KnoWhy #173 | Novembro 2, 2024

Por que o servo de Helamã estava justificado ao matar Quiscúmen?

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Scripture Central

"[M]as eis que, ao se encaminharem para a cadeira de juiz, o servo de Helamã apunhalou Quiscúmen no coração, de modo que ele caiu morto sem um gemido." Helamã 2:9

O conhecimento

Pouco depois do assassinato do juiz supremo Paorã e da morte de seu filho Pacumêni, Helamã, filho do capitão Helamã, foi nomeado juiz supremo (Helamã 2:2).1 Mas a posição estava se tornando cada vez mais perigosa. Persuadido pela lisonja de "um certo Gadiânton, que era sobremaneira hábil no falar" (Helamã 2:4), Quiscúmen,2 que assassinou Paorã, "se dirigia para a cadeira de juiz a fim de destruir Helamã" também (v. 6). Justamente quando ele estava prestes a assassinar Helamã, um dos servos do juiz supremo, ao descobrir a trama, esfaqueou "Quiscúmen no coração, de modo que ele caiu morto sem um gemido" (v. 9). Esta história pode ser chocante para muitos leitores, que poderiam esperar que o servo fizesse Quiscúmen prisioneiro para que ele pudesse ser julgado. Em uma situação anterior, Mórmon sentiu a necessidade de explicar por que os soldados inimigos foram detidos sem julgamento, mas não deu nenhuma explicação para este caso.3 No entanto, uma interpretação cuidadosa da narrativa de Mórmon sugere que ele viu a morte de Quiscúmen como uma decisão correta. Em Helamã 2 em inglês, Mórmon usa uma frase que raramente é encontrada no registro: "out by night" ("sair à noite" em português). Essa frase aparece apenas três vezes no Livro de Mórmon em inglês, quando Néfi matou Labão (1 Néfi 4:22; "durante a noite" em português), quando Teâncum matou Amaliquias (Alma 51:33; "depois de anoitecer" em português) e pouco antes do servo de Helamã matar Quiscúmen (Helamã 2:6). Os antigos autores israelitas frequentemente usavam palavras ou frases específicas como esta, de uma história anterior como referência.4 [caption id="attachment_4759" align= "alignleft" width= "400"]A Morte de Amaliquias, por Minerva Teichert. A Morte de Amaliquias, de Minerva Teichert.[/caption] A comparação das histórias conectadas, permite que o leitor use as informações da primeira história para responder perguntas sobre a segunda.5 Assumindo que Mórmon usou essa técnica literária antiga, as histórias de Néfi e Teâncum podem explicar por que o servo de Helamã matou Quiscúmen em vez de levá-lo prisioneiro. Em Alma 51:33-34, por exemplo, quando Teâncum saiu "depois de anoitecer", ele matou Amaliquias tão silenciosamente "que não chegou a despertar seus servos". E ele fez isso apunhalando-o no coração.6 O servo de Helamã também apunhalou Quiscúmen no "coração", matando-o tão silenciosamente "que ele caiu morto sem um gemido" (Helamã 2:9). Essa comparação sugere que Quiscúmen teve que ser morto porque uma tentativa de capturá-lo teria sido barulhenta o suficiente para alertar seus amigos. Assim como qualquer coisa além de uma morte silenciosa teria despertado os servos de Amaliquias (cf. Alma 62:36). Esta conclusão é apoiada pelo fato de que Quiscúmen fazia parte de uma combinação secreta. Ao tratar de uma sociedade secreta, nunca se sabe quem faz parte da conspiração e quem não faz.7 Na antiga Assíria, quando um dos servos do rei tentou expor uma conspiração contra ele, informou a um homem que era um dos assassinos, sendo morto pouco depois.8 [caption id="attachment_4760" align= "alignright" width= "400"]"Obedeci à Voz do Espírito", de Walter Rane. "Obedeci à Voz do Espírito", de Walter Rane.[/caption] Essa ameaça pode explicar por que o servo de Helamã não havia incapacitado e levado Quiscúmen a julgamento. Era impossível saber quantas pessoas estavam envolvidas na conspiração, e um co-conspirador poderia estar à espreita em qualquer lugar. A única coisa certa era matar Quiscúmen silenciosamente, de tal forma que sua morte não alertasse ninguém por perto.9 Em comparação com 1 Néfi 4, que também usa a frase "out by night" ("durante a noite" em português), pode ser esclarecedor. Quando Néfi encontrou Labão, o Espírito compeliu Néfi a matá-lo. Quando Néfi resistiu, o Espírito disse novamente a Néfi: "Mata-o, pois o Senhor entregou-o em tuas mãos" (1 Néfi 4:12, ênfase adicionada). Essa justificativa pode se referir a Êxodo 21:13 (ênfase adicionada), que afirma que é aceitável matar alguém se "não lhe armou ciladas, mas Deus o entregou nas suas mãos".10 A notável semelhança entre esses textos indica que o Espírito estava legalmente autorizando Néfi a matar Labão.11 Da mesma forma, Mórmon pode ter sugerido que a morte de Quiscúmen também era legal. Mórmon observou especificamente que o servo de Helamã só matou Quiscúmen após ouvir da sua boca "que seu objetivo era matar; e de que o objetivo dos que pertenciam ao seu bando era matar e roubar e obter poder" (Helamã 2:8).12 Simplesmente tornar-se parte de uma conspiração para derrubar o governo parece ter sido ilegal durante este período.13 Assim, o servo de Helamã poderia legalmente matar Quiscúmen como um traidor.

