KnoWhy #125 | Agosto 20, 2020

Por que os servos presentearam Lamôni com os braços de seus inimigos?

Postagem contribuída por

 

Scripture Central

"[Os servos] dirigiram-se todos então à presença do rei, carregando os braços daqueles que haviam procurado matá-lo e que haviam sido cortados pela espada de Amon; e foram levados ao rei como testemunho das coisas que haviam feito"

O conhecimento

Hugh Nibley observou: "Todo o assunto nas águas de Sébus deve parecer muito estranho para qualquer um".1 Poucos detalhes são mais estranhos, talvez, do que imaginar os servos de Amon trazendo uma pilha de braços decepados para apresentar ao rei. Amon "não matou ninguém com a espada, a não ser seu líder" (Alma 17:38)2, mas "com sua espada Amon cortou o braço" de cada um com aparentemente um único golpe (v.37).3 Os servos então diligentemente "dirigiram-se todos então à presença do rei, carregando os braços [...] como testemunho das coisas que haviam feito" (v.39). Um leitor recente propôs que "braços" devem ser interpretadas como armas.4 Em parte porque "a imagem de um servo arrastando uma bolsa encharcada de sangue pelo chão do palácio do rei para mostrar a ele os membros sagrados amputados de seus inimigos parece um tanto fantasiosa".5 No entanto, um par de estudiosos santos dos últimos dias observou há muito tempo que "a prática de cortar os braços ou outras partes do corpo de inimigos, especificamente como testemunho da conquista de vítimas, é atestada no antigo Oriente Próximo".6 As partes do corpo cortadas (geralmente cabeças ou mãos) seriam então "enviadas como evidência e troféus de sucesso" de um guerreiro em batalha. Representações antigas7 mostram soldados "empilhando-os como sinal de triunfo", a fim de manter uma conta de todos os mortos ou autorizar o pagamento a mercenários. Este foi, segundo os estudiosos bíblicos Cyrus Gordon e Gary Rendsburg, "um procedimento de rotina em todo o antigo Oriente Próximo" e "simbolizava a vitória na batalha".8 Recentes escavações arqueológicas no Egito encontraram poços nas proximidades de um palácio dos hicsos, contendo mais de uma dúzia de mãos direitas, esses poços foram declarados pelo famoso arqueólogo e egiptólogo Manfred Bietak, como evidência da cerimônia de "ouro por bravura", na qual os soldados apresentavam as mãos dos inimigos conquistados e recebiam ouro como recompensa.9 Juízes 7:25 e 8:6 indicam que os primeiros israelitas se envolveram em tais práticas, que são bem atestadas nas fontes egípcias, cananeias e mesopotâmicas.10 [caption id="attachment_5940" align= "alignleft" width= "400"] Templo Medinet Habu, "Pilhas de Mãos", foto de Steven C. Price, imagem via Wikimedia Commons.[/caption] Mudando para o Novo Mundo11, no Popul Vuh, as antigas tradições dos maias-Quiché12, os míticos gêmeos heróis lutam contra o pássaro demoníaco Vucub Caquix. Durante o conflito, um dos gêmeos tentou pegar Vucub Caquix, "mas, em vez disso, Vucub Caquix arrancou o braço" do gêmeo, foi para casa e "pendurou o braço" sobre o fogo, "até que [os gêmeos] vieram recuperá-lo".13 Esta história é retratada na Estela 25 de Izapa, com o braço decepado de um herói gêmeo, datando de 300 a 50 a.C..14 Um vaso maia clássico (ca. 250 d.C. – 900 d.C.) também retrata um recipiente com braços e outros restos humanos oferecidos a uma divindade. As antropólogas Ana Luisa Izquierdo y de la Cueva e María Elena Vega Villalobos afirmam que essa cena é uma representação dos "triunfos sobre os inimigos".15 Embora mitológicos, esses exemplos provavelmente refletem as verdadeiras atitudes e práticas maias na guerra e no conflito. Embora muito depois do tempo de Amon, também há algumas indicações de práticas semelhantes entre os astecas.16 No relato da conquista mexicana deixada pelo conquistador Bernal Díaz, "os guerreiros astecas erguiam os braços decepados das vítimas enquanto zombavam e ameaçavam os espanhóis e seus aliados nativos ao seu alcance".17 Díaz afirmou especificamente que os astecas "jogaram neles as pernas assadas dos índios e os braços de nossos soldados" e zombaram: "Comam a carne de [...] vossos irmãos".18 Como no antigo Oriente Próximo, essas fontes astecas e maias descrevem os braços decepados de um inimigo como "um troféu de sua bravura".19 Os membros eram usados para mostrar suas proezas como guerreiros, zombar de seus inimigos e demonstrar sua bravura e realizações.

