KnoWhy #631 | Abril 15, 2022
Por que certas pragas foram enviadas contra o Egito?
Postagem contribuída por
Central das Escrituras
"E eu [...] multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas. Então os egípcios saberão que eu sou o Senhor, quando estender a minha mão sobre o Egito". Êxodo 7:3, 5
O conhecimento
O Livro do Êxodo registra um confronto dramático entre o Faraó, que se dizia um deus — e que teria o apoio dos deuses egípcios — e Jeová, através de seus representantes, Moisés e Aarão. Quando o faraó desafiou a ordem de Jeová de libertar os israelitas escravizados, uma série de dez pragas foi lançada sobre o Egito para forçar a mão do faraó e demonstrar a superioridade de Jeová como o verdadeiro Deus (Êxodo 7-12).
Comemorado ao longo de gerações por judeus do mundo todo durante a Páscoa Judaica, o relato adquiriu proporções épicas e tem sido popularmente lembrado em filmes e músicas. Naturalmente, também chamou a atenção de estudiosos da Bíblia e egiptólogos, que tentaram entender melhor o significado das pragas, em conjunto e individualmente. Nos últimos anos, estudiosos enfatizam cada vez mais como a compreensão do antigo Egito, seu bioma, sua religião e ideologia sobre a realeza, esclarece os motivos de Jeová ter usado especificamente estas pragas.
Por exemplo, estudos acadêmicos sobre os ciclos sazonais e fenômenos naturais que ocorrem no Egito descobriram que cada praga e sua respectiva ordem de ocorrência podem estar relacionadas à cheia anual do Rio Nilo.1 Em anos de cheias extremamente altas, devido a fortes chuvas nas nascentes de um importante afluente do Rio Nilo na Etiópia, o solo rico em algas torna as águas vermelho-sangue e exalam um odor pútrido, matando aos peixes e tornando a água não-potável (comparar com Êxodo 7:15-25). Isso inicia uma reação em cadeia, quando as rãs fogem das margens pantanosas em busca de terra seca, podendo propagar a animais e humanos as graves afecções de pele sofridas nas pragas 2 a 6 (ver tabela).
Estes eventos teriam ocorrido ao longo de vários meses, começando entre os meses de julho ou agosto, com a cheia do Rio Nilo, culminando por volta do mês de janeiro. As próximas três pragas — chuva de granizo, gafanhotos e trevas tão espessas que podiam ser "apalpadas", são relacionadas aos ventos sazonais, que ocorrem entre os meses de fevereiro a abril. Portanto, toda a sequência terminaria na primavera, correspondente à época da Páscoa.
Isso não quer dizer que as pragas não eram "sinais e maravilhas" divinas, como o relato bíblico se refere a elas (Êxodo 7:3). O Livro de Mórmon também se refere a esse tipo de castigo e destruição divina como "pestilência" (ver Helamã 10:6). O Senhor, em ocasiões necessárias, usou e intensificou esses fenômenos naturais para realizar a justiça e os julgamentos divinos. Ao fazer isso no Egito, foi transmitido ao Faraó que cada praga não era uma ameaça vã de Moisés ou de Jeová: era um risco real possível, que ele haveria de compreender. Isso significa que o faraó não teria desculpas para ignorar ou descartar o anúncio de cada nova praga como algo fantasioso ou improvável.
