviv: Journal of the Institute of Archaeology of Tel Aviv University 42, no. 1 (2015): pp. 17–18. 13. Robert Eisenman e Michael Wise, The Dead Sea Scrolls Uncovered: The First Complete Translation and Interpretation of 50 Key Documents withheld for over 35 Years (Rockport, MA: Element, 1992), p. 57. 14. Ver Gordon C. Thomasson, "Revisiting the Land of Jerusalem", em Pressing Forward with the Book of Mormon: The FARMS Updates of the 1990s, ed. John W. Welch e Melvin J. Thorne (Provo, UT: FARMS, 1999), pp. 139–141.

15.  Albright, "Amarna Letters", p. 440 n.15. Enquanto outros têm discutido essa conexão, muitos estudiosos bíblicos ainda aceitam a identificação. Ver, por exemplo, Markus Bockmuehl, This Jesus: Martyr, Lord, Messiah (New York, NY: T&T Clark, 2004), p. 25; Eugen J. Pentiuc, Jesus the Messiah in the Hebrew Bible (New York/Mahwah, NJ: Paulist Press, 2006), p. 137 n.67; Denis Baly, "Bethlehem", em HarperCollins Bible Dictionary, rev. e atualizado, ed. Mark Allen Powell (New York, NY: HarperOne, 2011), p. 92; Jerome Murphy-O’Connor, Keys to Jerusalem: Collected Essays (New York, NY: Oxford University Press, 2012), p. 5. 16. Ver Ronny Reich, "A Fiscal Bulla from the City of David", Israel Exploration Journal 62, no. 2 (2012): pp. 200–205; Martin Heide, "Some Notes on the Epigraphical Features of the Phoenician and Hebrew Fiscal Bullae", em Recording New Epigraphic Evidence: Essays in Honor of Robert Deutsch on the Occasion of his 65th Birthday, ed. Meir Lubetski e Edith Lubetski (Jerusalém: Leshon Limudim, 2015), p. 72. Ver também Neal Rappleye, ''Bethlehem Bulla'', Nephite History in Context 2 (dezembro de 2017): pp. 14–17. 17. Ver Neal Rappleye, "Why Did Alma Say Christ Would Be Born in Jerusalem? Surprising Evidence of the Book of Mormon'', LDS Living, 21 de dezembro de 2017, disponível em ldsliving.org.

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