O porquê

À luz dessas antigas práticas do Oriente Próximo e da Mesoamérica, os servos que carregam braços decepados para o rei Lamôni como "prova" dos eventos que testemunharam, parecem muito menos fantasiosos do que à primeira vista. Em vez disso, parece que "os servos atônitos do rei Lamôni, que carregavam os braços que Amon havia cortado do rei", estavam agindo convencionalmente, conforme o costume.20 Sem surpresa, a pilha de "troféus de guerra" impressionou muito o rei Lamôni. Ele ficou "muito espantado" ao ponto de suspeitar que Amon era "mais do que um homem" (Alma 18:2). Os servos estavam convencidos de que "não pod[ia] ser morto pelos inimigos do rei" (v.3). A parte incomum da história é que o próprio Amon não pegou os braços para o rei para provar que ele era um grande guerreiro. Como Robert L. Millet e Joseph Fielding McConkie observaram: "Amon, cujo poder foi enviado do céu, não buscou honra para si mesmo".21 Esse fato se torna ainda mais evidente à medida que ele entende a honra e a glória que pode ter buscado com os braços de seus inimigos como prova de sua grande força. Como John Lundquist e John Welch consideram, "que a evidência foi apresentada ao rei, o que lhe poderia ter dado direito ao pagamento, aumenta ainda mais o fato de que Amon não buscou reconhecimento nem recompensa".22 Com esse contexto em mente, as próprias palavras de Amon a seu irmão Aarão, assumem um significado maior: "Não me vanglorio de minha própria força [...] mas gloriar-me-ei em meu Deus" (Alma 26:11-12). Amon teve uma grande oportunidade de se gabar de sua própria força após o episódio nas águas de Sébus. Em vez disso, Amon continuou a fazer o que lhe havia sido dito, alimentando os cavalos do rei, o que impressionou ainda mais o rei Lamôni (Alma 18:9-11). As bênçãos do Senhor foram derramadas sobre Amon porque ele reconheceu a mão de Deus em todas as coisas. Sua humildade, combinada com o poderoso impacto dessas armas como prova inegável de sua grandeza em suas expectativas culturais, sem dúvida contribuiu para que Amon fosse capaz de "converter um rei e, por meio dele, um povo".23

Leitura Complementar

Bruce H. Yerman, "Ammon and the Mesoamerican Custom of Smiting Off Arms", Journal of Book of Mormon Studies 8, no. 1 (1999): pp. 44–47, 78–79. John M. Lundquist e John W. Welch, "Ammon and Cutting Off the Arms of Enemies", em Reexploring the Book of Mormon: A Decade of New Research, ed. John W. Welch (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1992), pp. 180–181.

