KnoWhy #464 | Novembro 26, 2018

Quem eram os “anciãos dos judeus” mencionados por Zorã?

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Scripture Central

"E falou-me a respeito dos anciãos dos judeus, pois sabia que seu amo, Labão, havia estado com eles durante a noite." 1 Néfi 4:22

O conhecimento

Em um episódio bem conhecido do Livro de Mórmon, Néfi se disfarçou com as vestes de Labão para obter as Placas de Latão (1 Néfi 3:3). Durante sua fuga, Néfi encontrou Zorã, o "servo de Labão que guardava as chaves do tesouro" onde as placas eram guardadas (1 Néfi 4:20). Sem saber que Néfi havia matado seu mestre e "supondo ele que [Néfi] […] verdadeiramente fosse Labão" (v. 26), Zorã falou livremente com Néfi sobre assuntos importantes. Isso incluiu algumas informações não mencionadas sobre os "anciãos dos judeus" em Jerusalém, que pareceram duas vezes na conversa (vv. 22, 27).

Essa curiosa descrição despertou a atenção de alguns pesquisadores. Quem eram exatamente esses "anciãos" e por que Néfi não fala mais sobre eles aos leitores? Como o Livro de Mórmon não oferece dados adicionais acerca de sua identidade, os estudiosos direcionaram sua atenção à instituição social dos "anciãos" israelitas no contexto da antiga Israel, em busca de uma compreensão mais aprofundada.1

Compilando as Escrituras, por William Hole. Compilando as Escrituras, por William Hole

A palavra hebraica traduzida como "ancião" na Bíblia em inglês é zāqēn e deriva da palavra hebraica para "barba". Assim, em sua definição mais básica, um "ancião" bíblico era uma pessoa muito velha ("barbuda"), portanto, um homem sábio e experiente que possuía autoridade e prestígio cultural, político ou religioso em Israel.2 Os anciãos da cidade são mencionados especialmente no Livro de Deuteronômio, refletindo as instituições sociais e atitudes cívicas que teriam sido mais proeminentes em Jerusalém no tempo de Leí. Portanto, os "anciãos dos judeus" em 1 Néfi 4:22 não são necessariamente os anciãos do sacerdócio de Melquisedeque, como os membros da Igreja podem supor. Em vez disso, eles provavelmente eram burocratas religiosos ou políticos que serviam como "líderes comunitários" em várias funções.3

A Bíblia hebraica parece fazer distinção entre os "anciãos nacionais" ou os "anciãos de Israel" que eram nomeados de acordo com a lei mosaica (v. gr. Êxodo 24:1, 9-11; Números 11:16) e os "anciãos da cidade" (cf. 1 Samuel 16:4) que "desempenha[vam] várias funções com sua comunidade local".4 Não está totalmente claro se os "anciãos dos judeus" mencionados em 1 Néfi 4:22 eram líderes nacionais ou locais, contudo, uma análise minuciosa do Livro de Mórmon, plausivelmente, indica a segunda alternativa.5

O pesquisador John A. Tvedtnes observou que "Jerusalém era uma cidade real e, consequentemente, seus anciãos eram funcionários públicos a serviço do rei".6 A associação de Labão com esses anciãos é compreensível, dada a maneira como ele é apresentado no registro de Néfi: um oficial militar aristocrático que comandava uma pequena guarnição e tinha acesso a um "tesouro" particular (1 Néfi 34). Nessa posição, Labão, sem dúvida, teria tido conexões com as elites de Jerusalém, incluindo os anciãos da cidade que podiam influenciar a política real e supervisionar as burocracias administrativas civis e religiosas.7

O porquê

Compreender a possível identidade dos "anciãos dos judeus" que estavam associados a Labão pode auxiliar os leitores do Livro de Mórmon a entenderem melhor a narrativa apresentada em 1 Néfi. Por exemplo, Néfi encontrou Labão à noite nas ruas escuras de Jerusalém enquanto ele vestia sua armadura (1 Néfi 4:19). Qual a razão para Labão vestir-se dessa maneira enquanto estava reunido com os "anciãos dos judeus"?

Zorã entregando as placas a Néfi. Imagem por Robert T. Barrett Zorã entregando as placas a Néfi. Imagem por Robert T. Barrett

Caso esses anciãos fossem, como é bastante provável, os funcionários encarregados da governança da cidade, o encontro noturno de Labão com eles, armado e trajando uma armadura, insinua a possibilidade de uma conspiração entre os líderes da cidade.8 Jerusalém teve um ambiente político volátil por volta de 600 a.C., com facções políticas e religiosas disputando o poder.9 Nesse contexto, não é improvável que o ganancioso e violento Labão se aliasse a um grupo de conspiradores que desejavam tirar proveito da situação vulnerável de Judá para seu ganho pessoal. Embora as alegações de que Labão estaria envolvido em uma conspiração com "os anciãos dos judeus" em Jerusalém devam permanecer especulativas, a evidência circunstancial vista no texto apoia essa interpretação.