O porquê

O Livro de Mórmon às vezes contém detalhes que podem ser confusos ou incertos para os leitores modernos. Isso ocorre porque os textos antigos foram escritos em um estilo diferente do que a maioria dos livros de hoje. O estudioso literário israelita Hermann Gunkel observou: "Em muitas situações em que o escritor moderno esperaria uma análise psicológica", o antigo autor israelita "apenas apresenta uma ação".14 Por essa razão, os leitores modernos podem entender melhor o livro se lerem atentamente as palavras exatas do autor e onde mais ele disse essas palavras.

Quiscúmen, por James Fullmer Quiscúmen, por James Fullmer
Essa antiga técnica literária de usar uma história anterior para explicar uma história posterior revela uma justificativa moral maior para as ações do servo. O Espírito fez finalmente com que Néfi matasse Labão ao dizer: "Melhor é que pereça um homem do que uma nação degenere e pereça na incredulidade" (1 Néfi 4:13). Mórmon provavelmente esperava que seus leitores reconhecessem que o motivo do servo ao matar Quiscúmen era semelhante às razões pelas quais Néfi matou Labão: era melhor que Quiscúmen morresse do que deixar a nação nefita degenerar e perecer na incredulidade por ter um bando de ladrões com poder.15 Uma passagem em Helamã 2:8-9 reforça essa noção (ênfase adicionada): "E quando o servo de Helamã se inteirou das intenções de Quiscúmen […] o servo de Helamã apunhalou Quiscúmen no coração". Sabendo que o coração perverso de Quiscúmen e seu bando corromperia os nefitas, o servo esfaqueou Quiscúmen em seu coração — o mesmo coração maligno mencionado por Mórmon. As pessoas que desejam compreender melhor o Livro de Mórmon têm muitos recursos bons à sua disposição, um dos melhores recursos é o próprio livro. Se os leitores se lembrarem de que podem usar uma parte do Livro de Mórmon para explicar outra parte mais confusa do livro, isso ajudará os leitores de várias maneiras. Ao se colocarem em verdadeiras situações relatadas no livro, e se entenderem os hábitos de escrita dos autores e sintetizadores, entenderão sua mensagem com mais clareza. Tudo isso ajuda a afirmar a justiça e a equidade deste verdadeiro testamento de nosso Senhor e legislador, Jesus Cristo.

Leitura Complementar

John W. Welch, The Legal Cases in the Book of Mormon (Provo, UT: BYU Press and the Neal A. Maxwell Institute for Religious Scholarship, 2008), pp. 139–209. John W. Welch, "Legal Perspectives on the Slaying of Laban ", Journal of Book of Mormon Studies 1, no. (0.45, 0.76)

