KnoWhy #110 | Maio 16, 2017
Por que os profetas do Livro de Mórmon não incentivavam o casamento entre nefitas e lamanitas?
Postagem contribuída por
Scripture Central
“E isto foi feito para que sua semente pudesse ser distinguida da semente de seus irmãos, para que assim o Senhor Deus preservasse seu povo, a fim de que não se misturasse nem acreditasse em tradições incorretas que causariam sua destruição"
O conhecimento
Apostasia e rebelião marcam a abertura do livro de Alma. Em Alma 2-3, um dissidente chamado Anlici havia "por sua astúcia, atraído muita gente". Como grupo, "começaram a esforçar-se para fazer de Anlici rei do povo". (Alma 2:2). Anlici era um seguidor dos ensinamentos apóstatas de Neor, o "homem que matara Gideão com a espada" (v. 1).
Por meio de sua astúcia, Anlici atraiu muitos nefitas para a apostasia e a rebelião política, resultando em uma crise nacional. Os nefitas, sob o comando de Alma, o filho, de repente enfrentaram uma aliança sangrenta entre lamanitas e anlicitas em uma guerra declarada (v.24). Os nefitas acabaram prevalecendo, mas somente após uma "grande carnificina", que incluiu a morte de Anlici pelas mãos de Alma (v.18-38).
Nesse contexto, Mórmon discute a natureza da "maldição" lamanita em Alma 3. Após detalhar os trajes de guerra lamanita, Mórmon explicou: "a pele dos lamanitas era escura, por causa do sinal que havia sido posto em seus pais como um anátema pela transgressão e rebeldia deles contra seus irmãos, que eram Néfi, Jacó e José e Sam, que foram homens justos e santos" (Alma 3:5-6).
Mórmon esclareceu que essa maldição era o resultado de seu caráter violento e rebelde (v.7). Mórmon especifica que isso foi feito "para que sua semente pudesse ser distinguida da semente de seus irmãos, para que assim o Senhor Deus preservasse seu povo, a fim de que não se misturasse nem acreditasse em tradições incorretas que causariam sua destruição" (v.8).
Dessa forma, Mórmon parecia abordar a questão da marca e da maldição lamanita em termos de identidade religiosa e cultural, e não de pigmentação da pele. "Portanto, os que se deixaram levar pelos lamanitas foram chamados por esse nome e foi-lhes posto um sinal" (v.10). Por outro lado, "aqueles que não acreditaram nas tradições dos lamanitas […] foram chamados nefitas ou povo de Néfi" (v.11).
A maldição permaneceria sobre os lamanitas "a menos que se arrependam de suas iniquidades" e se voltassem para o Senhor (v.14). De fato, há flexibilidade na identidade religiosa e cultural nefita-lamanita e nas bênçãos e maldições associadas a ela. Assim, o Senhor prometeu: "aquele que se apartar de ti já não será chamado tua semente; e abençoar-te-ei, assim como a todos os que forem chamados tua semente, de hoje em diante e para sempre" (v.17).
Tomado na totalidade, Alma 3 aparenta esclarecer os seguintes aspectos sobre a natureza da maldição lamanita. Primeiro, a "maldição" dos lamanitas incluía não apenas o "sinal" distintivo da "pele" escura, o desfecho definitivo de que eles acreditariam "em tradições incorretas que causariam sua destruição" (isto é, julgamento divino).
Segundo, as "peles" escuras em questão possivelmente eram peças de vestuário, e não pele. Isso é visto na aparente descrição de Mórmon das "peles" que eram trajes usadas pelos lamanitas.1
Terceiro, a maldição não foi fixada indefinidamente, mas era tão fluida quanto a identidade religiosa e cultural de "nefitas" e "lamanitas". Aqueles que se separaram dos nefitas e se tornaram lamanitas, seja por casamento ou apostasia, herdaram a maldição, enquanto os lamanitas que se arrependeram e se voltaram para o Senhor foram salvos da maldição.
O porquê
Conforme explorado em um KnoWhy anterior, a questão da identidade racial e étnica no Livro de Mórmon é complexa.2 Os leitores devem evitar abordagens simplistas que não apreciem as nuances das antigas percepções culturais, religiosas, raciais e étnicas. Os leitores estão sujeitos a uma leitura completamente equivocada do registro nefita se usarem atitudes ou perspectivas modernas sobre raça e multiculturalismo de forma acrítica e negligente. Leituras ruins prestam um grande desserviço àqueles que desejam uma imagem mais completa e precisa da cultura nefita e lamanita.
Por exemplo, seria muito fácil afirmar que o Livro de Mórmon é racista ou que despreza uma pessoa ou grupo com base na pigmentação da pele. Se lido de forma acrítica, Alma 3 poderia ser visto como uma afirmação de que a pigmentação da pele escura é um sinal de punição divina, ou como uma desaprovação a qualquer tipo de exogamia (casamento fora de um grupo cultural ou racial) ou casamento misto. No entanto, isso não leva em conta o contexto de Alma 3.