A identidade desses anciãos também ajudaria a explicar por que Leí enfrentou uma oposição tão amarga. Leí, assim como seu contemporâneo profético Jeremias, não tinha medo de irritar as elites religiosas de Jerusalém que não sentiam necessidade de se arrepender e que persistiam em seus pecados. Como destacou Hugh Nibley, "Leí não tinha amizade com esses anciãos", já que, caso tivesse, sua vida não correria perigo. Assim sendo, ele 'foi expulso de Jerusalém' (Helamã 8:22; 1 Néfi 7:14) pelas únicas pessoas que poderiam tê-lo expulsado, pessoas importantes, os responsáveis pelas 'artimanhas sacerdotais e de iniquidades' que seriam sua ruína em Jerusalém (2 Néfi 10:5)".10

Para ser claro, nada disso significa que todos os anciãos da cidade na antiga Israel eram inerentemente corruptos ou perversos. Tampouco implica que os antigos judeus eram universalmente iníquos ou irredimíveis. Os "anciãos dos judeus" descritos em 1 Néfi eram apenas um pequeno grupo de poderosos atores políticos que se opunham a Leí. Certamente, havia muitos profetas e líderes religiosos e políticos justos na antiga Israel que se esforçaram sinceramente para defender a lei de Deus e que buscaram o bem-estar do povo do convênio. Devemos ser cuidadosos em evitar estereótipos negativos sobre os antigos judeus da época de Néfi em nosso discurso contemporâneo.11 Em vez disso, adquirir uma compreensão mais aprofundada do papel desses anciãos no contexto mais amplo da sociedade israelita pode facilitar aos leitores uma melhor compreensão das circunstâncias políticas e religiosas específicas vivenciadas por Jeremias e Leí, conforme relatado nas páginas iniciais do Livro de Mórmon.

Leitura Complementar

Keith H. Meservy, "Elders of the Jews", em Book of Mormon Reference Companion, ed. Dennis L. Largey (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2003), p. 241. John A. Tvedtnes, "The Elders at Jerusalem in the Days of Lehi", em The Most Correct Book: Insights from a Book of Mormon Scholar (Salt Lake City, UT: Cornerstone Publishing, 1999), pp. 59–75. Hugh Nibley, "Politics in Jerusalem", em An Approach to the Book of Mormon, The Collected Works of Hugh Nibley: Volume 6 (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1988), pp. 95–108.

1. Ver especialmente John A. Tvedtnes, "The Elders at Jerusalem in the Days of Lehi", em The Most Correct Book: Insights from a Book of Mormon Scholar (Salt Lake City, UT: Cornerstone Publishing, 1999), pp. 59–75. 2. Timothy M. Willis, The Elders of the City: A Study of the Elders-Laws in Deuteronomy, The Society of Biblical Literature Monograph Series 55 (Atlanta, GA: Society of Biblical Literature, 2001), pp. 8–13. 3. Keith H. Meservy, "Elders of the Jews", em Book of Mormon Reference Companion, ed. Dennis L. Largey (Salt Lake City, UT: Deseret Book, 2003), p. 241.

4. Willis, The Elders of the City, p. 9. 5. Tvedtnes, "The Elders at Jerusalem in the Days of Lehi", pp. 64–65. 6. Tvedtnes, "The Elders at Jerusalem in the Days of Lehi", p. 64. 7. Tvedtnes, "The Elders at Jerusalem in the Days of Lehi", pp. 60–63. 8. Hugh Nibley, Lehi in the Desert/The World of the Jaredites/There Were Jaredites, The Collected Work of Hugh Nibley: Volume 5 (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1988), pp. 98–99. 9. Ver Tvedtnes, "The Elders at Jerusalem in the Days of Lehi", pp. 66–71; Aaron P. Schade, "The Kingdom of Judah: Politics, Prophets, and Scribes in the Late Preexilic Period", em Glimpses of Lehi's Jerusalem, ed. John W. Welch, David Rolph Seely e Jo Ann H. Seely (Provo, UT: FARMS, 2004), pp. 299–336. 10. Hugh Nibley, An Approach to the Book of Mormon, The Collected Works of Hugh Nibley: Volume 6 (Salt Lake City e Provo, UT: Deseret Book e FARMS, 1988), p. 96. 11. Ver mais em Matthew L. Bowen, "'What Thank They the Jews'? (2 Nephi 29:4): A Note on the Name 'Judah' and Antisemitism", Interpreter: A Journal of Mormon Scripture 12 (2014): pp. 111–125.

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