1. Hugh Nibley, The Prophetic Book of Mormon, The Collected Works of Hugh Nibley, Volume 8 (Salt Lake City and Provo, UT: Deseret Book and FARMS, 1989), p. 539. Ver as páginas 539-542 para a análise de Nibley sobre esse estranho evento no contexto dos esportes astecas. Brant A. Gardner, Traditions of the Fathers: The Book of Mormon as History (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2015), pp. 285–289 também discute a estranheza do episódio e o contextualiza com um fundo mesoamericano. 2. Esta é uma interpretação conjecturada de Royal Skousen, ed., The Book of Mormon: The Earliest Text (New Haven, CT: Yale University Press, 2009), p. 342. A atual edição santos dos últimos dias diz que "apenas seu líder matou com a espada". No manuscrito impresso (a versão mais antiga deste texto), "with t/his sword" (com esta/ a sua espada) é escrito como uma emenda supralinear por Joseph Smith em 1837. Ver Royal Skousen e Robin Scott Jensen, eds., Revelations and Translations—Volume 3, Part 1: Printer’s Manuscript of the Book of Mormon, 1 Néfi-Alma 35, The Joseph Smith Papers (Salt Lake City, UT: Church Historians Press, 2015), pp. 446–447. Para entender as razões de Skousen para alterar o texto, ver Royal Skousen, Analysis of Textual Variants of the Book of Mormon, Part 3: Mosiah 17-Alma 20, The Critical Text of the Book of Mormon, Volume 4 (Provo, UT: FARMS, 2006), pp. 1972–1975. 3. O historiador militar William J. Hamblin, escrevendo com Brent J. Merrill, descreveu a técnica necessária para cortar um braço e concluiu: "A técnica da espada de Amon faz muito sentido". William J. Hamblin e Brent J. Merrill, " Swords in the Book of Mormon", em Warfare in the Book of Mormon, ed. Stephen D. Ricks y William J. Hamblin (Salt Lake City y Provo, UT: Deseret Book y FARMS, 1990), pp. 335–347, cita na p. 337, seguido de uma extensa análise da faca de obsidiana Macuahuitl afiada usada na Mesoamérica nos tempos pré-colombianos, esp. p. 341. Brant A. Gardner, Second Witness: Analytical and Contextual Commentary on the Book of Mormon, 6 v. (Salt Lake City, UT: Greg Kofford Books, 2007), 4: p. 280, que repete: "Um golpe de um macuahuitl poderia cortar um braço? De acordo com um relatório de Titulo C'oyoi, criado por Quiché durante a conquista espanhola, o golpe de um macuahuitl cortou a cabeça de um cavalo em algum momento durante a batalha entre 1523 e 1527. Certamente decapitar um cavalo teria sido mais difícil do que cortar o braço humano". 4. Ver, por exemplo, Alonzo L. Gaskill, Miracles of the Book of Mormon: A Guide to the Symbolic Messages (Springville, UT: Cedar Fort, 2015), pp. 198–203; Alonzo L. Gaskill, "Ammon and the Arms of the Lamanites: Have we Been Misreading the Book of Mormon?" Restoration Studies 15 (2014): pp. 82–94. 5. Gaskill, Miracles of the Book of Mormon, p. 202. 6. John M. Lundquist e John W. Welch, "Ammon and Cutting Off the Arms of Enemies", em Reexploring the Book of Mormon: A Decade of New Research, ed. John W. Welch (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1992), p. 180. 7. C.L. Crouch, War and Ethics in the Ancient Near East: Military Violence in Light of Cosmology and History (Berlim: Walter de Gruyter, 2009), pp. 120–121, nota que em representações no antigo Oriente Próximo, muitas cabeças "eram frequentemente mostradas no alto em sinal de triunfo" e "eram apresentadas ao rei" como "troféus de guerra ou prova de sucesso". 8. Cyrus Gordon e Gary Rendsburg, The Bible and the Ancient Near East, 4th edition (New York, NY: W.W. Norton, 1997), pp. 179–180. 