Neste ponto da história nefita, os conflitos étnicos e religiosos entre os nefitas e os lamanitas-anlicitas eram tão graves que resultaram em guerra e derramamento de sangue. Foi um momento politicamente vulnerável para o povo nefita, que estava passando por algo inédito, de uma monarquia para um governo de juízes (Mosias 29).3 O assassino Neor e seus seguidores exacerbaram as inseguranças de uma mudança de regime, explorando a situação para promover seus fins apóstatas, atormentando os nefitas com perseguições, artimanhas sacerdotais e outros crimes (Alma 1). Tendo herdado os ensinamentos de Neor, a tendência à violência, e na esperança de derrubar os juízes nefitas e retornar à monarquia, Anlici e seus seguidores levaram a tolerância nefita ao limite, quando se uniram aos lamanitas.
Do ponto de vista nefita, portanto, o casamento com os lamanitas ou anlicitas em um período de guerra teria sido impensável. É possível que isso tenha sido visto como uma forma de traição ou como uma demonstração de apoio a Anlici e sua tentativa de golpe contra o governo nefita. Para garantir a sobrevivência nacional, a exogamia estava fora de questão. Os nefitas teriam que se unir para derrotar essa nova ameaça.
A relutância nefita em relação à exogamia também faz sentido à luz da antiga cultura matrimonial israelita. Em um momento igualmente volátil de sua história, os filhos de Israel foram proibidos de se casar com as canaanitas quando foram retomar a terra prometida, para que não abandonassem seus convênios com o Senhor. "[P]ara as derrotar [...] [N]ão farás aliança com elas, nem terás piedade delas" o Senhor lhes ordenou, enquanto os israelitas e cananeus estavam em guerra. "Nem te aparentarás com elas; não darás tuas filhas a seus filhos, e não tomarás suas filhas para teus filhos" (Deuteronômio 7:2-3).
O sucessor de Moisés, Josué, repetiu essa proibição, advertindo que o casamento com cananeus, ou outros que não fossem israelitas, resultaria em "laço e rede" para os israelitas (Josué 23:11-13). Essa advertência foi feita muito antes da conquista israelita de Canaã, pois o Senhor, sem dúvida, pois o Senhor sem dúvida previu os possíveis problemas que a semente de Abraão enfrentaria (Gênesis 24:3; 26:34-35; 27:46; 28:6-9).
Para deixar claro, isso não quer dizer que o casamento inter-racial ou intercultural seja inerentemente pecaminoso ou perigoso.4 Se assim fosse, as promessas do Senhor aos lamanitas arrependidos que foram reintegrados aos nefitas seriam contraproducentes. Em vez disso, os leitores devem reconhecer que o Livro de Mórmon descreve casos em que os casamentos inter-culturais eram inconvenientes devido a momentos específicos de tensão política, conflito étnico, disputa intercultural e guerra direta entre os nefitas e os lamanitas.
Como disse um estudioso do Livro de Mórmon, "a proibição de matrimônios mistos" em Alma 3 era "para proteger os nefitas dessas perigosas tradições falsas". Está claro que "o perigo contra o qual os profetas do Livro de Mórmon admoestaram [não era] o problema de origem, mas o apelo da cultura. Adotar o que se tornou o modo de vida lamanita destruiria os ideais culturais nefitas". Isso incluía valores lamanitas envolvendo "reis, estratificação social e roupas finas" que teriam minado o ideal "igualitário nefita".5
Embora os princípios do Evangelho de Jesus Cristo, encontrados no Livro de Mórmon, sejam atemporais, alguns de seus outros ensinamentos são, na maioria, escritos em contextos históricos específicos. Esses contextos devem servir como guias interpretativos, especificamente para ensinamentos que podem perturbar os leitores modernos. Afinal, Mórmon, como guardião dos registros, estava tentando dar sentido à história nefita reagindo a eventos específicos e interpondo razões teológicas e morais para compreender essas ocorrências. Para discernir o que o Livro de Mórmon ensina sobre vários tópicos, incluindo identidade racial e étnica, é, portanto, essencial que os leitores analisem cuidadosamente o contexto subjacente à reconstrução da história de seu povo.
Leitura Complementar
Central do Livro de Mórmon, "O que significa ser um povo "puro e agradável"? (2 Néfi 30:6)", KnoWhy 57 (11 de março de 2017). Ethan Sprout, "Skins as Garments in the Book of Mormon: A Textual Exegesis", Journal of Book of Mormon Studies 24 (2015): pp. 138–165. Hugh Nibley, Since Cumorah, The Collected Works of Hugh Nibley: Volume 7 (Salt Lake City, UT e Provo, UT: Deseret Book and FARMS, 1988), pp. 215–220.1. Ethan Sprout, "Skins as Garments in the Book of Mormon: A Textual Exegesis", Journal of Book of Mormon Studies 24 (2015): pp. 138–165, esp. 158–163. 2.Central do Livro de Mórmon, "O que significa ser um povo "puro e agradável"? (2 Néfi 30:6)", KnoWhy 57 (11 de março 2017). 3. Nesta transição, ver o artigo da Central do Livro de Mórmon, "Como os juízes eram eleitos no Livro de Mórmon? (Mosias 29:39)", KnoWhy 107 (12 de maio 2017). 4. A Igreja hoje "rejeita" qualquer ensinamento de que "casamentos mistos são um pecado". Ver "As etnias e o sacerdócio", disponível em LDS.org. 5. Brant A. Gardner, Second Witness: Analytical and Contextual Commentary on the Book of Mormon, 6 v. (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2007), 4: p. 457.