O uso desses fenômenos também afetou as principais crenças egípcias sobre seus deuses e reis. Na religião e na ideologia egípcia, os deuses do Egito — encarnados pelo faraó, seu representante vivo — eram quem deveria controlar estes processos e garantir a ordem natural.2 Como alguns estudiosos bíblicos argumentam, cada uma das pragas pode estar ligada às responsabilidades de divindades egípcias específicas (ver tabela) e, assim, demonstrar que é Jeová, e não os deuses egípcios, quem realmente exerce o controle sobre esse aspecto do mundo natural. (cf. Êxodo 12:12; Números 33:4).3
Da mesma forma, acreditava-se que o Faraó, como rei divino e representante dos deuses, controlava o mundo natural (cf. Êxodo 6:1).4 Era o Faraó quem tinha que controlar a subida do Nilo, e quando o rio adquiria a cor de sangue, era considerado sinal de um rei fraco.5 Na nona praga, "houve trevas espessas em toda a terra do Egito" (Êxodo 10:22). Conforme o egiptólogo e membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Kerry Muhlestein:
O escurecimento do sol pode ser o ataque mais direto à capacidade do Faraó de cumprir seus deveres reais diante do poder de Jeová. [...] O rei era visto como o responsável direto pelo fato de o Egito receber a luz solar ou iluminar as duas terras. [...] A presença do sol era um pilar da estabilidade teológica egípcia e da ideologia real. Assim, o poder de Jeová sobre o sol era monumental. Era uma evidência incontestável de que o rei havia sido derrotado.6
O porquê
Compreender o contexto egípcio antigo não apenas explica cada uma das pragas e sua sequência, mas também seu efeito cumulativo, que lançou a ordem natural em um completo caos. Muhlestein explicou:
Água poluída, excesso de rãs, várias infestações de insetos, doenças entre humanos e animais, tempestades, quebra de safra, escurecimento do sol e perda de vidas humanas são elementos de desordem que afetam todos os aspectos da vida egípcia. Essas calamidades, como catástrofes individuais, eram exatamente o tipo de coisa que o rei deveria evitar, mas sua chegada em uma sequência implacável poderia ser vista como nada menos que o caos triunfando sobre a ordem.7
O Faraó tinha, acima de tudo, que manter a ordem e evitar o caos. Assim, como John Currid conclui: "As pragas foram um ataque esmagador contra o Faraó e sua condição divina no Egito. [...] Em última análise, o principal objetivo das pragas era a glorificação de Javé e o reconhecimento de sua soberania sobre todos".8 Da mesma forma, Nahum Sarna explicou: "O Faraó era um deus autoproclamado, objeto de adoração por seus súditos. [...] Consequentemente, as pragas, a derrota indigna e o fim ignominioso do deus-rei constituem uma saga que respira desprezo pelo paganismo egípcio."9
Nada poderia ter sido transmitido de forma mais eficaz e clara aos egípcios (ver Êxodo 7:5) que é Jeová — e não Faraó ou seus deuses — quem estava no controle do mundo natural, lançando ao caos o ciclo anual, que normalmente trazia vida e prosperidade ao Egito e, em vez disso, usando-o para trazer devastação e destruição.
Como Muhlestein apontou, parte da ironia da história é que o Faraó tinha o poder de impedir o caos: tudo o que precisava fazer era aceitar que Israel havia partido e deixar que Deus prevalecesse. "No entanto, em sua arrogância, o Faraó se recusou a atender ao pedido do Senhor, criando assim o cenário que revelou sua impotência diante de Deus. Isto, em última instância, criou o caos, a antítese de tudo o que o Faraó deveria criar, mas era impotente ao entrar em conflito com os desejos e decretos de Jeová.10
Muitos hoje podem descobrir que, quando resistem à vontade de Deus em suas vidas, também poderá levar ao caos, embora em menor escala. Em vez de ser como o Faraó, "podemos escolher deixar Deus prevalecer em nossas vidas" e "podemos escolher deixar Deus ser a influência mais poderosa em nossas vidas". Se o fizermos, o Presidente Russell M. Nelson promete que "experimentarão por si mesmos que nosso Deus é 'um Deus de milagres'".11
Leitura Complementar
Kerry Muhlestein, "‘What I Will Do to Pharaoh’: The Plagues Viewed as a Divine Confrontation with Pharaoh", em From Creation to Sinai: The Old Testament through the Lens of the Restoration, ed. Daniel L. Belnap e Aaron P. Schade (Salt Lake City: Deseret Book; Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 2021), pp. 448–482. O artigo da Central do Livro de Mórmon, "Por que Abinádi alertou o povo sobre um vento oriental? (Mosias 12:6-7)", KnoWhy 560 (8 de maio de 2020).Perspectivas egípcias sobre as pragas do Egito12