1. Ver o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Como um vazio na liderança era algo perigoso para os nefitas? (Helamã 1:2)", KnoWhy 172. 2. "[À] primeira vista, este nome pode parecer de origem jaredita, já que começa com um elemento presente exclusivamente nos nomes jareditas: "kish" ("Quiscúmen" em inglês é "Kishkumen"). No entanto, o nome pessoal na escritura bíblica KISH e a observação de que o elemento KUMEN e nomes com elementos semelhantes, KUMEN (nome pessoal Lehita), KUMENONHI (nome pessoal Lehita), CUMENI (nome geográfico Lehita) e CUMENIHAH (nome pessoal Lehita) não parecem ser JAREDITAS, sugerindo que KISHKUMEN (Quiscúmen) é Lehita". No entanto, ainda existe a possibilidade de que isso esteja relacionado ao nome jaredita Kish: "O nome KISH é conhecido de várias fontes antigas do Oriente Próximo: o nome pessoal bíblico qīš (JAT), o nome geográfico Suméria Quis, *Akkadian Kiššatu, o nome de uma cidade no centro-norte da Mesopotâmia (RFS), e a cidade perto de *Ebla, giš (JAT). Nibley também observa que akish é o nome egípcio-hitita para Cyprus (ABM, 238)". Para o significado de abreviações, consulte https://onoma.lib.byu.edu/index.php/Abreviações. O nome pode vir do hebraico para "arco" ou "chifre", ou do semítico "palha, forragem". Ver "Kish", Book of Mormon Onomasticon, ed. Paul Y. Hoskisson; "Kishkumen", Book of Mormon Onomasticon. 3. Ver Alma 51:19: "E aconteceu que era quatro mil o número dos dissidentes derrubados pela espada; e os seus chefes que não morreram na luta foram levados para a prisão, porque naquele momento não havia tempo para julgá-los". 4. Não importa onde na história a frase apareça ou a que se refira, a mera presença da frase mostra que uma história deve ser lida com base em outra. Ver Peter J. Leithart, Deep Exegesis: The Mystery of Reading Scripture (Waco, TX: Baylor University Press, 2009), pp. 109–115; Phyllis A. Bird, Missing Persons and Mistaken Identities: Women and Gender in Ancient Israel (Minneapolis, MN: Augsburg Fortress, 1997), p. 198; H. G. M. Williamson, "Isaiah 62:4 and the Problem of Inner-Biblical Allusions", Journal of Biblical Literature 119 (2000): pp. 734–739. 5. Yairah Amit, Hidden Polemics in Biblical Narrative, trad. Jonathan Chipman, BibInt 25 (Leiden: Brill, 2000), p. 42. 6. Ver Alma 51:34. 7. John W. Welch, The Legal Cases in the Book of Mormon (Provo, UT: Brigham Young University Press and the Neal A. Maxwell Institute for Religious Scholarship, 2008), p. 319. 8. Frances Reynolds, The Babylonian Correspondence of Esarhaddon and Letters to Assurbanipal and Sin-šarru-iškun from Northern and Central Babylonia (SAA 18; Helsinki: Helsinki University Press, 2003), p. 82. Disponível online através do SAAO: State Archives of Assyria online "SAA 18 100: Your Son Will Kill You! (ABL 1091)": "Quando eles ouviram sobre o [tratado] de rebelião que […], um [deles] apelou ao rei antes de […] Nabû-šuma-iškun e Si[llaya] vieram e perguntaram: 'Sobre o que é sua petição ao rei?' Ele (respondeu): 'Aqui é Arda-[Mullissi]'. Eles cobriram o rosto dele com a capa e o fizeram ficar diante [do próprio Arda-Mullissi] dizendo: 'Olha! [Seu recurso] está sendo concedido, diga com sua própria boca!' Ele disse: 'Seu filho Arda-[Mullissi] vai matá-lo'. Eles descobriram o rosto dele, e depois que Arda-Mu[llissi] o interrogou, [eles]" parecem então matar o servo e sua família. 9. Também é possível que Quiscúmen tenha sido um oponente formidável. Ao tentar incapacitar Quiscúmen, o servo de Helamã poderia ter sido ferido ou morto, e Helamã teria sido morto pouco depois. Matar Quiscúmen rapidamente pode ter sido a única maneira de salvar Helamã. Além disso, o servo não podia deixar Quiscúmen de alguma forma avisar outros guardas, porque então ele o teria perdido. Como Quiscúmen estava a caminho de matar Helamã, o servo talvez não tivesse muito tempo para avisar mais ninguém sobre o plano. A única opção do servo era matar Quiscúmen. 10. 1 Samuel 17:46 tem mais paralelos verbais do que Êxodo, mas em ambos os casos, a história em 1 Néfi mostra uma boa justificativa para tal ação. Ver Ben McGuire, "Nephi and Goliath: A Case Study of Literary Allusion in the Book of Mormon", Journal of the Book of Mormon and Other Restoration Scripture 18/1 (2009): pp. 16–31. 11. Ver John W. Welch, "Legal Perspectives on the Slaying of Laban", Journal of Book of Mormon Studies 1, no. 1 (1992): p. 133. 12. Geralmente, duas testemunhas eram necessárias antes de uma condenação, mas os rabinos concluíram que essa lei não se aplicava no caso de confissões extrajudiciais e quando as provas estão fisicamente presentes. Assim, se essa decisão rabínica realmente remonta a tempos anteriores, é possível que ela esteja sendo refletida aqui, porque a arma potencial do assassino provavelmente estava presente (na posse de Quiscúmen) neste momento, e porque ele confessou fora de um tribunal sem ser pressionado. Algo pode ser visto aqui em relação a Josué 7:20-21, quando um homem chamado Acã se condenou confessando que havia feito algo digno de morte e foi sumariamente executado. O caso de Quiscúmen é semelhante a este em alguns aspectos. Ver Welch, Legal Cases, pp. 332–333. 13. Ver Welch, Legal Cases, p. 319: "Aparentemente, esses conspiradores juramentados — como ladrões ou criminosos que se colocaram fora da lei e, portanto, não tinham direito a suas proteções (compare a execução sumária do ladrão Zemnaria em 3 Néfi 4:28) — eram irrefutavelmente culpados de prendê-los. Novamente, a lei exigia mais do que uma mera intenção de ser satisfeita pelo próprio juramento do conspirador". 14. Hermann Gunkel, The Legends of Genesis: The Biblical Saga and History, trad. W. H. Carruth (New York, NY: Schocken Books, 1975), pp. 60–61. 15. Ver o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Como um vazio na liderança era algo perigoso para os nefitas? (Helamã 1:2)", KnoWhy 172.