9. Manfred Bietak, Nicola Math, Vera Muller e Claus Jurman, "Report on the Excavations of a Hyksos Palace at Tell El-Dab c A/Avaris (23 de agosto – 15 de novembro de 2011)", Egypt and the Levant 22/23 (2012/2013), pp. 31–32; Manfred Bietak, "The Archaeology of the 'Gold of Valour'", Egyptian Archaeology 40 (2012): pp. 42–43. Ver "Hands and Arms as Trophies of Valor: Examples from Archaeology", Book of Mormon Central Blog (June 23, 2020). 10. Ver Lundquist e Welch, "Ammon and Cutting Off the Arms", pp. 180–181; Gordon e Rendsburg, The Bible and the Ancient Near East, pp. 179–180, p. 187 n.6; Crouch, War and Ethics in the Ancient Near East, pp. 120–121. 11. Bruce H. Yerman, "Ammon and the Mesoamerican Custom of Smiting Off Arms", Journal of Book of Mormon Studies 8, no. 1 (1999): pp. 44–47, 78–79. 12. Eles geralmente datam de meados do século XVI: "Muitos dos mitos descritos no texto têm antecedentes na arte e nas crenças religiosas dos povos da Mesoamérica que datam de cerca de dois mil anos antes da transcrição do manuscrito por seus autores K'iche'". Allen J. Christenson, trad. e ed., Popol Vuh, The Mythic Sections — Tales of First Beginnings From the Ancient K'iche'-Maya, Ancient Texts and Mormon Studies, no. 2 (Provo, UT: FARMS, 2000), p. 25. Christenson então diz: "Há valor, portanto, em ler cuidadosamente o texto, de uma perspectiva santo dos últimos dias, que revela conceitos teológicos antigos atuais entre os povos da Mesoamérica em um momento contemporâneo da história do Livro de Mórmon" (p. 25). 13. Christenson, Popol Vuh, The Mythic Sections, p. 59. Compare Dennis Tedlock, Popol Vuh, The Definitive Edition of the Mayan Book of the Dawn of Life and the Glories of Gods and Kings (New York, NY: Simon and Schuster, 1986), p. 92. 14. Ver V. Garth Norman, Izapa Sculpture, Part 1: Album, NWAF Papers, no. 30 (Provo, UT: New World Archaeological Foundation, Brigham Young University, 1973), placas 41–42; V. Garth Norman, Izapa Sculpture, Part 2: Text, NWAF Paper, no. 30 (Provo, UT: New World Archaeological Foundation, Brigham Young University, 1976), pp. 132–137. Até o momento, os monumentos de Izapan, Norman, Izapa Sculpture, Parte 1, 1 os data entre 300 a.C. e 250 d.C.. No entanto, as escavadeiras no local alegaram que provavelmente datam do início deste período, provavelmente entre 300 e 50 a.C., com alguns possivelmente datando do final de 100 d.C.. Ver Gareth W. Lowe, Thomas A. Lee Jr. e Eduardo Martinez Espinoza, Izapa: An Introduction to the Ruins and Monuments, NWAF Papers, no. 31 (Provo, UT: New World Archaeological Foundation, Brigham Young University, 1982), p. 23. 15. Ana Luisa Izquierdo y de la Cueva e Maria Elena Vega Villalobos, "O lugar do peru ocelado entre as energias divinas do pensamento maia", PARI Journal 16, no. 4 (2016): p. 19. Obrigado a Mark A. Wright por chamar a atenção da equipe da Central do Livro de Mórmon para esta publicação. Ver "Hands and Arms as Trophies of Valor: Examples from Archaeology", Book of Mormon Central Blog (June 23, 2020). 16. Yerman, "Ammon and the Mesoamerican Custom of Smiting Off Arms", pp. 44–47. 17. Yerman, "Ammon and the Mesoamerican Custom of Smiting Off Arms", p. 46. 18. Bernal Díaz del Castillo, The Discovery and Conquest of Mexico, pp. 1517–1521, trad. AP Maudslay (Londres, Eng.: Broadway House, 1928), p. 570. 19. Yerman, "Ammon and the Mesoamerican Custom of Smiting Off Arms", p. 47. 20. Lundquist e Welch, "Ammon and Cutting Off the Arms", p. 180. 21. Robert L. Millet e Joseph Fielding McConkie, Doctrinal Commentary on the Book of Mormon, 4 v. (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 1987–1992), 3: p. 130. 22. Lundquist e Welch, "Ammon and Cutting Off the Arms", p. 181. 23. D. Kelly Ogden e Andrew C. Skinner, Verse by Verse: The Book of Mormon, 2 v. (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2011), 1: p. 424.