Praga | Fenômenos naturais | Divindades egípcias | Funções do Faraó |
---|---|---|---|
1. As águas se transformam em sangue, os peixes morrem, a água fede e não pode ser bebida (Êxodo 7:14–24) | O solo rico em algas devido às grandes cheias torna as águas do Rio Nilo vermelhas como sangue e altera a oxidação da água, matando aos peixes, resultando em água com odor pútrido e insípida. | Hapi era o deus do Nilo e personificava a cheia anual, que trazia vida e fertilidade. O fato das águas ficarem vermelhas como sangue e matarem os peixes significava que Hapi não conseguia fornecer o sustento necessário. | Em algumas fontes, o rei é descrito como aquele que provoca o "avermelhamento" do Nilo. Em outras fontes, o rei exerce controle sobre o Nilo, mas quando é tingido de vermelho-sangue, sinaliza um rei fraco. |
2. As rãs infestam a terra e depois morrem e fedem (Êxodo 8:1–14) | Em resposta à enchente e ao avermelhamento das águas, as rãs deixaram as margens pantanosas e invadiram a terra seca. Enquanto isso, os peixes mortos e apodrecidos infectaram os insetos (que os sapos comeram) com antraz, que transmitiu a doença aos sapos, causando sua morte. | A deusa Hekhet (representada com uma cabeça de sapo) deveria controlar e administrar a população de sapos e evitar que se tornasse excessiva e fora de controle. A superpopulação de rãs provou que ela era impotente para deter a Jeová, quem exercia o verdadeiro poder. | Hekhet era a consorte do deus criador Khnum, que encarnava na terra no Faraó. Assim, o rei foi indiretamente atacado pelo descrédito da consorte do criador. |
3. Uma infestação de piolhos ou mosquitos (Êxodo 8:16–19)13 | As poças resultantes das cheias anormalmente altas seriam um fértil criadouro para mosquitos e piolhos, que se multiplicaram após a morte de sapos (um predador de insetos voadores). | Não há uma relação clara, mas alguns sugerem que os insetos alados poderiam fazer alusão ao deus egípcio Jepri, que era simbolizado por um besouro alado. | A infestação das pragas terrestres contribuiu para o caos geral e minimizou a reivindicação do rei de manter a ordem natural. |
4. Nuvens de moscas, que não afetam os hebreus (Êxodo 8:20–31) | Presumivelmente, uma mosca hematófaga, como a mosca-do-estábulo, poderia muito bem se espalhar com a extinção dos sapos. Gósen, onde os hebreus vivam, era geograficamente protegida dos enxames de moscas no vale principal do Rio Nilo. | Não há uma relação clara, mas alguns sugerem que os insetos alados poderiam fazer alusão ao deus egípcio Jepri, que era simbolizado por um besouro alado. | A infestação das pragas terrestres contribuiu para o caos geral e minimizou a reivindicação do rei de manter a ordem natural. |
5. Uma doença infecciosa atinge o gado dos egípcios, mas não o gado dos israelitas (Êxodo 9:1–7) | O enxame de moscas pode ter transmitido a infecção por antraz, mencionada anteriormente. O gado que consumiu pasto contaminado morreu. O gado hebreu não foi afetado, pois Gósen estava protegida dos enxames de moscas. | Os cultos aos touros eram comuns no Egito. Os deuses Apis, Ptah e Ra podem ser simbolizados como um touro. A deusa Hator era associada à vaca. | O Faraó era frequentemente representado como um pastor cuidando do gado, e a simbologia real incluía o cajado e o mangual do pastor. A realeza também estava relacionada ao simbolismo do touro e do carneiro. |
6. Úlceras de pele afligem todos os egípcios e seus rebanhos (Êxodo 9:8–12) | As picadas de moscas infectadas com antraz resultam em uma infecção cutânea não-letal. Mais uma vez, os israelitas não foram afetados, pois Gósen estava protegida do enxame de moscas. | A deusa Sejmet era responsável pela prevenção de epidemias e pela cura de doenças infecciosas, tanto em humanos quanto em animais. | A realeza estava relacionada a Osíris, que deveria impedir que as coisas apodrecessem ou inchassem. O rei também deveria ser capaz de cuidar da saúde e do bem-estar geral do povo. |
7. Uma grande tempestade de granizo, que matou as pessoas e o gado apanhados na tempestade e destruiu as plantações de cevada e linho, mas não afetou Gósen (Êxodo 9:13–35) | Devido aos padrões climáticos que prevalecem em fevereiro, quando a cevada e o linho estão crescendo, uma grande tempestade de granizo iria diretamente de norte a sul e não afetaria Gósen. | Essa catastrófica chuva de granizo desafiaria a autoridade das divindades egípcias do céu, como Nut, Shu e Tefnut. | O poder do Faraó se manifestava em nuvens de tempestade e relâmpagos, então ele deveria ser capaz de proteger o povo das tempestades. (Sobre danos às plantações, veja abaixo). |
8. Enxames de gafanhotos trazidos pelo vento leste, que devoram o que resta das plantações e são então varridos por um vento leste (Êxodo 10:1–20) | O gafanhoto é uma praga comumente conhecida no antigo Oriente Próximo. Eles se reproduzem no leste do Sudão e migram para o norte, ao longo do Mar Vermelho. Um vento leste (ou sudeste) os levaria para o vale do Rio Nilo e, em seguida, um "vento marítimo" (norte ou noroeste) os limparia. | O deus Senehem era um protetor divino contra pragas, como gafanhotos. | O rei deveria garantir uma boa colheita e evitar calamidades como uma praga de gafanhotos que destruiria as plantações. Uma colheita devastada era sinal de um rei fraco. |
9. Uma espessa escuridão que pode ser sentida escurece o sol por três dias, mas os israelitas ainda tinham luz (Êxodo 10:21-29) | Os ventos quentes do sul, conhecidos como khamsin, sopram a areia do deserto do Saara entre março e abril. Uma grande tempestade de vento nessa época pode escurecer completamente o céu por dias. Mais uma vez, a localização de Gósen a protegeria amplamente desse fenômeno. | O principal deus egípcio, Amon, era a personificação do sol. A incapacidade do sol de brilhar refletia a incapacidade de Amon de dar vida. | O rei estava intimamente associado a Ra e era considerado o Filho de Ra. Acreditava-se que ele era o responsável direto pelo fato de o Egito receber a luz do sol e guiá-lo com segurança em sua jornada pelo céu. |
10. Morte de todos os primogênitos egípcios e seus rebanhos (Êxodo 11:1–10; 12:29–31) | N/A | O próprio Faraó era considerado uma divindade, então a morte do herdeiro faraônico representava um desafio à sucessão divina. | O Faraó deveria ter o poder de decidir quem morreria e quem viveria, e de proteger os jovens do Egito da morte. |
1. O resumo a seguir é baseado na pesquisa de James K. Hoffmeier, Israel in Egypt: The Evidence for the Authenticity of the Exodus Tradition (New York, NY: Oxford University Press, 1996), pp.146–149; K. A. Kitchen, On the Reliability of the Old Testament (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 2003), pp. 249-251. Ver também James K. Hoffmeier, "Egypt, Plagues In", em Anchor Bible Dictionary, 6 vols., ed. David Noel Freedman (New York, NY: Double Day, 1992), 2:374–376; Nahum M. Sarna, Exploring Exodus: The Origins of Biblical Israel (New York, NY: Schocken Books, 1986), pp.68–73. 2. Veja Kerry Muhlestein, “‘What I Will Do to Pharaoh’: The Plagues Viewed as a Divine Confrontation with Pharaoh", em From Creation to Sinai: The Old Testament through the Lens of the Restoration, ed. Daniel L. Belnap y Aaron P. Schade (Salt Lake City: Deseret Book; Provo, UT: Religious Studies Center, Brigham Young University, 2021), pp.448–482; John D. Currid, Ancient Egypt and the Old Testament (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1997), pp.108–120. 3. Currid, Ancient Egypt and the OT, pp.108–113. Veja também Escabiose, Exploring Exodus, pp. 78-80. 4. Muhlestein, "What I Will Do to Pharaoh", p. 458: "É impossível separar completamente o Faraó do panteão de deuses do qual ele era membro integral e do qual serviu como representante terreno." 5. Muhlestein, "What I Will Do to Pharaoh", pp. 463–464. 6. Muhlestein, "What I Will Do to Pharaoh", p. 469. 7. Muhlestein, "What I Will Do to Pharaoh", p. 476. 8. Currid, Ancient Egypt and the OT, p. 120. 9. Escabiose, Exploring Exodus, p. 80. 10. Muhlestein, "What I Will Do to Pharaoh", p. 477. 11. Presidente Russell M. Nelson, "Que Deus prevaleça", Conferência Geral, outubro de 2020, disponível em churchofJesusChrist.org. 12. As informações nesta tabela são baseadas nas seguintes fontes: Para fenômenos naturais, consulte Hoffmeier, Israel in Egypt, pp. 146–149; Kitchen, Reliability of the OT, pp. 249–251. Para divindades egípcias, veja Currid, Ancient Egypt and the OT, pp. 108–113. Para as funções do faraó, consulte Muhlestein, "What I Will Do to Pharaoh", pp. 461–471. 13. Embora a Bíblia do Rei Jaime cite "piolhos" em traduções recentes (por exemplo, NVI — Nova Versão Internacional, NSRV —Nova versão padrão revisada, NET — Nova Tradução Inglesa, ESV — Versão padrão inglesa, tendem a citar "mosquitos"). Os pesquisadores argumentam que a referência é especificamente a mosquitos. Ver Hoffmeier, "Egypt, Plagues In", p. 375.